EDUCAÇÃO PRESENCIAL E ONLINE:
SUGESTÕES DE INTERATIVIDADE NA CIBERCULTURA1
 

Marco Silva

 

Finalmente, o dispositivo interativo, ao suspender a lógica audiovisual (os media de
massa), deixa também emergir progressivamente o fim da noção de receptor
passivo. As novas navegações interativas serão, assim, uma nova libertação face à
lógica unívoca do sistema mass-mediático predominante no século XX. Doravante
viveremos a superação desse constrangimento.
Francisco R. Cádima (1996)

I – INTRODUÇÃO


A sala de aula tradicionalmente baseada na oratória do mestre tem sido cada vez mais questionada em seu ritmo unidirecional associado ao perfil do aprendiz que permanece demasiado tempo inerte, olhando o quadro, ouvindo récitas, copiando e prestando contas pontuais. O peso histórico de um modelo cristalizado costuma demarcar também a emergente sala de aula online, onde prevalece o modus operandi centrado na performance do mestre, responsável pela produção e distribuição de pacotes de “conhecimentos”. Na modalidade via internet, permanece o modelo instrucional do LMS (learning management system) ou “ambiente virtual de aprendizagem”, que subutiliza seus mecanismos de interatividade, de criação colaborativa, de aprendizagem construída.

Na modalidade online, o docente ainda trata os aprendizes como recipientes de informação e não como agentes de colaboração, de compartilhamento e de cocriação. A lógica da distribuição unidirecional é a mesma da mídia de massa e da sociedade industrial. Embora utilizando fóruns e e-mails, a interação é muito pobre. A educação continua a ser, mesmo com as interfaces digitais online, uma obrigação chata, burocrática, que geralmente resulta em evasão ou no silêncio virtual. Se o paradigma comunicacional não é mudado, as tecnologias digitais online acabam servindo para reafirmar o que já se faz.

Este texto faz a crítica da docência unidirecional que perdura na sala de aula presencial e online. Parte do entendimento de que vivemos a transição do modo de comunicação massivo próprio da televisão e da sala de aula baseada na transmissão para o modo de comunicação interativo próprio da ambiência sociotécnica demarcada pelo computador online e chamada de cibercultura.

A partir da crítica ao modo de comunicação que prevalece na educação escolar e universitária, presencial e online, o texto sugere estratégias de organização e funcionamento da docência nessa ambiência, que permitem redefinir a atuação dos professores e aprendizes como agentes do processo de comunicação e da aprendizagem. Destaca também a importância da prática docente reflexiva como dispositivo concreto para a formação continuada de professores.

II – O DESAFIO DE EDUCAR NA CIBERCULTURA


A pedagogia baseada na transmissão para memorização e repetição é o modelo de ensino mais corriqueiro na maior parte das escolas e universidades em todo o mundo. Muito se questionou essa prática pedagógica, mas pouco se fez para modificá-la efetivamente. Doravante teremos mais do que a força da crítica mais veemente já feita. Teremos a exigência cognitiva e comunicacional das novas gerações que emergem com a cibercultura.

A cibercultura se constitui como conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores, que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço, o “novo meio de comunicação que surge com a interconexão mundial de computadores” que conhecemos como internet, “principal canal de comunicação e suporte de memória da humanidade a partir do início do século 21”; “espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores”; “novo espaço de comunicação, de sociabilidade, de organização e de transação, mas também o novo mercado da informação e do conhecimento”, que “tende a tornar-se a principal infra-estrutura de produção, transação e gerenciamento econômicos” (Lévy, 1999, p. 32; 92; 167).

Ciberespaço e cibercultura significam rompimento paradigmático com o reinado da mídia de massa baseada na transmissão. Enquanto esta efetua a distribuição para o receptor massificado, o ciberespaço, fundado na codificação digital, permite ao indivíduo teleintrainterante a comunicação personalizada, operativa e colaborativa em rede hipertextual. A transição do analógico para o digital2 supõe migração da TV analógica, que separa emissão e recepção, para o computador online, em que o site, em vez de assistido, deve ser manipulado, operado, compartilhado, cocriado, e no qual o caminho da informação e da comunicação vem da autoria do internauta, pois pressupõe imersão e participação-intervenção do indivíduo – experiência incomum na mídia de massa.

