PLATAFORMAS DE MÚSICA ONLINE:
PRÁTICAS DE COMUNICAÇÃO E CONSUMO ATRAVÉS DOS PERFIS1
 

Adriana Amaral

I – CONSUMO MUSICAL E ESTILOS DE VIDA ATRAVÉS DOS PERFIS ONLINE


Os estudos sobre as relações de circulação e consumo midiático no contexto dos estilos de vida na sociedade contemporânea têm apontado os efeitos desse amplo universo de bens simbólicos e cultura material disponíveis atualmente. O processo de estetização da vida cotidiana, em curso desde pelo menos o século XVII e tornado mais visível pelos meios de comunicação de massa no século XX, continua a configurar padrões identitários através de perfis de consumo, seja no contexto amplo dos lazeres e da produção massiva de objetos, vestuários e bens simbólicos, seja em âmbito mais específico dos grupos e subgrupos a eles interligados.

Os padrões de consumo definiram ou ajudaram a definir a identidade de diversas subculturas, como a dândi, a boêmia e até mesmo a “apache”. De maneira semelhante, eles definiram as “tribos” britânicas do fim do século XX: os mods, os rockers, os skinheads, os punks e assim por diante. Também passou a existir uma política de consumo ou, mais especificamente, uma recusa em consumir certos produtos. (BURKE, 2008, p. 34).
No âmbito da cibercultura, uma faceta notadamente marcada desses fenômenos acontece através das práticas de construção de perfis online em redes de relacionamento. Esses processos de subjetivação e consumo nos perfis dos sites de redes sociais são constituídos em um contexto macro.
As pessoas se apresentam à rede pelos perfis e pelas páginas personalizadas nas quais compartilham suas preferências. É pela fruição de bens culturais que é constituída a mediação entre os usuários e ela é resultado de práticas de consumo. Essa fruição, porém, não é apenas índice de identidade ou estilização de vida, status ou capital cultural. Os bens estão ali também para circulação, não importando mais de quem e de onde partiram e ao que se destinam. As atividades de circulação de perfis pela rede tornam cada vez mais complexo este usuário-consumidor-produtor atravessado por uma contagiante e viral pluralidade de preferências e estilos. (PINHEIRO, 2008, p. 106).
Em estudos anteriores, indicamos algumas práticas comunicacionais e sociais através da constituição de perfis específicos de uma cena e estética musical no MySpace (AMARAL, 2007b), bem como apontamos as práticas subculturais como elementos históricos-conceituais na gênese da cultura digital e que retornam a um lugar de importância através da popularização das redes de relacionamento (ibid., 2008). Já Liu (2007) observa esses perfis/estilos de vida como performances de gosto, nas quais ele encontra quatro categorias: prestígio (reputação), diferenciação, autenticidade e persona teatral.
One of the newest stages for online textual performance of self is the Social Network Profile (SNP). The virtual materials of this performance are cultural signs – a user’s self-described favorite books, music, movies, television interests, and so forth – composed together into a taste statement that is “performed” through the profile. By utilizing the medium of social network sites for taste performance, users can display their status and distinction to an audience comprised of friends, co-workers, potential love interests, and the Web public. (Ibidem).
No caso específico da formação de um “gosto musical”2,complementar às possibilidades midiáticas massivas como o rádio, a televisão, os jornais, as revistas etc., os perfis online em redes de relacionamento têm se mostrado eficientes e vigilantes no sentido de constituição de um banco de dados de consumo, de memória musical, de organização social em torno da música, de crítica musical e classificação de gêneros, de constituição de reputação de conhecimento sobre o assunto e, quando aliados aos sistemas de recomendações musicais como no caso do Last.fm3, essas possibilidades “ultrapassam os limites da área de recuperação de informação (…) pois a recomendação per se é, antes de tudo, fruto de um processo social e tem influência dos elos sociais estabelecidos ao longo da atuação humana nesse processo” (FIGUEIRA FILHO; GEUS; ALBUQUERQUE, 2008).

O presente artigo compara três plataformas sociais de música online: Last.fm, MySpace4 e Blip.fm5, a fim de observar as estratégias de consumo e classificação de conteúdo gerado pelos fãs-usuários a partir desses sites de relacionamento. Partimos de um breve histórico, da observação participante nas plataformas e de dados empíricos (no caso da Last.fm)6, nos quais analisamos práticas comunicacionais cotidianas de usuários nessa rede, destacando o papel das recomendações e das classificações dos gêneros musicais no Last.fm, o caráter de mediação social e laços de “amizade” entre os fãs no MySpace e a constituição de uma reputação por micropostagens musicais no Blip.fm.

