OS PILARES ESTRUTURAIS DAS COMUNICAÇÕES CONTEMPORÂNEAS



Othon Jambeiro
I – INTRODUÇÃO


A partir da década de 1980, e mais marcadamente da década de 1990, a evolução da economia mundial e as inovações científicas e tecnológicas convergiram para a criação de novos paradigmas sociais, culturais, políticos e econômicos. As redes interativas de computadores cresceram – e continuam crescendo – em quantidade e extensão, favorecendo a criação de novos canais de sociabilidade, de expressão cultural, de participação social e política, e de operações econômicas e financeiras. Ao mesmo tempo, ocorreu um movimento da sociedade humana, saindo de um modelo centralista, baseado no Estado e focado nas necessidades sociais, para um modelo difuso, com forte ênfase no desenvolvimento de um espírito empreendedor privado, focado nas necessidades do mercado e por este alimentado.

Esta nova configuração fez surgir um conceito polêmico – a chamada Sociedade da Informação – que se caracteriza, principalmente por: a) formação e desenvolvimento de redes digitais virtuais, que ligam pessoas e grupos, independentemente de tempo e espaço; b) reorganização interativa dos processos políticos, sociais, econômicos, culturais e institucionais, com base em tecnologias avançadas de informações e comunicações; c) reconfiguração da vida cotidiana dos indivíduos, grupos sociais, governos, empresas e entidades em geral, por efeito da consolidação e crescente expansão de redes digitais.

A globalização, como um processo de desenvolvimento de complexas interconexões entre sociedades, culturas, instituições e indivíduos, estimulou e favoreceu a ampliação dos nossos relacionamentos e de nossas referências de vida, de contextos locais para contextos nacionais e internacionais.

É consequência também dessa nova configuração o fato de a formulação e implementação de políticas nacionais de informação e comunicações terem passado a ser um complexo processo de equacionamento das crescentes limitações de poder dos governos nacionais.

Este texto analisa o contexto e os conceitos presentes nos processos de formulação e implementação de políticas de informação e comunicações, os pressupostos que condicionam aqueles processos, e os pilares em que se assentam as comunicações, na contemporaneidade. Argui-se que esses pilares vêm impelindo a humanidade para a constituição de uma sociedade mundial fortemente influenciada pelo aumento e sedimentação do desequilíbrio entre os princípios da economia de mercado e as premissas sociais que tradicionalmente deram suporte aos serviços públicos de informação e comunicações. Eles são, contudo, elementos do ambiente político, econômico e cultural do mundo contemporâneo, a partir dos quais se deve construir políticas exeqüíveis. Desconhecê-los e deixar de considerá-los criticamente continua sendo o modo mais eficaz de transformar bons propósitos e idéias criativas em políticas fracassadas.

Embutida na argumentação está a compreensão de que a tecnologia não é mandante das transformações; é apenas um dos pilares, que são interdependentes. É a estrutura resultante desta interdependência, e consequente integração, que condiciona a existência e o desenvolvimento da chamada Sociedade da Informação.

II – O CONTEXTO MUNDIAL CONTEMPORÂNEO


A globalização da economia e as novas formas de gestão empresarial nos níveis nacional e internacional alteraram a natureza do poder privado e sua relação com os estados nacionais. As gigantescas corporações industriais e comerciais, organizadas globalmente, tornaram-se importantes fatores neste relacionamento. Sreberny (1991, p. 135) argumenta que se estabeleceu uma dinâmica transnacional – uma economia mundial, a ordem mundial militar, sistemas de organizações intergovernamentais, movimentos políticos transnacionais etc. – que forçou a reformulação do significado de fronteiras nacionais.
Na verdade, as empresas multinacionais passaram a se constituir em núcleos de poder. Controlando enormes volumes de capital, estabeleceram-se no ambiente político, ao mesmo tempo como competidoras de governos nacionais e como desejadas parceiras em projetos econômicos de toda natureza. No dizer de Mitchell (2000, p. 109):

Since capital can now migrate at far faster rates than people can, multinational capital can effectively use the threat of withdrawal from a community and so can more readily get the upper hand in its dealings with labor and with government.