A cibercultura emerge com o ciberespaço constituído por novas práticas comunicacionais (e-mails, listas, weblogs, jornalismo online, webcams, chats etc.) e novos empreendimentos que aglutinam grupos de interesse (cibercidades, games, software livre, ciberativismo, arte eletrônica, MP3, ciberssexo etc.). Segundo Lemos (2003, p. 12), “podemos entender a cibercultura como a forma sócio-cultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 1970”. O ciberespaço é o “hipertexto mundial interativo, onde cada um pode adicionar, retirar e modificar partes dessa estrutura telemática, como um texto vivo, um organismo auto-organizante”; é o “ambiente de circulação de discussões pluralistas, reforçando competências diferenciadas e aproveitando o caldo de conhecimento que é gerado dos laços comunitários, podendo potencializar a troca de competências, gerando a coletivização dos saberes”; é o ambiente que “não tem controle centralizado, multiplicando-se de forma anárquica e extensa, desordenadamente, a partir de conexões múltiplas e diferenciadas, permitindo agregações ordinárias, ponto a ponto, formando comunidades ordinárias” (Lemos, 2002, p. 131; 145; 146).

Nesse contexto sociotécnico, os integrantes da chamada “geração digital” (Tapscott, 1999) estão cada vez menos passivos perante a mensagem fechada à intervenção, pois aprenderam com o controle remoto da televisão, com o joystick do videogame e agora com o mouse do computador conectado. Eles evitam acompanhar argumentos lineares que não permitem a sua interferência e lidam facilmente com a diversidade de conexões de informação e de comunicação nas telas. Modificam, produzem e partilham conteúdos. Essa atitude diante da mensagem é sua exigência de uma nova sala de aula, seja na educação básica e na universidade, seja na educação presencial e na educação à distância.

Geração digital  
 

Os professores e as professoras estão cada vez mais compelidos à utilização de novas tecnologias de informação e de comunicação, mas permanecem pouco atentos à necessidade de modificar a sala de aula centrada na pedagogia da transmissão. Nem sempre as soluções encontradas significam salto qualitativo em educação. Afinal, o essencial não é apenas a tecnologia, mas novas estratégias pedagógicas capazes de comunicar e educar em nosso tempo.

Não é possível assumir a condição de educadores/educadoras utilizando práticas unidirecionais centradas na autoria exclusiva da emissão sem prejuízo para a educação sintonizada com o espírito do nosso tempo. As separações entre locutor e interlocutor, sujeito e objeto do conhecimento, observador e observável, tempo e espaço, precisam ser ressignificadas, pois vivemos em um mundo de mudanças e crises diversas, tanto nos modos e meios de produção de bens e serviços, quanto nos processos de formação e (re)construção de saberes e conhecimentos na sociedade da informação e da cibercultura.

III – A CULTURA DA TRANSMISSÃO PERDE TERRENO


Na cibercultura, cresce a fragilização da escola e da universidade no cumprimento de sua função social de formar cidadãos esclarecidos e senhores de seu próprio destino e do destino coletivo. Uma explicação para essa fragilização é, certamente, a sala de aula que não estimula a participação colaborativa dos aprendizes na construção do conhecimento. Na sala de aula, permanece o mesmo modelo da mídia de massa: a distribuição de pacotes prontos de informações que separa emissão e recepção. Quando o ensino está centrado na emissão dos professores e do livro, cabe ao aprendiz o lugar da recepção passiva que não exercita a participação cidadã.

A cultura da transmissão perde terreno quando, culturalmente, emerge a valorização das interações e da interatividade. Entretanto, a escola tradicional e a mídia clássica (rádio, cinema, imprensa e TV) ainda se sustentam na cultura da transmissão que separa emissão e recepção (SILVA; SANTOS, 2006, p. 25-67).

Os gestores das mídias de massa mais atentos ao espírito do nosso tempo vão, gradativamente, se dando conta de que é preciso encontrar alternativas à lógica da distribuição em massa e procuram modificar seus programas, incluindo estratégias que permitem alguma reciprocidade com o público. Os professores também podem atentar para a cultura comunicacional emergente e modificar a ambiência de aprendizagem de sua sala de aula e educar em nosso tempo.

