APRESENTAÇÃO



A presente obra reúne textos de importantes intelectuais brasileiros(s) que participaram do I Simpósio Nacional de Pesquisadores em Comunicação e Cibercultura, realizado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em setembro de 2006. (Para detalhes sobre o evento, ver a Introdução).

Democrática e oportunamente, tanto mais em razão da velocidade das mudanças sociotecnológicas em curso, os organizadores acolheram artigos não expostos naquela ocasião, contribuições egressas (por regra editorial do ebook) da pesquisa dos(as) conferencistas e mediadores(as) convidados(as). Em razão desse procedimento e também do fato de os textos terem sido, como de praxe, posteriormente revistos e complementados pelos(as) autores(as), o livro, embora concebido no processo de organização do evento, não deixa, de certa forma, de se descolar positivamente dele.

Os objetivos editoriais da coletânea remontam, ipsis litteris, ainda assim, aos do projeto completo do evento, constantes do call for papers dirigido aos(às) convidados(as), objetivos que, vê-se agora, o transcurso do tempo, antes de dissipar, tonificou e, por isso, merecem evocação com variações de forma, uma vez plenamente realizados. A obra se assenta em agenda compartilhada de reflexão sobre temáticas centrais da cena social, política, cultural, econômica e tecnológica contemporânea ligadas ao fenômeno transnacional da cibercultura, a fase do capitalismo pós-industrial fincada em tecnologias e redes interativas; disponibiliza, em contexto online de acesso universalizado, resultados da esfera pública teórica de discussão e transmissão do conhecimento então instalada entre professores(as), pesquisadores(as), pós-graduandos(as), especialistas e profissionais interessados(as) na abordagem interdisciplinar de problemas do mundo tecnológico avançado, em especial os atinentes às macrorrelações entre media/redes interativos e reorganização do social, da política, da cultura e da economia; acena para o fomento à diversificação da produção intelectual no campo de estudos da cibercultura, para a nucleação teórica, epistemológica e metodológica desse campo e para o desenvolvimento da entidade científica fundada no Simpósio, a ABCiber - Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (detalhes também na Introdução e no site www.abciber.org.br); e fornece inúmeros elementos conceituais para a formação de uma visão abrangente e criteriosa a respeito da era tecnológica atual.

A titulação do conjunto dos textos, na cobertura metafórica que lhes projeta ao renovar a conhecida inter-remissão especular, evoca o estado da arte da cibercultura. O subtítulo certamente patenteia que essa equivalência simbólica se efetiva por um recorte particular; ele é, porém, além de veraz, adequadamente amplo, vigorando como prisma privilegiado e candente de apreensão dos múltiplos tracejados sociotecnológicos do presente. Eventualmente, o subtítulo poderia ser, in abstrato, “Problemas, pressupostos e horizontes de possibilidade [da cibercultura]” ou, mais concretamente, “Hibridismo, liquidez, mobilidade e imersão no mundo virtual”. Com efeito, preferiu-se, para o caso, um trecho referencial que aludisse, a um só tempo e com fidelidade, a três fatores conexos: ao contexto institucional originário da obra, ao cenário social-histórico e tecnocultural contemporâneo e à natureza e urdidura sociocultural dos media e redes interativas. O subtítulo firmado acolheu, nesse aspecto, duas dimensões antropológicas básicas de atuação humana, em sua polissemia possível: ciência e vida, espírito e vivido, teoria e prática, então apreendidas à luz da atmosfera cibercultural da época. É o que a totalidade de sentido laborado nos textos provisiona, como costura certa, tanto sintética quanto complexa.

