O ESPAÇO LÍQUIDO*
Lucrécia D’Alessio Ferrara I – O TEMPO E O ESPAÇO
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II – O ESPAÇO DO TEMPO HISTÓRICO
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III – O TEMPO E A CRONOTOPIA
A história dos eventos volta-se para o registro dos signos que permitem ler como a cultura é o lugar onde o tempo se diversifica ou como o espaço é sensível aos movimentos do tempo e se deixa marcar por eles. Ou seja, para aquela história, o tempo marca o espaço temporalizando-o e tornando-o histórico, preenchido pelas marcas que escrevem a história da cultura. Hegemônico, o tempo estabiliza o espaço através das marcas que são suas testemunhas e o apresentam como escritura. A história desse tempo se escreve através de eventos, personagens, monumentos, emblemas que se estruturam no âmbito do particular, do restrito solidamente situado. Esse espaço é, sobretudo, marcado pelo tempo em suas lembranças, como dados estanques definitivamente inscritos no passado. Nesse caso, essas marcas do tempo são dados e se apresentam, comunicativamente, como mensagens compactadas e livremente repassadas do tempo para o espaço, da história para a cultura, entendida como estrutura linear e simplificada. Talvez, nesse sentido, o próprio conceito de cronotopo esteja superdimensionado em sua possibilidade epistemológica, porque esse espaço dominado pelo tempo reedita as clássicas dicotomias constituídas pelo sujeito e pelo objeto. Entretanto, esse poder é tão exclusivo e incontestável que o próprio tempo não se impõe como questão científica, senão na modernidade, e constitui sua característica, como visão de mundo: A história do tempo começou com a modernidade. De fato, a modernidade é, talvez, mais do que qualquer outra coisa, a história do tempo: a modernidade é o tempo em que o tempo tem uma história. (Bauman, 2001, p. 128-129). |
IV – O ESPAÇO E TOPOCRONIA
Para Einstein o presente é já o centro do tempo. Para ele, o passado do Big-Bang original não é, não pode ser cientificamente esse centro antigo. O centro verdadeiro é sempre novo, o centro é perpétuo, ou mais exatamente ainda, o “presente” é um ETERNO PRESENTE. Aos três tempos da sucessão (cronológica), passado, presente, futuro, Einstein substitui um tempo de exposição (cronoscópico ou dromoscópico) subexposto, exposto, sobreexposto. (Virilio, 2000, p. 178-179; grifos do autor).Assim como a produção em séries lineares desestabilizava o fazer, pois o reduzia ao momento de cada etapa produtiva, a velocidade permitiu superar a percepção da distância entre dois pontos e banalizou não só o deslocamento, mas a percepção do tempo, que só se fazia notar através da diferença da paisagem entre os espaços atingidos. A síntese perceptiva se fazia não mais pelo tempo, mas pelo espaço que escrevia a metalinguagem que marca o fim da história comandada pelo tempo dos eventos, para fazer emergir uma história comandada pelo espaço. Porém, essa nova história surge como perversidade que demarca o fim de um modo de viver e de pensar a partir de paradigmas de estabilidade e segurança. Instala-se a desconfiança do tempo no espaço da cultura e inaugura-se outra percepção da história, agora em metalinguagem de formato digital, que torna impositiva a percepção do espaço. |
V – ESPAÇOS DO ESPAÇO
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VI – O CIBERESPAÇO COMO NOVO PARADIGMA DO CONHECIMENTO
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VII – A CULTURA DO ESPAÇO CIBER
[...] a subjetividade é produzida através da cooperação e da comunicação, e por sua vez esta subjetividade produzida vem a produzir novas formas de cooperação e comunicação, que por sua vez produzem nova subjetividade e assim por diante. Nessa espiral, cada momento sucessivo da produção da subjetividade para a produção do comum é uma inovação que resulta numa realidade mais rica. Talvez devamos identificar nesse processo de metamorfose e constituição a formação do corpo da multidão [...]. (Hardt; Negri, 2005, p. 247-248).Não admira que essa fragmentação seja desconfortante ameaça às soberanias políticas, econômicas, ideológicas e científicas: agora, tempo e espaço se sobrepõem, o presente está aqui, todos os lugares se confrontam mundialmente e o tempo e o espaço exigem ser vividos de modo acelerado. Transformam-se o tempo, o espaço e o mundo do vivido que asseguravam o comunicar pré-ciber. Não há tempo para programas, porque o espaço é líquido e a informação não se oferece como produto acabado, mas exige ser produzida de modo sempre novo. O tempo se concentra no presente e todos os territórios parecem ser equivalentes em todos os lugares, se for mantida a insistência em compará-los com os lugares do passado recente do mundo em deslocamento e velocidade. Nessa nova topologia, a memória se mobiliza no presente e, como decorrência, não se desloca, mas exige mudança como dado básico para aquele corpo que percebe um tempo-espaço em mediação esvaziado de passado à procura de identidade, conservação e desenvolvimento. Atuada no presente, essa memória já pertence ao espaço que se constrói em mediação colaborativa em todos os cantos do planeta. A rede mundial de computadores é o instrumento dessa memória/presente, porém não é senão um meio para uma memória agenciada pelo mundo de experiências do sujeito, a quem cabe construir outro lugar territorial, heterodoxo e topomidiático como comunicação de um tempo instantâneo. Desse modo, o espaço se manifesta no lugar em que se dá a informação, inaugurando uma geografia até então desconhecida. É a nova geografia montada pela diferença que se impõe como realidade cultural mundial e inelutável. Nessa diferença, a emergência do lugar ocorre de modo inconstante e irregular. Patrocinada pela técnica, a informação em rede atinge os territórios do planeta e sua irradiação comunicativa carrega diferentes idades porque, construída pela memória, exige o intercâmbio com outros tempos e espaços que deixaram marcas em todos os lugares. É nesse ritmo impreciso que a heteromídia não programada constrói um espaço heterodoxo, rugoso na acumulação desigual dos seus tempos (Santos, 1996, p. 35), e que, embora sem alicerce, resiste, mas desconstrói as bases da opinião nas quais se apoiavam valores e reações do senso comum construídos no tempo passado. Os indivíduos, as sociedades, os valores, as crenças e os cotidianos são díspares e é nesse conflito que se situa o novo sujeito de uma epistemologia pós-moderna, conforme a denomina Boaventura de Sousa Santos (2002). Em oposição ao sujeito recolhido em um conhecimento subjetivo e transcendental, esse novo sujeito se expande individual, coletiva e socialmente ao ser o agente dessa topomídia que nos obriga a rever a dicotomia sujeito-objeto, que se apoiava na razão que estruturou o conhecimento ocidental até meados dos anos 80 do século XX. Este é o lugar científico e técnico dessa comunicação às avessas que, ao definir o lugar contemporâneo, se apresenta como mediação, mas se dissolve em opacos itinerários que não se deixam definir ou localizar, embora teçam a estranha geografia da cidade mundial conectada digitalmente. Esse espaço-lugar-mundial é criado por um cidadão do mundo. Entretanto, esse espaço não é público como aquele de decisão comunicativa ou de formação e consolidação da opinião social esclarecida que domina a cultura modernista. Ao contrário, ele é coletivo porque, além de espaço, é midiático, construindo interativamente e em eterno presente uma nova geografia global feita de semelhanças e diferenças entre os lugares do mundo. |
Referências
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* Uma versão ampliada deste ensaio foi publicada pela autora em Comunicação, espaço, cultura, lançado pela Editora Annablume em 2008.
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