Muitos professores sabem que é preciso investir em relações de reciprocidade para construir o conhecimento. Aprenderam isso pelo menos com o construtivismo, que ganhou enorme adesão em escolas de todo o mundo destacando o papel central das interações como fundamento da aprendizagem. Entenderam que a aprendizagem é um processo de construção do discente que elabora os saberes graças às interações com outrem.

De fato, o construtivismo significa um salto qualitativo em educação. Porém, mesmo adeptos do construtivismo, os professores podem permanecer apegados à transmissão porque não desenvolveram uma atitude comunicacional que favoreça e promova as interações e a aprendizagem.

Daí a necessidade de desenvolver uma atitude comunicacional não apenas atenta para as interações, mas que também as promova de modo criativo. Essa atitude supõe estratégias específicas desenvolvidas com base na percepção crítica de uma mudança paradigmática em nosso tempo: a transição da tela da TV analógica para a tela do computador ou a emergência de uma nova cultura das comunicações.

A tela da TV analógica é um plano de irradiação com duas dimensões: altura e largura. A tela do computador permite imersão. Além de altura e largura, tem profundidade, que permite ao usuário interagir e não meramente assistir. Permite adentrar, operar e modificar. Com a pedagogia da transmissão, os professores estão no mesmo paradigma da TV. Eles são transmissores iluminados que editam e transmitem os conteúdos de aprendizagem para alumno, que, em latim, quer dizer "carente de luz". Este, por sua vez, enquanto “geração digital”, migra da tela da TV analógica para a do computador online, buscando interatividade.

Mesmo situados na sala de aula presencial “infopobre”, os professores precisam estar atentos ao nosso tempo digital, ao designer de games, ao webdesigner: eles não apresentam uma história para se ver, ouvir ou assistir, mas oferecem uma rede de conexões em territórios abertos a navegações, interferências e modificações. Os professores podem dar-se conta dessa atitude comunicacional e tomá-la como base de inspiração na construção de alternativas às práticas de transmissão que predominam em sua docência.

IV – PERSPECTIVAS PARA UMA DOCÊNCIA INTERATIVA PRESENCIAL E ONLINE


Mesmo ganhando maturidade teórica e técnica com o desenvolvimento da internet e dos games, o significado do termo “interatividade” cai na banalização quando usado como “argumento de venda” (Sfez, 1994) em detrimento de um prometido plus comunicacional.

Nesse caso, vale a pena atentar para o sentido depurado do termo presente “arte participacionista”3, da década de 1960, definida também como “obra aberta”. O parangolé do artista plástico carioca Hélio Oiticica é um exemplo muito favorável à explicitação dos fundamentos da interatividade (SILVA; SANTOS, 2006, p. 187-193).

O parangolé rompe com o modelo comunicacional baseado na transmissão. Ele é pura proposição à participação ativa do “espectador” – termo que se torna inadequado, obsoleto. Trata-se de participação sensório-corporal e semântica e não de participação mecânica. Oiticica quer a intervenção física na obra de arte e não apenas contemplação imaginal separada da proposição. O fruidor da arte é solicitado à “completação” dos significados propostos no parangolé. E as proposições são abertas, o que significa convite à cocriação da obra. O indivíduo veste o parangolé, que pode ser uma capa feita com camadas de panos coloridos que se revelam à medida que ele se movimenta correndo ou dançando. Oiticica o convida a participar do tempo da criação de sua obra e oferece entradas múltiplas e labirínticas que permitem a imersão e intervenção do “participador”, que nela inscreve sua emoção, sua intuição, seus anseios, seu gosto, sua imaginação, sua inteligência. Assim, a obra requer “completação” e não simplesmente contemplação. Segundo Oiticica, “o participador lhe empresta os significados correspondentes – algo é previsto pelo artista, mas as significações emprestadas são possibilidades suscitadas pela obra não previstas, incluindo a não-participação nas suas inúmeras possibilidades também” (Oiticica, 1994, p. 70-83).

“Parangolé”4  
 

Essa concepção de arte (ou “antiarte”, como preferia Oiticica), inconcebível fora da perspectiva da coautoria, tem algo a sugerir aos professores. Eles propõem a aprendizagem na mesma perspectiva da coautoria que caracteriza o parangolé. Propõem o conhecimento, não o transmitem. Não o oferecem a distância para a recepção audiovisual ou “bancária” (sedentária, passiva), como criticava o educador Paulo Freire (1996).