Na textura mais sobressalente de suas entrelinhas, o subtítulo da obra não deixa de pressupor, em regra, que a cibercultura constitui um estirão histórico fracionado em fases relativamente decenais, desde o século passado, a saber, tout court: do final de 1960 a 1980, vê-se o nascimento militar e o desenvolvimento acadêmico da Internet, bem como a descentralização social da informação; do final de 1980 a 2000, têm-se o advento da Web (e sua assunção hipermediática integral da Internet, com abertura a todas as iniciativas comerciais e civis), a absorção online dos media e procedimentos de massa, a proliferação social dos softwares livres, a emergência de comunidades virtuais, o desencadeamento de usos táticos dos media interativos e a tendência ao nomadismo com base em equipamentos digitais miniaturizados; e do início deste século até hoje, observaram-se a multiplicação e diferenciação acentuada dos canais de atuação online e dos dispositivos de convergência tecnológica e conexão, o desenvolvimento da Web 2.0, o surgimento das redes sociais (culturalmente conservadoras ou socialmente tensionais), a expansão do trabalho colaborativo online e a afirmação da tendência à mobilidade infotecnológica. Quer-se crer – sem profissão de certeza, no entanto – que, décadas após a sua conformação social-histórica, o próximo decênio da cibercultura (ou talvez em medida cronológica mais diminuta, já que os tempos das reciclagens infotécnicas têm se contraído sobremaneira, ao calor das inovações corporativas e das consequentes apropriações sociais ao redor do globo) conviva, mais fortemente, com a sua tradução cognitiva organizada no espaço acadêmico, isto é, como campo de conhecimento institucionalizado, e, como não poderia deixar de ser, [conviva] com o seu modo de disposição cotidiano mais definido (especialmente nas metrópoles e cidades médias desenvolvidas), como vivência prática, coletiva e integral, com características apreensíveis com maior clareza e profundidade, no âmbito do conceito, independentemente de qualquer linha de consenso teórico a respeito. O argumento, que não pressupõe absolutamente qualquer aposta programática, muito ao contrário, apenas descreve, se muito, um tracejado de força já assentado no presente e que, sendo irreversível, acorre concretamente para o amanhã.

Se, nessa esteira, a obra mostra, por um lado, a cibercultura tal como realizada e vista no Brasil, por outro, essa angulação se opera, simultânea e evidentemente, em espelhamento reflexivo de macrotendências infotecnológicas em escala internacional. Lembre-se en passant que, em matéria teórica e epistemológica, o Brasil se encontra, nesse universo de estudos, em estágio notadamente avançado em comparação com outros países, desenvolvidos ou não. O campo científico interdisciplinar aqui constituído recentemente, de que a Introdução da coletânea oferece sucinto testemunho, é um expressivo indicador disso.

Dividida em cinco macrosseções temáticas, cada qual com sentido sinalizador, selado na respectiva nomenclatura proposta, a obra, no tocante aos seus elementos epistemológicos estruturais, se articula nas áreas de Comunicação, Ciência da Informação, Filosofia, Semiótica, Estética, Política, Antropologia, Sociologia e Artes. Focada no cenário social-histórico mais recente e vindouro da trajetória de fases da cibercultura, a coletânea encerra os elementos nucleares que, em sua preocupação multilateral de base, perpassam, direta ou indiretamente, como pressupostos fundamentais, alguns dos principais platôs temáticos/conceituais da atualidade: a cultura pós-massiva e a convergência digital, a questão democrática e a liberdade, os vetores espacial e temporal, a vida cotidiana e suas mediações, o imaginário, a subjetividade e a percepção, o corpo e a sociabilidade, a cognição e a autoria, a educação, a telepresença e a experiência de imersão, as redes sociais e a mobilidade, o jogo, a música e o consumo.

Cerzindo esses vórtices de interesse, preside a obra, claramente, um fio condutor definido, que, ao fim e ao cabo, os apruma a contrapelo: a maioria dos textos aborda e/ou propõe a desconstrução da lógica da modernidade massificada e do modelo de comunicação unívoca; e, nessa vertente, a reescritura de vários dos elementos antes mencionados, vale dizer, em arco: do real convencional à invenção democrática, do espaço e do tempo às demais mediações sociais, da materialidade do corpo às formas de subjetividade, do estilo à arte – enfim, do humano em seu estatuto histórico recente –, entre outros fatores.

Como textos que subsistem per se, com densidade típica, além de fala própria, dispensam, a rigor, mediações interpretativas no mesmo âmbito em que somam espaço com a respectiva apresentação, os préstimos editoriais de sucinta referência a cada qual, em geral selados em preâmbulos similares, foram, a bom critério dos organizadores, cumpridos, desta vez – em aproveitamento dos recursos hipertextuais da rede –, com salvaguarda integral da representatividade direta de cada tessitura proposta. A obra provê, na planilha de menus online e ao final da versão em pdf, a sinopse de cada artigo.

No todo, os textos contribuem, de modo decisivo, para mapear e perfilar o novo campo interdisciplinar de conhecimento que a ABCiber, em seu objetivo institucional e acadêmico, se propôs a organizar, fomentar, expandir e consolidar no Brasil. Nesse caminho, a obra se interpõe com especial plenitude, abrindo-se aos leitores(as) com a renovação da certeza de ter cumprido as metas que lhe cabiam.

 

Os organizadores