Não pretendemos aqui esmiuçar as questões relativas às relações de visibilidade e vigilância – Sibilia (2007) e Bruno (2008), respectivamente, apresentam análises sob essas óticas – intrínsecas a processos nos quais o público e o privado se mesclam e se alternam. Nosso enfoque apresenta relações entre a própria materialidade dos sites observados no que se refere aos usos e apropriações de seus usuários como ferramenta de entretenimento e disseminação de informações musicais. Consideramos a produção e a classificação de conteúdo musical gerado pelos usuários (artistas/fãs) em rede como elemento de arquivamento informativo da memória musical, consciência de audiência segmentada em termos de identidade online.

II – PLATAFORMAS DE MÚSICA ONLINE – BREVE HISTÓRICO, ESTUDOS E DEFINIÇÕES

Social networks, a very old and pervasive mechanism for mediating distal interactions among people, have become prevalent in the age of the Web. With interfaces that allow people to follow the lives of friends, acquaintances and families, the number of people on social networks has grown exponentially since the turn of this century. Facebook, LinkedIn and MySpace, to give a few examples, contain millions of members who use these networks for keeping track of each other. (HUBERMAN; ROMERO; WU, 2008).
Devido ao intenso crescimento e popularização dos sites de redes sociais, uma das tendências de apropriação foi a segmentação em nichos de “gosto” e estilos de vida, como redes de relacionamentos voltadas a animais domésticos (como o Orkupet), moda (MySpace Fashion), atuações profissionais (por exemplo, o Linkedin) e de música, entre outros. “Many newer social network sites are highly specialized, targeting specific user groups such as Christians, the elderly, knitters, or movie fans” (BAYM; LEDBETTER, 2008).

Atualmente, existe uma série de redes emergentes específicas para a música como o MyStrands, o Pandora (que foi fechado para usuários fora dos EUA), Ilike, Spotify, Imeen (que apresentou um crescimento muito grande no último ano) e o Musicovery (que trabalha com as sensações dos gêneros musicais através das cores e do design).

Nossa opção por centralizarmos a análise no Myspace, Last.fm e Blip.Fm se deu a partir de alguns critérios relevantes para o contexto nacional:

a) em função da tradução do site dos dois primeiros para o português, destacando-se que o MySpace possui uma sede em São Paulo desde 2008.

b) pelo grande acesso e crescimento de número de usuários brasileiros, mesmo em um sistema como o Blip.fm, que ainda não foi traduzido.7

Os dois primeiros sites de redes sociais cujo enfoque é diretamente a distribuição de música, o Last.fm e o MySpace, foram lançados em 2003, conforme podemos observar na linha do tempo da Figura 1 (BOYD; ELLISON, 2007).

O MySpace foi fundado em julho de 2003 por Tom Anderson (ex-aluno da Universidade de Berkeley e da UCLA) e, em 2005, foi comprado parcialmente pela Intermix Media, empresa da Rupert Murdoch’s News Corporation, por 580 milhões de dólares.

O Last.fm foi fundado em 2002 na Inglaterra, embora seu lançamento oficial só tenha acontecido em 2003. É uma das maiores plataformas sociais de música, com mais de 65 milhões de itens em seu catálogo e 21 milhões de usuários mensais, além de um adicional estimado em 19 milhões de usuários através de aplicativos convergentes com outras plataformas, como APIs e widgets (Schäefer, 2008, p. 278). O Last.fm foi o resultado da fusão de duas fontes, em 2005: um mashup entre o plugin “audioscrobbler” e a plataforma social Last.fm que se transformou no nome oficial da comunidade. Em 30 de maio de 2007, ele foi adquirido pela CBS Interactive, pelo valor de 280 milhões de dólares. Atualmente, está disponível em 12 idiomas.

Já o site Blip.fm é bem mais recente e foi lançado em maio de 2008 pela empresa Fuzz8, voltada exclusivamente para o mercado musical online. A plataforma de microblog surgiu como “uma forma de sugerir música e compartilhar os pensamentos sobre elas com uma rede de contatos” (Hendrickson, 2008). O Blip.fm rastreia músicas de outros sites, como o Seeqpod, e dos próprios usuários. A ferramenta tem crescido bastante entre os aficcionados por música e os usuários do Twitter, uma vez que permite a integração de ambas as plataformas. Além disso, os “DJs” (como são chamados os usuários) mais populares ganham “props” e “bottoms” e são identificados com pontos para os outros usuários, como estratégias de aumento de visibilidade e reputação.