Os professores propõem o conhecimento aos estudantes, como o artista propõe sua obra potencial ao público. Isso supõe, segundo Passarelli (1993, p. 66), “modelar os domínios do conhecimento como ‘espaços conceituais’, onde os alunos podem construir seus próprios mapas e conduzir suas explorações, considerando os conteúdos como ponto de partida e não como ponto de chegada no processo de construção do conhecimento”. A participação do aprendiz inscreve-se nos estados potenciais do conhecimento proposto pelo professor, de modo que ambos evoluam com coerência e continuidade em torno dos objetivos de aprendizagem planejados. O aprendiz não está mais reduzido a olhar, ouvir, copiar e prestar contas. Ele cria, modifica, constrói, aumenta e, assim, torna-se coautor. Exatamente como no parangolé, em vez de ter-se obra acabada para olhar, espiar, assistir, tem-se seus elementos potenciais dispostos à manipulação, à modificação, a criação e cocriação.

O docente disponibiliza um campo de possibilidades, de caminhos que se abrem quando elementos são acionados pelos aprendizes. Ele garante a possibilidade de significações livres e plurais e, sem perder de vista a coerência com sua opção crítica embutida na proposição, coloca-se aberto a ampliações, a modificações vindas da parte dos aprendizes. Uma pedagogia baseada nessa disposição à coautoria, à interatividade, requer a morte do docente narcisicamente investido de poder. Expor sua opção crítica à intervenção, à modificação, requer humildade. Mas, diga-se, humildade e não fraqueza ou minimização da autoria, da vontade, da ousadia. Seja na sala de aula equipada com computadores conectados à internet, seja no ambiente de educação online, seja na sala de aula infopobre, os professores podem verificar que o conhecimento não está mais centrado na emissão, na transmissão.

Na cibercultura, os atores da comunicação tendem à interatividade e não mais à separação da emissão e recepção própria da mídia de massa. Para posicionarem-se nesse contexto e aí educar, os professores precisarão atentar para o hipertexto, isto é, para o não-sequencial, para a montagem de conexões em rede que permite uma multiplicidade de recorrências entendidas como conectividade, diálogo, participação e colaboração. Eles precisarão levar em conta que, de meros veiculadores de lições-padrão, precisarão se converter em formuladores de interrogações, coordenadores de equipes de trabalho, sistematizadores de experiências de construção de conhecimento.

Docência unidirecional (modelo um-todos) Docência interativa (modelo todos-todos)  
 

O docente propõe o conhecimento à maneira do hipertexto. Assim redimensiona a sua autoria. Não mais a prevalência do falar-ditar, da distribuição de informação, mas a perspectiva da proposição complexa do conhecimento à participação colaborativa dos participantes, dos atores da comunicação e da aprendizagem. Ele pode construir sua docência interativa inspirada no parangolé de Oiticica. Para isso, precisará modificar seus métodos de ensinar baseados na transmissão e memorização. E, para tanto, será preciso atentar para alguns princípios básicos (SILVA, 2005, p. 280):

