ABCIBER | Simpósios e Encontros, II Encontro Regional Centro-Sul da ABCiber

ISSN : 2175-2389
A OBSOLESCÊNCIA TECNOLÓGICA E O DNA COMO ARQUIVO DIGITAL ETERNO
Sonia Regina Soares da Cunha

Última alteração: 2019-03-25

Resumo


Tema: A obsolescência tecnológica e o DNA ”“ Ãcido DesoxirriboNucléico como arquivo digital eterno. Há milhares de anos os seres vivos armazenam informações em DNA sem perder a validade, nem confundir/errar qualquer ítem na recuperação e execução do manual da vida. Uma vez codificada a informação em uma cadeia de DNA sintetizado, basta dissolvê-lo em água, e em segundos pode-se obter até um petabyte[1] de informações.

Objetivo: Refletir sobre o armazenamento de dados em DNA. A quantidade de dados que, por exemplo, a ABCIBER, para citar apenas uma instituição de pesquisadores acadêmicos do Brasil, recebe anualmente é imensa, inversamente proporcional à capacidade de armazenamento digital, que na verdade, carece da materialidade física de equipamentos técnicos que operacionalizam o processo. Além do espaço físico necessário, também cresce a despesa com energia, porque os dados são guardados em HDs (Disco Rígido) de computadores, que precisam de temperatura e umidade adequadas para manter o bom funcionamento.