FIGURA 1 – Linha do tempo de lançamento de alguns dos principais sites de redes sociais
FONTE – BOYD; ELLISON (2007)  
 

FIGURA 2 – Comparativo de tráfego (percentual diário) entre MySpace, Last.fm e Blip.fm
FONTE – ALEXA (http://www.alexa.com; acesso em: 10 fev. 2009)  
 

As pesquisas sobre a temática dos sites de redes sociais têm crescido juntamente com o surgimento e a apropriação das mesmas pelos usuários. Autores como Donath (2004), Recuero (2005), Boyd (2006), Hodkinson (2007), entre outros, apresentam distintas análises e métodos a respeito. “Scholars from disparate fields have examined SNSs in order to understand the practices, implications, culture, and meaning of the sites, as well as users’ engagement with them” (BOYD; ELLISON, 2007). No entanto, há poucos estudos que tratam das especificidades das plataformas musicais ou que as relacionem com o consumo musical – entre eles Amaral (2007a; 2007b; 2009), Amaral e Aquino (2008), Leão e Prado (2007), Aucouturier e Pachet (2007), Baym e Ledbetter (2008) e Schäefer (2008).

As definições a respeito desse formato de site de relacionamento/sistema/software social/plataforma também são bastante imprecisas. A partir do ponto de vista da computação social e da informação, Aucouturier e Pachet (2007) os observam como sites públicos de banco de dados de música compartilhada ou mesmo mecanismos de dados musicais a partir de “taggeamento” colaborativo. Turnbull, Barrington e Lanckriet (2008) os descrevem ora como sites de descoberta de música, ora como sistemas híbridos de descoberta, recomendação e visualização musical.

Leão e Prado (2007, p.71) optam por outra definição, que as aproxima da linguagem radiofônica: “programas que simulam estações de rádios e oferecem a possibilidade de escutar música”. Apesar de os aspectos simuladores da linguagem das estações de rádio estarem presentes explicitamente nos sites, como no caso da produção de “tabelas dinâmicas mostrando as músicas mais ouvidas de determinado artista” (LEÃO; PRADO, 2007, P. 71), acreditamos que a noção de programa que simula rádio não dá conta da totalidade de fluxos comunicacionais que essas redes permitem aos usuários, nem de outras remixagens midiáticas a partir dos aplicativos.

A estação de rádio, como forma particular de comunicação e linguagem, se apresenta como apenas um dos elementos constitutivos do perfil. Todavia, é complementar a todas as outras formas convergentes de participação cultural, como as práticas de social tagging (LAMERE; CELMA, 2007; AMARAL; AQUINO, 2008), de não-inclusão de determinadas músicas, como construção identitária, através do mecanismo de desligamento do rastreador, no caso do Last.fm (AMARAL, 2007), e de monitoramento, visualização e mapeamento dos dados musicais a partir do consumo dos usuários, como em alguns projetos que citaremos a seguir.

O projeto de Nepusz (2008), Reconstructing the structure of the world-wide musical scene with last.fm, é um mapa que

representa graficamente as mais de quatro milhões de relações de similaridade entre os artistas que constam da base de dados da rede social. Os círculos representam os artistas, bandas e músicos que podem ser encontrados na secção de música do site. As linhas ligam os artistas com sonoridades mais próximas, em função dos hábitos musicais dos utilizadores. Cada estilo musical encontra-se sob a forma de uma cor, tendo em conta as etiquetas associadas pelos utilizadores aos artistas. (CAETANO, 2008).
O mapa foi gerado a partir da API aberta do Last.fm e permite descobrir a localização dos artistas por nome ou mesmo descobrir os artistas preferidos a partir do nome de tela do usuário do Last.fm (FIG 3).


FIGURA 3 – Mapa dos gêneros musicais com base nos dados do usuário adriamaral
FONTE – AMARAL (21/11/2008)  
 

Já o trabalho Monitoring and visualizing Last.fm, dos artistas e pesquisadores Adjei e Holland-Cunz (2008), parte de perguntas feitas ao sistema para monitorar e visualizar o consumo musical, como, por exemplo, qual artista possui apenas um hit ou quais comunidades de fãs são mais receptivas ao hip-hop?