1. Propiciar oportunidades de múltiplas experimentações e expressões:

  • promover oportunidades de trabalho em grupos colaborativos;
  • desenvolver o cenário das atividades de aprendizagem de modo a possibilitar a participação livre, o diálogo, a troca e a articulação de experiências;
  • utilizar recursos cênicos para despertar e manter o interesse e a motivação do grupo envolvido;
  • favorecer a participação coletiva em debates presenciais e online;
  • garantir a exposição de argumentos e o questionamento das afirmações.
2. Disponibilizar uma montagem de conexões em rede que permita múltiplas ocorrências:
  • fazer uso de diferentes suportes e linguagens midiáticos (texto, som, vídeo, computador, internet) em mixagens e em multimídia, presenciais e online;
  • garantir um território de expressão e aprendizagem labiríntico, com sinalizações que ajudem o aprendiz a não se perder, mas que, ao mesmo tempo, não o impeçam de se perder;
  • desenvolver, com a colaboração de profissionais específicos, um ambiente intuitivo, funcional, de fácil navegação e que poderá ser aperfeiçoado na medida da atuação do aprendiz;
  • propor a aprendizagem e o conhecimento como espaços abertos à navegação, colaboração e criação, permitindo que o aprendiz conduza suas explorações.
3. Provocar situações de inquietação criadora:
  • promover ocasiões que despertem a coragem do enfrentamento em público diante de situações que provoquem reações individuais e grupais;
  • encorajar esforços no sentido da troca entre todos os envolvidos, juntamente com a definição conjunta de atitudes de respeito à diversidade e à solidariedade;
  • incentivar a participação dos estudantes na resolução de problemas apresentados, de forma autônoma e cooperativa;
  • elaborar problemas que convoquem os estudantes a apresentar, defender e, se necessário, reformular seus pontos de vista constantemente;
  • formular problemas voltados para o desenvolvimento de competências que possibilitem ao aprendiz ressignificar ideias, conceitos e procedimentos.
4. Arquitetar colaborativamente percursos hipertextuais:
  • articular o percurso da aprendizagem em caminhos diferentes, multidisciplinares e transdisciplinares, em teias, em vários atalhos, reconectáveis a qualquer instante por mecanismos de associação;
  • explorar as vantagens do hipertexto: disponibilizar os dados de conhecimento exuberantemente conectados e em múltiplas camadas ligadas a pontos que facilitem o acesso e o cruzamento de informações e de participações;
  • implementar no roteiro do curso diferentes desenhos e múltiplas combinações de linguagens e recursos educacionais retirados do universo cultural do estudante e atento aos seus eixos de interesse.
5. Mobilizar a experiência do conhecimento:
  • modelar os domínios do conhecimento como espaços conceituais, nos quais os aprendizes possam construir seus próprios mapas e conduzir suas explorações, considerando os conteúdos como ponto de partida e não como ponto de chegada no processo de construção do conhecimento;
  • desenvolver atividades que propiciem não só a livre expressão, o confronto de ideias e a colaboração entre os estudantes, mas também o aguçamento da observação e da interpretação das atitudes dos atores envolvidos;
  • implementar situações de aprendizagem que considerem as experiências, os conhecimentos e as expectativas que os estudantes trazem consigo.
Para operar com esses cinco princípios da docência interativa, o professor precisará garantir engajamentos comunicacionais específicos:
  • acionar a participação-intervenção do receptor, sabendo que participar é muito mais que responder “sim” ou “não”, é muito mais que escolher uma opção dada; participar é modificar, é interferir na mensagem (SILVA, 2000).
  • garantir a bidirecionalidade da emissão e recepção, sabendo que a comunicação é produção conjunta da emissão e da recepção; o emissor é receptor em potencial e o receptor é emissor em potencial; os dois pólos codificam e decodificam (SILVA, 2000).
  • disponibilizar múltiplas redes articulatórias, sabendo que não se propõe mensagem fechada; ao contrário, oferecem-se informações em redes de conexões permitindo ao receptor ampla liberdade de associações, de significações (SILVA, 2000).
  • engendrar a cooperação, sabendo que a comunicação e o conhecimento se constroem entre aprendizes e docente como cocriação (SILVA, 2000).
  • suscitar a expressão e a confrontação das subjetividades no contexto presencial e nas interfaces fórum, e-mail, chat, blog, wiki e portfólio, sabendo-se que a fala livre e plural supõe lidar com as diferenças na construção da tolerância e da democracia (SILVA, 2003; 2005).
  • garantir no ambiente online de aprendizagem uma riqueza de funcionalidades específicas, tais como: intertextualidade (conexões com outros sites ou documentos), intratextualidade (conexões no mesmo documento), multivocalidade (multiplicidade de pontos de vista), usabilidade (percursos de fácil navegabilidade intuitiva), integração de várias linguagens (som, texto, imagens dinâmicas e estáticas, gráficos, mapas), hipermídia (convergência de vários suportes midiáticos abertos a novos links e agregações) (Santos, 2003).
  • estimular a autoria cooperativa de formas, instrumentos e critérios de avaliação, criando e assegurando a ambiência favorável à avaliação formativa e promovendo avaliação contínua (SILVA; SANTOS, 2006).
No ambiente comunicacional assim definido, estes princípios da docência interativa são linhas de agenciamento que podem potencializar a autoria do docente, presencial e online. A partir de agenciamentos de comunicação capazes de contemplar o perfil comunicacional da geração digital que emerge com a cibercultura, o docente pode promover uma modificação qualitativa na sua docência, na pragmática da aprendizagem e, assim, reinventar a sala de aula em nosso tempo.