Keane (1991, p. 142) já advertia, no início dos anos 90, que a idéia moderna de estado-nação, centralizado e soberano, uma comunidade nacional de sentimentos garantida por uma força militar e interesses econômicos próprios, independente de qualquer autoridade externa, e capaz de governar o território e a população sob seu domínio, estava em crise, sobretudo porque suas estruturas e sistemas internos não eram mais exclusivos na determinação das vidas de seus cidadãos. Para ele, o planeta estava começando a tomar a forma de um mundo medieval, anterior à formação dos estados-nações, no qual o príncipe era forçado a compartilhar seus poderes políticos com uma variedade de poderes acima e abaixo dos seus. Nessa nova situação, segundo ele, o nacionalismo somente pode sobreviver se compreender que deve compartilhar suas crenças, ideologia, cultura e economia com outras fontes nacionais, internacionais e multinacionais de poder.

Huntington (1993, p. 69), à mesma época, dizia que estávamos saindo de uma era em que o estado-nação era o foco central e que os povos tendiam a identificar-se com entidades maiores. E advertia que os conflitos entre civilizações passariam a ser cada vez mais centrais: Ocidente contra o Islã; o Islã contra a civilização hindu, na Índia; o Islã contra a civilização eslava ortodoxa russa; a civilização chinesa contra a japonesa, e assim por diante.

Curran (1991, p. 86), por sua vez, arguia, no início dos anos 1990, que, como uma conseqüência das fusões e alianças empresariais, muitas companhias do setor de Comunicação estavam se ligando a setores nucleares do capital industrial e financeiro. O que coloca dois graves problemas: 1) aumento do poder de uma não representativa elite capitalista para controlar a distribuição de informações e idéias, numa escala sem precedentes na história da humanidade; e 2) erosão dos processos competitivos, que, anteriormente, de maneira limitada, mas ainda assim importante, mantinham aquela distribuição relativamente transparente.

Na verdade, contudo, o conceito de sociedade mundial não anula a existência de sociedades particulares, estados-nações com cultura, tradições e etnia próprias. Pelo contrário, as evidências indicam que os países vêm usando o novo contexto para realçar suas distinções, garantir a consecução de suas específicas necessidades prioritárias e modelar seu futuro.
Nas palavras de Mattelart (2002, p. 167):

Quer se queira quer não, o território do Estado-nação continua a ser o quadro histórico e funcional do exercício democrático, o local de definição do contrato social. Ele, portanto, está longe de ter atingido o grau de obsolescência que lhe creditam os defensores da desterritorialização por redes interpostas. A despeito de todos os discursos sobre a relativização do lugar dos Estados-nações, as negociações entre Estados ainda são uma passagem obrigatória para impor uma relação de força contra os desvios do ultraliberalismo.

Tudo isso redundou, particularmente no terceiro mundo, na delimitação do tamanho do estado (o que determinou as privatizações das empresas públicas); na redefinição de seu papel regulador (o que determinou a criação das agências reguladoras); na recuperação da governança (entendida como eficiência financeira e administrativa do estado); e no aumento da governabilidade (entendida como a capacidade de exercer o poder que lhe é atribuído pela Constituição e todo o sistema legal).

As transformações do cenário socioeconômico provocaram, em consequência, alterações substanciais nos pilares sobre os quais se assentam as comunicações: as políticas e seus processos de formulação e implementação; as tecnologias e convergências de infraestrutura e serviços de informação e comunicações; os regulamentos e o novo Estado regulador.

III – O PILAR DA POLÍTICA


O pilar da política abrange principalmente as questões da democracia, da cidadania e da identidade nacional.
Desenvolvimentos recentes parecem ter aberto novas perspectivas de participação de diversificados grupos sociais nos processos de formulação e execução das políticas nacionais de comunicação, tradicionalmente sob quase exclusiva influência de empresários e tecnocratas. De fato, mais e mais camadas sociais galgaram, sobretudo por meio da educação formal e ativismo político, em distintas frentes, patamares superiores de participação social e, por consequência, aprofundaram a prática da cidadania, dentro e fora dos círculos anteriormente restritos às elites políticas, econômicas e intelectuais. Isso levou a que indivíduos e grupos, cujo pensamento e ação se orientavam, tradicionalmente, para a manutenção de uma realidade não plenamente democrática, tivessem de começar a cooperar com – ou lutar declaradamente contra – pessoas e grupos que passaram a viver experiências políticas em seus mesmos espaços institucionais, e que trouxeram consigo forte e, por vezes, conceituado e propositivo anseio de democratização plena daquela realidade.