By listening to it, the member continuously generates new data, which are saved in the public database being pertinent to it. We observed part of these data for a period of four months and evaluated them in order to find answers to the above questions, for the audience of Last.fm. Our project consists of four parts: 01 “Comparing Fan-Groups”, 02 “Fluctuation of Fans” 03 “Album-Release” and 04 “Cumulation of Genres”. Within these scopes, we can present most interesting results gained from our observations. All visualizations were realized by using the programming language and integrated development environment Processing.9
Essas pesquisas ajudam a compreender, a partir de gráficos e visualizações, nossa concepção a respeito desse tipo específico de site de rede social, que está mais próxima do pensamento de autores como Baym e Ledbetter (2008) e Schäefer (2008), que descrevem o Last.fm, como uma plataforma online em sentido comunicacional mais amplo, no qual são apresentados aspectos implícitos e explícitos de participação.
Last.fm provides several communication platforms for those interested in using the site socially, including writing publicly-visible messages on one another’s profiles in the “shoutbox”, sending one another private personal messages, and participating in site-wide discussion forums. (BAYM; LEDBETTER, 2008, p. 6).
Optamos, momentaneamente, pelo termo “plataforma” por seu uso relacionado à web e sua multiplicidade de serviços, por seu sentido computacional relacionado ao software e aos sistemas operacionais (plataforma UNIX, por exemplo) e, principalmente, pela carga simbólica como metáfora relacionada aos meios de transporte e de comunicação (plataformas de veículos, como trens ou ônibus); ou plataforma como local onde há oportunidade de expressão de ideias, performances e discursos (LONGMAN, 2006, p. 1251). O exemplo de Shäefer (2008) sobre o Last.fm colabora para a compreensão do consumo, da convergência e das trocas e serviços que acontecem no interior dessas plataformas.
It is an ecosystem where the creativity of developing communities meets the intellectual property of the music industry, but where emerging and independent artist can also promote their music, where event organizers can advertise, and retailers can sell their products, and it furthermore serves as a “third place” where users can meet. Moreover, Last.fm is not limited to the Last.fm website, but spreads out through the application programming interface to any other platform. (SCHÄEFER, 2008, p. 281).
Contudo, é interessante problematizar essas tênues matrizes conceituais a partir da proposição de Manovich (2008), de inserção desse tipo de estudo no que ele chama de “estudos de software” ou “teorias do software10, observados sob uma perspectiva cultural e humanista.
I think of software as a layer that permeates all areas of contemporary societies. Therefore, if we want to understand contemporary techniques of control, communication, representation, simulation, analysis, decision-making, memory, vision, writing, and interaction, our analysis can’t be complete until we consider this software layer. (MANOVICH, 2008, p. 10, grifo do autor).
Embora reduzidas por não serem o foco desse trabalho, essas discussões são fundamentais para a compreensão dos fluxos comunicacionais, sociais, estéticos etc. que acontecem nos sites de redes sociais, blogs, wikis e outras ferramentas digitais.

1. Classificação, categorização e colecionismo de gêneros musicais pelos fãs


Um dos mais conhecidos/consagrados/típicos enfoques na literatura sobre o assunto trata da análise das classificações e categorizações dos gêneros musicais a partir dessas plataformas de música online. Salientamos que, dentre os três casos estudados, apenas o Last.fm possibilita a escrita colaborativa de tags definidoras dos gêneros musicais, embora outros sistemas de recomendação como Pandora e Spotify, por exemplo, também permitam esse recurso. O MySpace possui variedade mínima de tags (como rock, clássico e jazz, por exemplo), escolhidas pelo usuário apenas quando ele se cadastra para construir o seu perfil. Já o Blip.fm não possui nenhuma forma de tagging e seu sistema de recomendação funciona apenas a partir do nome do artista cuja música foi recentemente tocada.

Tais pesquisas indicam uma preocupação com a variedade de tags coletadas a partir dos usuários para categorização dos estilos musicais, contribuindo para a análise dos usos e formas de colecionismo de música online através do social tagging. Essa discussão é indicada por autores como Lamere (2009) e Turnbull, Barrington e Lanckriet (2008), que discutem o efeito dos “bias de popularidade”, seja em termos de gêneros e canções mais populares (que os autores chamam de short-head) e menos populares (cauda longa).

Assim, ocorrem hibridações intergêneros, que se perpetuam ora pelo uso contínuo das tags propostas pelos usuários – no caso brasileiro, por exemplo, as tags já existentes no sistema são utilizadas por 72% dos usuários entrevistados –, ora pelas próprias relações sociais de “amizade” que se configuram no sistema a partir da constituição do gosto musical, conforme nos indicam Baym e Ledbetter (2008), possibilitada por medidores comparativos próprios do sistema, como o “gostômetro de gosto” ou o aplicativo que mede o nível de “mainstreamness”.