V – CONCLUSÕES EM FAVOR DA DOCÊNCIA SINTONIZADA COM O DIGITAL E O CURRÍCULO


Em nosso tempo “interatividade” tornou-se uma palavra em voga. Vende geladeira, programas esportivos na TV e fornos microondas. Há uma crescente utilização do adjetivo “interativo” para qualificar tudo (computador e derivados, brinquedos eletrônicos, sistema bancário online, shows, estratégias de propaganda e marketing, programas de rádio e TV etc.) que permita ao usuário-consumidor-receptor algum nível de participação, de troca de ações e de controle sobre acontecimentos. Há uma indústria da interatividade em progresso acenando para um futuro interativo.

Para além desse cenário, podemos verificar que interatividade é a modalidade comunicacional que ganha centralidade na cibercultura. O conceito exprime a disponibilização consciente de um mais comunicacional de modo expressamente complexo presente na mensagem e previsto pelo emissor, que abre ao receptor possibilidades de responder ao sistema de expressão e de dialogar com ele. Grande salto qualitativo em relação ao modo de comunicação de massa que prevaleceu até o final do século XX. O modo de comunicação interativa ameaça a lógica unívoca da mídia de massa, oxalá como superação do constrangimento da recepção que não dispõe de mecanismos de bidirecionalidade.

A despeito da banalização decorrente de seu uso mercadológico indiscriminado, o adjetivo “interativo” qualifica oportunamente a modalidade comunicacional emergente a partir do último quarto do século XX. Qualifica a nova relação entre emissão-mensagem-recepção, tornando-a diferente daquela que caracteriza o modelo unidirecional próprio da mídia de massa.

Para além da utilização como argumento de venda, a percepção mais atenta da interatividade pode inspirar a busca de qualidade em educação e na comunicação em geral. Não é apenas um novo modismo. É a expressão da emissão e da recepção como cocriação livre e plural. É a disposição ao plus comunicacional presente na mensagem que não se limita à lógica unívoca da transmissão de “A” para “B” ou de “A” sobre “B”.

Com a cibercultura, emerge uma modificação radical no esquema clássico da informação baseado na ligação unidirecional emissor-mensagem-receptor. O emissor não emite mais – no sentido que se entende habitualmente – uma mensagem fechada, mas oferece um leque de elementos e possibilidades à manipulação do receptor; a mensagem não é mais “emitida”, não é mais um mundo, paralisado, imutável, intocável, sagrado: é um mundo aberto, modificável na medida em que responde às solicitações daquele que o consulta; e o receptor não está mais em posição de recepção clássica: é convidado à livre criação e a mensagem ganha sentido sob sua intervenção.

O termo “interatividade” marca a cena comunicacional como conceito e como práticas de comunicação participativa e colaborativa. É fenômeno social favorecido pela qualidade semiótica intrínseca do computador online, que permite ao usuário operar recursos de conexão e de navegação em um campo de referências multidirecionadas, permitindo adentramentos, manipulações, compartilhamentos, colaboração e modificações nos ciberconteúdos disponibilizados. Todavia, o termo pode ser empregado para significar a comunicação entre interlocutores humanos e entre humanos e tecnologias digitais. Uma vez que os professores precisam ser comunicadores, eles estão convocados à sintonia com a interatividade em suas salas de aula – sejam elas infopobres ou inforricas, sejam ela presenciais ou online.

Para a educação, a interatividade significa alternativa ou superação da docência baseada na pedagogia da transmissão. Na cibercultura, os professores encontram-se diante do inarredável desafio da interatividade como expressão do paradigma que chancela uma prática docente preocupada com a materialidade da ação comunicativa. De guardiões e transmissores da cultura, eles podem assumir a postura comunicacional que propicia oportunidades de múltiplas experimentações e expressões, que disponibiliza uma montagem de conexões em rede que permite múltiplas ocorrências, que provoca situações de inquietação criadora, que arquiteta colaborativamente percursos hipertextuais e mobiliza a experiência do conhecimento.

Atentos ao novo ambiente sociotécnico, os professores poderão se engajar na realização da função social da escola e da universidade em nosso tempo, nomeadamente como formação para a cidadania no espaço e no ciberespaço. Em lugar de fazerem uso instrumental da internet, precisarão mobilizar a participação e a colaboração de forma síncrona e assíncrona.