Embasamento teórico reflexivo: A disponibilização dos livros digitais aumentou no século 21 e o tamanho do arquivo digital onde esses livros estão guardados também. Embora um livro impresso com 200 páginas ocupe certo espaço numa estante particular, no formato digital ele pode ser guardado num pen-drive de apenas um centímetro de comprimento.  Mas, por quanto tempo? A recuperação dos arquivos digitais preocupa os usuários, as instituições e o Estado, porque todo o processo demanda altos investimentos, financeiro e humano. Cada vez que uma coleção particular de e-books ultrapassa a capacidade do arquivo digital, o usuário é obrigado a ampliar a capacidade do HD ou apagar algum arquivo. Para atender a demanda cada vez maior dos arquivos digitais, cientistas de universidades norte-americanas, como o pioneiro Craig Venter da Universidade da Califórnia, trabalham na sintetização de genomas codificando mensagens e possibilitando a preservação e recuperação. Birney e Goldman tiveram a ideia de usar o DNA porque o Instituto de Bioinformática Europeia (EBI), no Reino Unido, onde eles trabalham, que guarda os dados genômicos dos laboratórios de todo o mundo, estava quase lotado, em 2010. Na década de 1990, quando os cientistas começaram a sequenciar o genoma humano os dados cabiam em uma planilha, contudo a tecnologia de sequenciamento dobra a cada seis meses. Com o aumento do custo do armazenamento a pesquisa ficou inviável e a saída foi tentar o DNA. Birney e Goldman arquivaram cinco documentos: um artigo científico de Watson e Crick que descrevia o DNA; uma foto do EBI, a codificação que eles criaram para o DNA, 30 segundos de I have a dream (Martin Luther King) e 154 sonetos de Shakespeare. Em 2012, a revista Science publicou um artigo do geneticista da Universidade de Harvard (EUA), George Church, que conseguiu codificar em DNA o próprio livro Regenesis (50 mil palavras e 11 ilustrações). Em 2017, outro grupo de cientistas da Harvard (EUA) usaram DNA de seres vivos (bactérias) para arquivar e recuperar um filme. Metodologia criticada pelos britânicos, que consideram antiético armazenar informações em genomas de seres vivos, segundo eles, o DNA sintético possui um código diferente do que é utilizado pelas células dos seres vivos. DNA (em inglês) ou ADN (em português) significa Ãcido DesoxirriboNucleico, molécula formada por duas cadeias no formato de uma dupla hélice, constituídas por um açúcar, um grupo fosfato e uma base nitrogenada. DNA é o manual de instruções que define por completo, de micróbios a plantas, animais até os seres humanos. O conjunto de instruções codificado no DNA do organismo é o genoma, que é passado de pais para filhos durante a reprodução. Essa informação é armazenada no DNA por apenas quatro tipos de moléculas (A ”“ Adenina; T ”“ Timina; C ”“ Citosina e G ”“ Guanina), através de combinações que ocorrem em pares. A codificação utilizada por Church (2012) para fazer o processo de transformação de "binário" para "deeneário" usou as bases A e C (Adenina e Citosina) para representar o "zero" e as bases G e T (Guanina e Timina) para representar o "um". Church explicou que não foi fácil executar a codificação na prática, porque o DNA só pode ser sintetizado, recuperado e lido através de pequenos fragmentos, com cerca de 200 pares de bases, ou menos. Assim, ele teve que decompor o livro em 55 mil pedaços, cada um com um identificador, por exemplo: ”œeu sou o primeiro pedaço”, ou, ”œeu sou o 333”, e assim por diante. Mesmo assim, na recuperação total do arquivo foram encontrados 11 erros. Os britânicos Birney e Goldman desenvolveram uma codificação mais complexa.  Transformaram cada linha de ”œbyte” (uma sequência binária ”“ oito números "zero" e "um") em outra sequência correspondente, mas com oito números "zero", "um" e "dois". Só então, trocaram os números pelas letras do DNA, usando um código onde cada letra tinha um significado diferente dependendo da letra que viesse antes. Desta forma, A significa "um" se estiver antes do G, mas significa "zero" se estiver antes  do C; e significa "dois" se estiver antes do T. A ideia era evitar por exemplo, uma sequência de oitos As (AAAAAAAA) o que poderia causar erros na sintetização do DNA, por isso mesmo, erros na recuperação do arquivo. Assim, eles fragmentaram os cinco documentos em 153 pedaços, cada um com 117 letras. Além disso, cada pedaço de informação foi repetido quatro vezes por precaução, se porventura um fragmento não pudesse ser lido, o conteúdo poderia ser montado a partir dos outros três. O trabalho de codificação foi feito pela "Agilent Technologies" (Califórnia, EUA) que finalizou e entregou o material em março de 2012. O arquivo era feito de partículas de pó dispostas no fundo de pequenos tubinhos de vidro. A recuperação dos arquivos foi considerada quase um sucesso. O texto de Watson e Crick apresentou duas falhas de 25 letras cada uma, mas que foram recuperadas manualmente, permitindo assim, que o arquivo ficasse completo, com cem por cento de precisão. Os cientistas britânicos imaginam que um arquivo DNA com informações de toda a Biblioteca Britânica, por exemplo, será de longa duração e provavelmente, o único arquivo no mundo capaz de sobreviver a um cataclismo que destruísse todo tipo de conhecimento e cultura, além de apagar toda a informação digitalizada. Na opinião dos cientistas a primeira experiência de sintetização do DNA não deu certo, porque eles utilizaram DNA de múmias com milhares de anos de idade, e de acordo com os testes o DNA sintético resultante aguentaria cerca de 500 anos e fragmentaria. O frio parece ser a melhor forma de conservação, pois experiências feitas com DNA de mamute encontrado na crosta congelada siberiana, com mais de 60 mil anos, foram sequenciados com sucesso.

Justificativa: (pertinência e relevância): O tema abre espaço para o debate reflexivo e avança para a análise contemporânea da ética e da moral, como alerta Habermas (2004, p. 101), "a vida no vácuo moral, numa forma de vida que não conheceria nem mais um cinismo moral, não valeria a pena". Para o filósofo Luciano Floridi (2009) o humano precisa desenvolver dinâmicas estratégicas capazes de ampliar a compreensão sobre a natureza da humanidade e o papel da humanidade no universo contemporâneo. Não se trata de fantasiar uma extensão do humano ser, mas sobre a re-interpretação do papel que exercemos na cotidianidade da vivência humana.