Essas práticas são dimensionadas pela organização das buscas e informação sobre estilos musicais e as possibilidades de recomendação passam a ser fatores importantes nessa constituição, pois a partir desses dois elementos (tagging e recomendação), podemos medir/visualizar presença e permanência na plataforma, afetando assim a constituição da reputação e mesmo da autoridade (normalmente vinculada aos grupos/subculturas de cunho musical) no sistema.

Tais considerações iniciais constituem uma tentativa de definição e análise desse tipo específico de plataforma cuja lógica opera, em certo sentido, em um misto de micromídia e mídia de nicho (THORNTON, 1996) no qual as disputas simbólicas de capital subcultural e de DIY entre os fãs (JENKINS, 2006) como curadores desse acervo de memória informativa (JENNINGS, 2008) – nesse caso, entre gêneros musicais – aparecem com força.

III – PLATAFORMAS DE MÚSICA ONLINE


Descritas algumas das principais características e definições observadas pelos teóricos, passemos então a uma análise do corpus, compreendido como artefatos culturais cujas significações indicam que “a escuta da música em fluxo revela-se em toda sua transparência, enquanto relações com networks e base de dados, em um continuum de experiências vividas” (LEÃO; PRADO, 2007, p. 79).

1. Last.fm

The Last.fm socio-technical ecosystem oscillates between copyrighted content and the free use of an information system. Last.fm mediates between major players from the music industry and a large number of users, who require additional value to just downloading music. (SCHÄEFER, 2008, p. 281).
O Last.fm é uma plataforma baseada no compartilhamento e recomendação musical que funciona com estações de rádio, fóruns e sistema de etiquetagem e indexação dos arquivos de música – esse “taggeamento” é feito pelos próprios usuários (folksonomia), construindo assim uma vasta base de dados sobre artistas dos mais diferentes gêneros musicais –, que são analisados a partir do download do plugin audioscrobbler, cuja função é fazer a leitura desses arquivos no computador e/ou ipod pessoal e publicá-los no perfil daquele usuário, conectando-o à anima collectiva da plataforma, com os perfis de amigos e vizinhos.
Sistemas de recomendação têm por objetivo reduzir a sobrecarga de informação da web atual por meio da seleção de conteúdo baseada em preferências pelo usuário. […] Modelos de recomendação baseiam-se na interseção dos contextos de usuários para estimar uma recomendação, o que tem sido feito através de dados semânticos ou pela análise de redes sociais. (FIGUEIRA FILHO; GEUS; ALBUQUERQUE, 2008, p. 1).
Em estudos anteriores, observamos que, por ter um contexto segmentado apenas em gêneros e subgêneros musicais, a folksonomia do Last.fm é de tipo estreita (QUINTARELLI, 2005), beneficiando assim a etiquetagem de objetos que não são facilmente encontrados com ferramentas tradicionais e fornecem alvos de audiências, ou seja, pessoas que compartilham vocabulários próprios e que, assim, podem recuperar os itens de forma mais simples e eficiente. Tal constatação fica ainda mais explícita quando se avaliam os dados obtidos pelo questionário: 72% dos entrevistados usam as tags recomendadas pelo sistema em vez de criá-las e 76% utilizam sempre a mesma tag para determinado gênero/artista.
Consider the fact that on the music sharing site Last.fm. there are two distinct categories of significant others, namely “friends” (i.e. contacts) and “eighbours” (people with whom you share a taste in music on the basis of your digital trail on the site). In other words, the builders of Last.fm have recognised the crucial importance of two very different sociological principles: proximity in social network terms and proximity in socio-discursive space (musical taste). (POSTILL, 2008).
Além de artistas e estilos musicais similares, também há recomendações de shows, festas e eventos musicais, a partir de uma base geográfica determinada pela escolha de localização do usuário. Assim, ao me cadastrar como moradora da cidade de Porto Alegre, Londres ou São Paulo, são recomendadas apresentações que acontecerão nessa cidade. Richard Jones, um dos fundadores e CEO da empresa enfatiza que “recommendation and discovery is key in this space now - and we’ve been working on this for 6 years, and every day we continue to refine the process”. (JONES APUD MACMANUS, 2008).

O ecossistema sociotécnico (SCHÄEFER, 2008) ou espaço sociodiscursivo musical (POSTILL, 2008) também apresenta a relação de proximidade de gostos a partir dos aplicativos de comparação dos artistas mais ouvidos, calculados por filtro de algoritmo, a partir da comparação entre as playlists. Essa proximidade musical aparentemente ampliaria amizades e laços sociais entre os ouvintes (LEÃO; PRADO, 2007). No entanto, o estudo de Baym e Ledbetter (2008) aponta que essa plataforma não leva a laços fortes, salvo se for utilizada de forma integrada a outras plataformas.