A internet não é mídia de massa, é uma infraestrutura da coletividade. Os professores poderão lançar mão de suas potencialidades para abrir novos espaços de participação coletiva, colaborativa e aí educar, formar. Eles poderão experimentar isso na sala de aula presencial e online. Precisarão preparar a “geração digital” para a expressão da cidadania no contexto sociotécnico da cibercultura.

Ser cidadão na cibercultura é mais do que estar conectado e consumir offline e online. É atuar no ciberespaço com a perspectiva participativa e colaborativa, no sentido mesmo da abordagem que diz:

O capital social pode ser dinamizado a partir de um “Portal da Cidade” com diversas informações sobre Ongs, implementação de fóruns de debates, livres ou induzidos, por regiões, áreas de chats, propiciar a transparência informativa, disponibilizar serviços online e informações que incentivem a participação política do cidadão; deve-se também incentivar a construção de telecentros em instituições e centros comunitários, com terminais de livre acesso, e-mail grátis para todos, buscando lutar contra a exclusão digital. O objetivo é colocar os grupos sociais e indivíduos em sinergia, utilizando o potencial do ciberespaço como vetor de agregação social. (Lemos, 2004, p. 24).
A inclusão digital passa, portanto, por mobilizações nesse sentido e não meramente pela distribuição da conectividade. Eis aqui o compromisso que se agrega ao papel essencial da educação. Certamente, os professores precisarão ser formados nestes termos para ultrapassarem a utilização instrumental do computador e da internet, pois precisarão dar o exemplo eloquente na sala de aula presencial e online do sentido mais amplo da inclusão ou da alfabetização digital.

No entanto, o uso do computador e da internet entre professores ainda é baixo. Isso quer dizer que muitos ainda estão aquém do nível mais elementar da inclusão digital. Essa primeira etapa terá de ser vencida de início. Em seguida, os professores deverão cuidar da sua formação técnica para lidar com as tecnologias digitais, bem como aprender a fazer da interatividade participação, colaboração, conhecimento e cidadania.

A inclusão digital dos professores, entendida para além no mero acesso ao computador e à internet, deverá contemplar o aprendizado com o movimento contemporâneo do digital, o que traz implicações específicas para o tratamento do currículo, uma vez que ele
[...] não é veículo de algo a ser transmitido e passivamente absorvido, mas o terreno em que ativamente se criará e produzirá cultura. O currículo é, assim, um terreno de produção e de política cultural, no qual os materiais existentes funcionam como matéria-prima de criação e, sobretudo, de contestação e transgressão. (MOREIRA; SILVA, 1995, p. 28).
Esta abordagem do currículo pode corroborar o entendimento profundo do digital e vice-versa. O digital diz respeito à existência imaterial e, portanto, plástica, das imagens, vídeos, sons, textos que, na memória hipertextual do computador, são definidos matematicamente e processados por algoritmos, que são conceitos científicos operacionalizados como disposição para múltiplas intervenções-navegações da parte da autoria do usuário. Ou seja, conteúdos de aprendizagem digitalizados como imagens, vídeos, sons, textos são campos de possibilidades e não conhecimentos fechados. E, por não terem materialidade fixa, podem ser manipulados infinitamente, dependendo, unicamente, de decisões que o usuário toma ao lidar com seus periféricos de operatividade, como mouse, tela tátil, joystick, teclado etc.

O currículo, por sua vez,
[...] é uma construção de atores e atrizes educativos de natureza ideológica, plural e encarnada. Dessa forma é histórico e contextualizado. Constitui um processo identitário das práticas educativas de uma instituição, em meio à diversidade das suas relações. É um processo de socialização dialógica e dialética, constitui-se, portanto, na interação. (Macedo, 2000, p. 43).
Assim concebido, supõe a postura de autoria criativa e colaborativa dos professores e dos aprendizes, que podem aprender esta dinâmica com o próprio digital.

Aprender com o digital é, portanto, o mais recente desafio para os professores e, ao mesmo tempo, essencial para a sua inclusão na cibercultura e para sua apropriação crítica do currículo capaz de sustentar a educação cidadã. A escola e a universidade que não se prepararam para lidar com a televisão, têm agora e doravante o desafio do digital ou da interatividade. Isto é, os conteúdos de aprendizagem digitalizados plásticos, fluidos, abertos a constantes modificações, desprovidos de essência estável, supõem uma nova dimensão comunicacional diferenciada daquela que caracteriza o conteúdo fechado irradiado pela tela da TV. A primeira define-se como campo de possibilidades diante da intervenção do usuário; a segunda é estática (mesmo sendo móvel, fragmentária) e apresenta-se como transmissão que separa emissão e recepção. Portanto, é na comunicação interativa que os professores poderão aprender com o movimento contemporâneo do digital e ousar na reinvenção da docência na cibercultura.