Essa nova configuração política, que necessariamente determina a inclusão do valor “democracia” no debate travado nos espaços institucionais encarregados da formulação e execução de políticas, parece estar causando perda crescente, embora lenta, da hegemonia daqueles que sempre dominaram o campo das comunicações. Democratização, neste caso mais que em qualquer outro, vem significando, essencialmente, redução da distância política e social – e, portanto, de poder decisório – entre categorias de cidadãos com distintos graus de participação histórica na construção e desenvolvimento da cultura, da identidade e da riqueza nacionais.

Isso leva à questão da cidadania que, segundo Dahlgren (1995, p. 136), citando Marshall, se expressa em três dimensões: civil, política e social. A dimensão civil tem a ver com os direitos legais que protegem a liberdade individual; a dimensão política significa o direito de o indivíduo participar da política e do exercício do poder político, expresso no direito de reunião, de livre associação, de liberdade de expressão; a dimensão social é o direito à segurança econômica e ao bem-estar. Cidadão, portanto, é aquele indivíduo que pode exercitar estas três dimensões na comunidade em que vive.

Murdock afirma que existem duas pré-condições culturais básicas para a plena cidadania: a) primeiro, devem ser garantidos a todos os direitos culturais básicos, isto é, informação, conhecimento e representação; b) segundo, todos devem ter acesso a um espaço simbólico coletivo. Ele diz que, contudo, a organização contemporânea da economia mundial falha no cumprimento dessas precondições em três cruciais aspectos:

1. A propriedade privada das mídias, casada com o crescente domínio dos orçamentos publicitários, levou a que os interesses das empresas estejam sempre em competição com o interesse público. Além disso, temas e representações essenciais para a cidadania estão continuamente comprometidos pela prioridade dada ao prontamente vendável.

2. A organização da distribuição de recursos culturais, através do sistema de preços ou do subsídio publicitário, condicionou o acesso àqueles recursos à renda das pessoas, criando assim desigualdades e exclusões que minam o princípio da universalidade, sobre o qual repousa o ideal de cidadania.

3. Dirigindo-se às pessoas como consumidores fazendo escolhas no mercado, o capitalismo cultural corrói a identidade do cidadão. E é essa identidade que leva as pessoas a sentirem-se como membros de uma comunidade moral e política, baseada num equilíbrio continuamente renegociado entre individualismo e solidariedade, direitos e responsabilidades (Dahlgren,1995, p. 6).

O incremento da universalização dos serviços de informação e comunicações é, pois, condição básica para a inserção dos indivíduos como cidadãos. Isso significa que esses serviços devem ser utilizados para a realização pessoal de cada ser humano, para o cumprimento de objetivos empresariais e governamentais, mas também para a democratização dos processos sociais, maior transparência dos governos e maior oportunidade de os cidadãos participarem nas decisões da administração dos serviços públicos, de sua cidade, de seu estado, de seu país.

O pilar da política abrange também o debate sobre a identidade nacional, entendida como, primeiro, o sentimento de propriedade coletiva da sociedade, reconhecido por todos e pessoalmente significativo para cada um dos indivíduos que a compõem; e, segundo, o sentimento de pertencimento a uma particular e exclusiva coletividade, com valores partilhados em termos de língua, geografia, cultura etc.

Os serviços informativo-culturais*, crescentemente referenciados a valores globais, parecem tender a contribuir cada vez menos para estabelecer uma consciência de identidade nacional, nas suas dimensões local, regional, nacional e cultural. É sensato admitir-se, portanto, que a preservação dessa identidade depende diretamente do processo de socialização do indivíduo, através do uso da língua pátria, da escola, da família, da participação na vida social, cívica, política, econômica e cultural, nas suas várias dimensões geográficas.

IV – O PILAR TECNOLÓGICO


O efeito imediato do novo contexto mundial, a partir dos anos 80, tal como definido em páginas anteriores deste texto, foi a revisão de leis, decretos e regulamentos que normalizavam o setor, evoluindo, em seguida, para processos regulatórios com visão de convergência tecnológica. Sob influência desse movimento – e da privatização que lhe deu consequência – o desenvolvimento tecnológico foi usado como poderoso instrumento de aprofundamento e extensão da habilidade das empresas para transformar em mercadorias variados produtos gerados por aquele desenvolvimento. Na evolução do processo, as tecnologias de informação e comunicações passaram a funcionar como fatores de superação de impedimentos históricos, particularmente de tempo e espaço, para a expansão dos negócios, sem que as empresas, amparadas por desregulamentação e privatização, corressem o risco de perder o controle central do processo.