Outro importante fator de análise na literatura sobre sites de redes sociais diz respeito à personalização. No Last.fm – que passou por um redesign em 200811 –, ainda não é possível alterar as configurações do perfil e, além da escolha estratégica da foto e algumas informações, como link para o site ou blog pessoal, há poucos rastros além das listagens musicais e da tagcloud de estilos musicais. A única mudança possível, em termos de design, é a opção de escolher entre as cores vermelha e preta para o cabeçalho (Figura 4). Assim, observamos que a “identidade” do avatar nessa plataforma é constituída a partir do gosto musical, sendo um sistema pouco conversacional12e muito mais de visibilidade e colecionismo, no qual a construção da reputação talvez possa ser observada nos aspectos de mídia de nicho e micromídia (THORNTON, 1996), e acontecendo muito mais pela adesão e legitimação do “saber” dos “pares musicais”, encontrados no sistema e na questão de multiplexidade midiática13 (HAYTHORNTHWAITE, 2005), ou seja, na passagem e integração de uma mídia a outra: o usuário adiciona um amigo no Last.fm, mas interage conversacionalmente com ele por outra ferramenta.


FIGURA 4 – Perfil do usuário Daniel HDR
FONTE – LAST.FM (http://www.lastfm.com.br/user/danielhdr; acesso em: 10 fev. 2009)  
 
2. MySpace


Apesar de não funcionar como sistema de recomendação, o MySpace Music é um dos principais agregadores de artistas/fãs na rede, servindo tanto como plataforma de lançamento de novos artistas, quanto como fonte de informação e instrumento de divulgação14 daqueles já consagrados, que vêem no site uma possibilidade de relacionamento direto com a base de fãs. A popularidade da plataforma no país – que desde 2007 foi traduzida para o português – é grande no contexto do entretenimento e do acesso (vejam-se os dados na Tabela 1). No âmbito das mídias tradicionais, ela é utilizada como fonte para o jornalismo musical, indicando datas de turnês e/ou lançamentos de álbuns.

O design do MySpace é completamente livre e pode ser inteiramente customizado pelo usuário. Em uma leitura dos perfis de variadas “cenas musicais”, é comum percebermos a repetição dos “atores sociais” como “top friends” (mais amigos) na página inicial. Observam-se práticas de inserção de determinado artista num contexto musical específico. É o caso, por exemplo, da banda Aire’ n Terre (FIG. 5), cujos perfis escolhidos de artistas e fãs dispostos na primeira página (os “top friends”) – portanto a mais acessada – são, em sua maioria, de outras bandas e artistas independentes cujos estilos musicais são muito próximos dos gêneros nos quais o projeto está inserido. Também são encontrados nessa disposição fãs ativos no cenário de música eletrônica alternativa. As tags que descrevem o perfil (industrial/alternativa/gótica) não deixam qualquer dúvida sobre a “identidade musical” de um usuário que o acesse pela primeira vez. Até mesmo o template de cores escuras apresenta a consciência intencional de atingir uma microaudiência definida.


FIGURA 5 – Perfil do usuário Airenterre
FONTE – MYSPACE (http://www.myspace.com/airenterre; acesso em: 10 fev. 2009)  
 

Assim, algumas estratégias de construção de identidades musicais emergem de forma mais amplificada, atribuindo maior visibilidade aos processos de colecionismo e constituição de uma base de dados musicais para um determinando fandom, cujo consumo e produção de conteúdo gera ampla gama de conhecimentos nas múltiplas mídias (JENKINS, 2006), indicando uma conscientização explícita a respeito de uma audiência segmentada, que retroalimentará as informações nas mais variadas plataformas além do MySpace.

3. Blip.fm


O Blip.fm é uma plataforma de microblog que permite o compartilhamento de músicas e comentários sobre elas. A ideia do site é criar uma espécie de “seja você mesmo um DJ de 150 caracteres”. Vários aplicativos têm sido desenvolvidos e o site tem agregado considerável número de ouvintes recentemente, inclusive brasileiros (tabela 1). Esse crescimento ocorreu em função da integração via Twitter.15