Aquilo que define o digital como peculiar disposição comunicacional é precisamente a condição de campo aberto de possibilidades diante do gesto instaurador do usuário criativo e colaborativo. E, enquanto paradigma que sustenta o movimento contemporâneo das tecnologias comunicacionais, o digital é o fundamento modelador do novo ambiente comunicacional. Portanto, aprender com as tecnologias digitais e com a chamada “web 2.0”, centrada na autoria do internauta, é antes de tudo aprender com a nova modalidade comunicacional, é aprender que comunicar não é simplesmente transmitir, mas disponibilizar múltiplas disposições abertas à autoria do interlocutor. A comunicação só se realiza mediante sua participação, colaboração, cocriação. Tudo isso é fundamentação essencial para a inclusão digital dos docentes e dos aprendizes e para a redefinição do currículo e da educação cidadã em nosso tempo.



Referências


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1 Texto egresso da argumentação apresentada no I Simpósio Nacional de Pesquisadores em Comunicação e Cibercultura, organizado pelo CENCIB - Centro Interdisciplinar de Pesquisas em Comunicação e Cibercultura da PUC-SP e realizado nesta Universidade, em setembro de 2006. O artigo foi publicado em Dias et. al. (Org.), O digital e o currículo, Braga, Portugal, Universidade do Minho, 2009, p. 11-30.

2 “Ao retirar a informação do mundo analógico – o mundo ‘real’, compreensível e palpável para os seres humanos – e transportá-la para o mundo digital, nós a tornamos infinitamente modificável. [...] nós a transportamos para um meio que é infinita e facilmente manipulável. Estamos aptos a, de um só golpe, transformar a informação livremente – o que quer que ela represente no mundo real – de quase todas as maneiras que desejarmos e podemos fazê-lo rápida, simples e perfeitamente. [...] Em particular, considero a significação da mídia digital sendo manipulável no ponto da transmissão porque ela sugere nada menos que um novo e sem precedente paradigma para a edição e distribuição na mídia. O fato de as mídias digitais serem manipuláveis no momento da transmissão significa algo realmente extraordinário: usuários da mídia podem dar forma a sua própria prática. Isso significa que informação manipulável pode ser informação interativa” (Feldman, 1997, p. 4).

3 A expressão “corrente participacionista” serve a Couchot (1997, p. 136) para distinguir a vanguarda na arte dos anos 1960 daquilo que ele chama de “interatividade numérica” permitida pelo computador, com seus bits matemáticos processando em sua memória hipertextual toda sorte de manipulações. Couchot está ciente de que “depois da primeira metade do século, manifestou-se pouco a pouco uma corrente de ideias que tentou introduzir uma relação mais imediata com o público”. O objetivo daquela corrente “era fazer o espectador participar na própria elaboração das obras de arte. Fazê-lo partilhar, assim, do tempo da criação. [...] A forma mais simples da participação foi a instalação. Instalando o espectador no centro da obra, o artista o convidava a adotar uma atitude diferente diante dela. A instalação foi um modo muito usado, adotado tanto pela arte pop, quanto pela arte conceitual ou outras tendências. [...] é o corpo inteiro do observador e não mais somente o seu olhar que se inscreve na obra, que ganha extensão. [...] As obras são sensíveis às diferentes solicitações, manipulações, operações, desencadeadas pelos deslocamentos do observador, seu contato, o som de sua voz, sua presença, seu calor, o barulho de seu coração, etc. Pode-se então falar de participação real e não mais mental. [...] A obra não é mais fechada sobre si mesma, fixa no seu acabamento, ela se ‘abre’. O tempo da criação da obra e o tempo em que ela se dá a ver – o tempo de sua socialização – tendem a se sincronizar.”

4 Nildo da Mangueira com “Parangolé” criado pelo artista plástico brasileiro Hélio Oiticica em 1964. Foto de Andreas Valentin.