A convergência tecnológica tornou-se real graças ao impulso da dinâmica e da racionalidade da economia internacional. Foi isso que levou as corporações a interconetarem não só tecnologias, mas também investimentos financeiros, recursos humanos e materiais, políticas de relacionamento institucional e corporativo, e estratégias de desenvolvimento de negócios. O Estado, por sua vez, fez convergir também suas políticas e regulações. Integrou diversos aspectos das estratégias empresariais às políticas públicas para informática, eletrônica, telecomunicações, informação, mídia e cultura. Esta combinação de convergências – de tecnologias, interesses empresariais e políticas públicas – tornou a internet, a Imprensa, a indústria gráfica, o rádio, a televisão, as telecomunicações e a informática mais interconetadas e interdependentes, de tal forma que uma política de governo ou uma estratégia empresarial para uma delas pode ter significativas implicações para as outras.

Na nova situação tecnológica da área de informação e comunicações, integraram-se: a informática, nas suas dimensões de produtora de hardware e softwares; a telemática, como rede de telecomunicações computadorizada, interligada nacional e internacionalmente; e a microeletrônica. Da operação regular e integrada desses elementos infraestruturais convergentes depende a realização dos serviços de informação e comunicações. Isso porque é sobre essa infraestrutura tecnológica que operam distintos e numerosos serviços, produzindo, organizando, guardando, disseminando conteúdos, interligando pessoas e equipamentos, entre eles: internet, museus, arquivos, bibliotecas, editoriais impressos, eletrônicos e virtuais, publicidade, jornais, revistas, rádio, cinema e TV.

Fenômeno ainda em curso, a convergência vem eliminando os limites entre os meios, tornando-os solidários em termos operacionais e erodindo as tradicionais relações que mantinham entre si e com seus usuários. A tecnologia digital tornou possível o uso de uma linguagem comum: um filme, uma chamada telefônica, uma carta, um artigo de revista, qualquer deles pode ser transformado em dígitos e distribuído por fios telefônicos, microondas, satélites ou ainda por um meio físico de gravação, como um CD, um DVD, um flash-drive. A digitalização tornou o conteúdo totalmente plástico, isto é, qualquer mensagem, som ou imagem pode ser editado e alterado, parcial ou totalmente, tanto na forma quanto no conteúdo. E estabeleceu-se, por essa via, a tendência do cancelamento de fronteiras entre diferentes tipos de produtos intelectuais e serviços informativo-culturais, e da supressão das linhas divisórias entre comunicação privada e de massa, meios baseados em som, vídeo e texto, as imagens baseadas em emulsão e as eletrônicas, e mesmo a fronteira entre livro e tela (Smith, 1989).

A configuração desse cenário tecnológico tem provocado uma explosão mundial na circulação de informações via cabo, microondas e satélite, e de equipamentos multimídia, os quais têm aperfeiçoado as possibilidades de o consumidor escolher, acessar e usar incontáveis e multifacetados serviços de informação. Se a última década do século XX foi caracterizada pela internacionalização das comunicações em rede, aumentando o uso da telefonia e serviços a ela ligados, os primeiros anos do terceiro milênio estão consolidando os serviços de informação e comunicações, associados à informática, à microeletrônica e às telecomunicações, como os principais motores do desenvolvimento econômico, social e cultural.

V – O PILAR DOS REGULAMENTOS


Sobre a infraestrutura e os serviços de informação e comunicações pairam regulamentos dos estados nacionais, de variado grau de interferência governamental, além de planos, estratégias, priorizações e investimentos das corporações nacionais e internacionais que controlam essa infraestrutura e os serviços dela derivados. A ação reguladora visa principalmente: a) demarcar a intervenção do estado-nacional e a liberdade de ação das entidades públicas e privadas que atuam no setor; b) ordenar a realização econômica, organizacional e operativa das empresas que manejam a infraestrutura e prestam os serviços.

Em seu papel de regulador, o Estado, por meio de seus órgãos de Governo, exerce seu poder para: a) fixar regras de instalação e operação de infraestruturas e serviços, a fim de que sejam eliminados os desequilíbrios e as incertezas nefastos ao investimento e à atuação empresarial; b) polarizar o processo de regulação, diretamente ou por intermédio de órgãos estatais ou paraestatais por ele instituídos; c) constituir e gerir um conjunto de mecanismos de organização e controle, legitimados por meio de leis, decretos, portarias, regulamentos e outros atos e ações de natureza legal, administrativa e técnica.