Estamos aceitando lentamente a ideia de que podemos ser organismos informacionais entre muitos agentes (TURING), inforgs[2] não tão diferentes dos engenhosos artefatos de inteligência artificial, mas compartilhando com eles um ambiente global que é, em última instância, feito de informação, a infosfera. Esta nova revolução conceitual é humilhante, mas também estimulante. Tendo em vista essa importante evolução em nossa autocompreensão, e dado o tipo de mediação interativa pela Tecnologia da Informação que os humanos cada vez mais desfrutarão com a natureza e outros agentes, naturais ou sintéticos, temos a oportunidade única de desenvolver uma nova abordagem ecológica para a realidade. (FLORIDI, 2009, p. 31). [Trad. autora]

 

Floridi escreve que a revolução da informação é a quarta enfrentada pela humanidade. A primeira, copernicana, revelou que o ser humano não está no centro do universo. A segunda, darwiniana, mostrou que o humano é quase igual ao restante do mundo animal. A terceira, freudiana, iluminou a sombra humana do "eu interior". Na quarta, Floridi considera que o humano deve refletir sobre o poder político da informação, ou seja, nas sociedades liberais a humanidade precisa estar atenta, não para as perguntas que são feitas, e sim, para as respostas que são apresentadas por aqueles que controlam a caoticidade do mundo da vida. Transparência, privacidade, direito de ser esquecido, liberdade de expressão, incerteza, são alguns pontos que convergem e divergem na ambiência informacional da "infosfera", o futuro da natureza humana.

Palavras-chave: Arquivo Digital. Natureza Humana. Infosfera. Tecnologia Genômica. Humano Informacional.

Referências:

CHURCH, G. et al. Next-Generation Digital Information Storage in DNA. In: Science Magazine. Brevia Sciencexpress, Aug 2012.

BIRNEY, E.; GOLDMAN, N. et al. Towards practical, high-capacity, low-maintenance information storage in synthesized DNA. In: Nature 494, p. 77”“80, 7 Feb 2013.

FLORIDI, L. A Look into the future impact of ICT on our lives. In: Information Society, 2007.

_______. Artificial Companions and their Philosophical Challenges. In: Dialogue and Universalism 19 (1-2), p. 31-36, 2009.

HABERMAS, J. O Futuro da Natureza Humana. São Paulo: Martins Fontes, 2004.


[1] Bit é a sigla para Binary Digit, em português Dígito Binário, ou seja, é a menor unidade de informação que pode ser armazenada ou transmitida. É geralmente usada na computação e teoria da informação. Um bit pode assumir somente 2 valores: 0 ou 1.

1 Byte = 8 bits

1 Kilobyte (KB)   1.000 bytes -> 1 mil

1 Megabyte (MB) 1.000.000 bytes -> 1 milhão

1 Gigabyte (GB) 1.000.000.000 bytes -> 1 bilhão

1 Terabyte (TB) 1.000.000.000.000 bytes -> 1 trilhão

1 Petabyte (PB) 1.000.000.000.000.000 bytes -> 1 quatrilhão

1 Exabyte (EB) 1.000.000.000.000.000.000 bytes -> 1 quinquilhão

1 Zettabyte (ZB) 1.000.000.000.000.000.000.000 bytes -> 1 sextilhão

1 Yottabyte (YB) 1.000.000.000.000.000.000.000.000 bytes -> 1 setilhão

[2] Inforg conceito desenvolvido por Luciano Floridi (2007) que representa uma combinação entre ser orgânico (consciência humana) e agente inteligente inorgânico (inteligência artificial). "We shall become not cyborgs but rather inforgs, i.e. connected informational organisms.


Palavras-chave


Arquivo Digital. Natureza Humana. Infosfera. Tecnologia Genômica. Humano Informacional.