Since May, its developers have added several distinguishing features, such as badges for members who accumulate a horde of followers. The idea behind these badges is to recognize the most popular DJs and identify them for new members. In the same vein, members can also give each other “props” points whenever they like the songs that others have shared. (HENDRICKSON, 2008).
As interações sociais e a reputação são constituídas através de práticas como a distribuição de “props” – espécie de pontos de parabenização pela escolha da música que um usuário dá ao outro (dos reblips) quando posta a mesma música de um dos DJs de sua lista – e através da resposta direta a alguém, utilizando o símbolo @ na frente do nome do usuário. Apesar dessas interações, o layout se mantém fixo e não há possibilidade de personalização do perfil.
Blip users post “blips” to tracks – and as with Twitter, others can follow your Blips and listen to what you’ve posted. It’s micro-music-blogging. Now that Twitter has become so popular, there is a whole micro-economy built around Twitter – with multiple companies providing every different style of twitter client that you could possibly want, for just about any platform Twitter has enabled this economy by providing a rich set of web services around their system that any client can tap into. Blip is hoping to do the same thing. They are providing a rich set of web services around their core that allows any third party to interact with the Blip service. (LAMERE, 2009).
O Blip.fm retoma a ideia de DJ “jukebox”, funcionando como rede de estações de rádios personalizadas a partir do compartilhamento de subjetividades musicais. As recomendações aparecem logo após a postagem da música, indicando que outros usuários da plataforma também compartilharam aquele artista.

IV – CONSIDERAÇÕES FINAIS


No presente artigo, discutimos a conceitualização das plataformas de música online a partir de diferentes estudos sobre sites de redes sociais, observando a construção identitária dos perfis e as formas de consumo musical. Para tanto, comparamos, ainda que preliminarmente, três diferentes plataformas, a partir dos eixos da classificação e recomendação, da divulgação e relação social entre fãs e artistas e da postagem de microconteúdos musicais a partir da interação entre perfis. Na tabela abaixo, procuramos apresentar, de forma condensada, alguns dos fluxos comunicacionais e as características que transpareceram com mais evidência em nossa análise comparativa e que podem contribuir para futuras discussões sobre a temática.

TABELA 1
Fluxos comunicacionais que caracterizam as plataformas de música online
Características Last.fm MySpace Music Blip.fm
Recomendação Funciona pelas tags de gêneros musicais e de artistas, e pela localização geográfica do usuário (no caso dos shows). Não possui um modelo. O sistema de recomendação se dá apenas pelo nome do artista/música.
Tags Usuários criam tags livremente. Número limitado de tags que o usuário marca ao construir o perfil. Não possui sistema de “taggeamento” organizado. Contudo, a prática de utilização hashtags é similar à do Twitter, com o símbolo # colocado na frente da palavra.
Principais funções Social tagging
Recomendação
Rastreamento (scrobbling)
Escuta
Geração de playlists Disponibilização e compartilhamento de músicas

Disponibilização e compartilhamento de músicas
Escuta
Expressão pessoal
Interação fãs-artistas

Escuta, disponibilização e compartilhamento de músicas
Recados para os amigos
Informações subjetivas sobre a música
Laços sociais Para Baym e Ledbetter (2008), são fracos e apenas se amplificam na convergência com outras plataformas Relações podem variar entre fortes e fracas, mas se observam fortes laços entre fãs-artistas e/ou participantes da mesma subcultura musical. Aspectos conversacionais (através dos reblips, props e respostas)
Design e formato Poucas informações, sejam visuais ou textuais no perfil
Cores: fundo branco e cinza
Estrutura fixa de tabelas e menus
Variável de acordo com o perfil. No entanto, mantém o player das músicas em cima e a exibição dos perfis amigos embaixo.
Normalmente excesso visual.
Microblogging
Perfil apresenta foto e poucas informações
Postagens das músicas em ordem cronológica reversa
Postagem dos amigos
Cores: fundo azul e branco com algumas cores – laranja e amarelo em detalhes mais significativos

Integração e convergência

APIs e Mashups
Blogs, Youtube
Pouca
Youtube
Twitter, Friendfeed e Jaiku; blogs e Last.fm.
Mobilidade Integração com o Google Android
Scrobbling para iPhone
Não há referências. Postagem via celular



Subculturas

Engajamento a partir das playlists, das tags e tagclouds de perfis, das recomendações, das comparações de compatibilidades musicais e dos fóruns

Engajamento a partir da construção visual-sonora do perfil e dos “amigos” relacionados O engajamento pode ser feito parcialmente através das músicas e recomendações – na localização de outros usuários e das “props” (bônus e congratulações pela música postada).
Participação dos usuários brasileiros 22º país que mais utiliza a ferramenta (o número de usuários brasileiros corresponde a 0,8% do total). Fonte: Alexa.com. Apesar da audiência brasileira não ser tão representativa, leva-se em consideração o fato de se tratar de um site de nicho, cujos perfis normalmente estão entre “early adopters” e “heavy users”. 16º país que mais utiliza a ferramenta (o número de usuários brasileiros corresponde a 0,5% do total). É o 62º site mais acessado do país. Fonte: Alexa.com.