Tratado usualmente como relacionado à economia e à política, o processo regulatório, no que se refere ao campo da informação e das comunicações, é também uma questão de cultura, de liberdade de expressão e de direito à informação. Por isso, a regulação desse campo é muito sensível ao regime político do país, à sua política econômica, ao grau de liberdade, organização e mobilização da sociedade civil, e à capacidade de formulação de propostas e influência dos indivíduos e setores sociais envolvidos. O equilíbrio de interesses dos vários grupos que atuam no setor é essencial para que a sociedade trilhe um caminho em que o resultado alcançado reflita circunstancias, prioridades e valores dentro de um quadro de cooperação e compatibilidade nacionais e – hoje mais do que nunca – internacionais.

Tradicionalmente, o setor, particularmente no que se refere às telecomunicações, não era entregue à iniciativa privada, nem submetido às leis de mercado. O Estado assumia diretamente o provimento dos serviços ou, no máximo, o concedia a empresas públicas, mantendo-as subsidiadas e sob regime jurídico especial. Contudo, com a consolidação do novo contexto político, econômico e ideológico mundial, e a consequente onda de privatização, esses serviços não têm escapado à mercantilização, sendo crescentemente apropriados privadamente, transformados em mercadorias e submetidos às leis do mercado internacional.

O problema da mercantilização torna-se mais relevante com a mídia e as indústrias da cultura porque elas são singulares, no sentido de que produzem as referências sociais por meio das quais os cidadãos conscientizam-se de sua situação e formulam seus projetos de vida. No dizer de Murdock (1994, p. 6):

Because they connect with people not only as purchasers and consumers of communications products and services but as members of political communities, they must be judged on their ability to underwrite the rights and responsibilities of citizenship as well as their business potential. Consequently, communications policies can never be decided on purely economic grounds. They have to be seen in the context of debates about the future of democracy.

O estado-nacional neoliberal responde a essas questões assumindo que o processo de regulação se faz com três polos e se autodefinindo como agente da sociedade, consequentemente do interesse público, distante, portanto, dos interesses que movem os outros dois polos, ambos de natureza privada: basicamente as empresas e os grupos de pressão. Ao Estado é destinada a tarefa de constituir e gerir um conjunto de mecanismos de organização e controle, legitimados por meio de legislação e outros atos e ações de natureza legal, administrativa e técnica. E para sua própria legitimação no processo regulatório conceitua tal processo como o permanente confronto de interesses, predominantemente políticos e econômicos, entre grupos privados da sociedade, intermediado pelo estado-nacional. Na verdade, contudo, seu papel vai além da neutralidade e da intermediação. Ele se constitui, por seus quadros dirigentes, seus técnicos, sua cultura institucional, seus poderes legislativo, executivo e judiciário, em parte diretamente partícipe daquele confronto. Não sendo neutro, dirige o processo ao seu critério, com base no que define como seu interesse. E ainda que o designe de interesse público, na verdade expressa o interesse dos grupos socioeconômicos que o estejam dominando.

VI – CONCLUSÃO


A expansão e a sofisticação da infraestrutura e dos serviços de informação e comunicações têm levado ao aparecimento de formas organizacionais distintas, com forte tendência ao desenvolvimento de grandes bancos de dados e serviços multimídia multinacionais, tanto para o atendimento das necessidades de grandes públicos, quanto para a prestação de serviços personalizados de informação, voltados para usuários de interesses específicos. Essas formas organizacionais novas, definidas dentro dos processos contemporâneos de globalização, privatização e liberalização, estão assentados num desenvolvimento científico e tecnológico vertiginoso e convergente. Exigem investimento intensivo de capital e estão, de maneira geral, intimamente vinculadas a empresas multinacionais, sob cuja égide concebem, produzem e vendem produtos e serviços de toda natureza.

Vender, aliás, é uma atividade crucial e demarcatória da nova configuração do ambiente regulador das comunicações. Tremblay chamava a atenção para isso já nos primeiros anos da década de 90:

The major stakes involved in the information highways pertain to the creation of both a professional and a mass market that will foster the redeployment of our economies. What has until now been offered free of charge, that is, inscribed in a public service logic, will henceforth be offered in a paying mode, that is, inscribed in a commercial logic. (TREMBLAY, 1995, p. 21).

Melody, por sua vez, à mesma época, argumentava que as mudanças vinham se dando basicamente nas características mercadológicas da informação:

First, the technology of generating, processing, and transmitting information at drastically reduced unit costs has provided quantum leaps in the capacity to supply information. Second, in the real economic markets - if not the economic theories - it has been discovered that many kinds of information heretofore not provided through formal market systems have high exchange market values. It is now profitable to search for many new kinds of information that, in times past, were not sought because it was not profitable to do so. Information that previously was outside the market and not included as economic activity has now been drawn into the market. (MELODY, 1993, p. 75).

O paradoxo central da intensa evolução dos processos de informação e comunicação está no fato de que se passou a disponibilizar, livre e crescentemente, enorme volume de informações, mas não se conseguiu tornar acessível à maior parte da humanidade a educação e as tecnologias que possibilitam seu uso.

Do ponto de vista do desenvolvimento científico e tecnológico, é altamente significativa a invenção de novos artefatos e a criação de softwares que lhes dão vida. Mas tanto uns quanto outros são submetidos a uma dinâmica de absorção social controlada pelo mundo dos negócios, cujo ânimo é o lucro. A cidadania na era digital é exercida completamente apenas por aqueles que têm educação e poder aquisitivo para se colocar nos fluxos dessa dinâmica. Há, portanto, que se formular políticas consentâneas com o mundo contemporâneo.

Políticas são geradas por mobilização, articulação e confrontação de grupos de interesse. São determinadas por processos políticos, nos quais esses grupos buscam impor, via negociação ou coerção, o atendimento de suas demandas. Mudanças nas políticas ou criação de novas ocorrem quando há alteração na influência relativa dos grupos dominantes. À medida que a democracia se amplia e novos grupos entram nos processos decisórios da sociedade, o ímpeto de sua atividade pode gerar crises e impasses, a partir dos quais os mecanismos de formulação e execução de políticas de comunicação são alterados.

A possibilidade de convivência positiva com esses condicionantes parece estar, pois, na radicalização da democracia e do exercício da cidadania. Por esse caminho, a forma e a fisionomia socioeconômica e cultural das sociedades poderão ser alteradas, pela inclusão contínua de novos estratos sociais nos processos decisórios locais, nacionais e internacionais. Esses emergentes estratos, na medida em que adquiram familiaridade com os mecanismos de poder, com a realidade política e a ordem estabelecida, podem, consistentemente, por meio do exercício pleno da cidadania, contribuir eficazmente para se autoincluírem, organizadamente, nos processos decisórios básicos da sociedade.


Referências


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DAHLGREN, Peter. Television and the public sphere. Londres: Sage, 1995.

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KEANE, John. The media and democracy. London: Polity Press, 1991.

MATTELART, Armand. História da sociedade da informação. São Paulo: Loyola, 2002.

MELODY, William. On the political economy of communication in the information society. In: WASKO, Janet; MOSCO, Vincent; PENDAKUR, Manjunath (Ed.). Illuminating the blind spots. New Jersey: Ablex Publishing Corporation Norwood, 1993. p. 63-81.

MITCHELL, William J. e-topia. Cambridge: The MIT Press, 2000.

MURDOCK, Graham. Converging interests: cultural citizenship and digital capitalism. In: COLÓQUIO BRASIL/GRÃ-BRETANHA, 1., 1999, Rio de Janeiro. Anais da Intercom, São Paulo: INTERCOM, 1999.

MURDOCK, Graham. The new mogul empires: media concentration and control in the age of convergence. Media Development, Londres, v. 41, n. 4, p. 410-419, 1994.

SMITH, A. The public interest and telecommunications. In: NEWBERG, Paulo R. (Ed). New directions in telecommunications policy. London: Duke University Press, 1989. v. 1. p. 334-358.

SREBERNY-MOHAMMADI, Annabelle. The global and the local in international communications. In: CURRAN, James; GURREVITCH, Michael (Org.). Mass media and society. London: Edward Arnold, 1991. p. 118-138.

TREMBLAY, Gaëtan. The information society: from fordism to gatesism. Canadian Journal of Communication, Montreal, v. 20, n. 4, 1995.

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* Esta expressão é aqui utilizada dentro de um quadro de referência conceitual que reconhece a existência de uma infraestrutura de informação e comunicações a partir da qual são gerados serviços, com variadas aplicações, funções e papéis na sociedade. Serviços informativo-culturais, neste quadro conceitual, são jornais, revistas, livros, TV, rádio, internet, bibliotecas virtuais, entre outros.