9º país que mais utiliza a ferramenta (o número de usuários brasileiros corresponde a 1,7% do total). Fonte: Alexa.com.

FONTE – AMARAL (2009)

Enfatizamos que essas características não devem ser tomadas como tentativa de sistematização rígida das plataformas, mas como uma observação preliminar dos modos de consumo musical no âmbito dos sites de relacionamento, no qual detectamos tanto práticas há muito constituídas off-line – como no caso do ato da recomendação, feita pelo procedimento boca-a-boca e através das mídias massivas, mas que nesse caso apresenta o elemento do cálculo aperfeiçoado –, como novas formas de busca de informações musicais e de relacionamento entre fãs, artistas e a música.


Referências


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Sites: ALEXA.COM – http://www.alexa.com

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1 A argumentação deste artigo foi apresentada no GT “Comunicação e Cibercultura” da COMPÓS - Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, no XVIII Encontro Anual da entidade, realizado na PUC-Minas, em Belo Horizonte/MG, em junho de 2009. Publicado posteriormente na revista Contracampo, editada pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFF, Niterói, n. 20, p 148-170, ago. 2009. A presente versão foi revista e ampliada e, nessa condição, é integrada a este e-book.

2 Para Postill (2008), a organização do Last.fm mereceria uma análise a partir da teoria sobre o gosto de Bourdieu: “It’s as if these intrepid builders had attempted to reconcile social network analysis with Bourdieu’s theory of taste”. Embora não debatida no presente trabalho, essa aproximação teórico-analítica está sendo desenvolvida no Projeto de Pesquisa da autora sobre plataformas online.

3 http://www.last.fm.

4 http://www.myspace.com.

5 http://www.blip.fm.

6 O questionário sobre as práticas de social tagging dos usuários brasileiros do Last.fm foi elaborado com Maria Clara Aquino (UFRGS), disponibilizado online no período de 19/01/2009 a 05/02/2009 em http://spreadsheets.google.com/viewform?key=pH1GnL4IJw6vIsgS5aMtpcg e distribuído via Twitter, blogs, listas de discussão de música e pelos próprios perfis de amigos e vizinhos no Last.fm. 68 pessoas responderam ao questionário. Os dados estão sendo tabulados para uma pesquisa em desenvolvimento.

7 O site de métricas Alexa.com aponta o Brasil como 9º país com mais usuários da plataforma Blip.fm, correspondendo a 1,7% de usuários e com uma média de 36.881 visitas diárias. Disponível em http://www.alexa.com/data/details/traffic_details/blip.fm. Acesso em: 11 fev. 2009.

8Fuzz, the company that created Blip, is a self-described “CRM for bands” – a place where indie artists can set up web presences and manage their relationships with fans. It also features a mixtape maker like Mixwit and Muxtape, but with songs contributed directly by artists themselves” (HENDRICKSON, 2008).

9 Informações disponíveis em http://visualizinglastfm.de/about.html. Acesso em: 10 jan. 2009.

10 Para o autor, essas ferramentas “are in the center of the global economy, culture, social life, and, increasingly, politics. And this ‘cultural software’ – cultural in a sense that it is directly used by hundreds of millions of people and that it carries ‘atoms’ of culture (media and information, as well as human interactions around these media and information)” (MANOVICH, 2008, p. 3).

11 Veja-se a entrevista com o fundador Richard Jones em http://www.readwriteweb.com/archives/interview_with_lastfm_founder_part3_design_features.php. Acesso em: 03 out. 2008.

12 Observa-se pouco uso dos blogs e da “shoutbox” (uma caixa de comentários) nas práticas dos usuários. Baym e Ledbetter (2008) também afirmam existir pouca interação na plataforma per se.

13 A noção de multiplexidade de mídias desenvolvida por Haythornthwaite (2005) tem suas origens na teoria sociológica e relaciona a questão numérica de ferramentas midiáticas ao fortalecimento dos laços sociais.

14 Uma prática comum, observada anteriormente (2009), é a do redirecionamento do link das páginas pessoais dos artistas para o perfil. Todavia, analistas do mercado da música, como Dubber (2007), não consideram essa estratégia eficiente para a divulgação online, uma vez que a promoção multiplataforma congregaria uma “identidade distribuída” e se torna mais eficiente.

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http://twitter.com.