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Resumo da palestra do
Professor Oliver Grau

Embora se tenha tornado a "arte do nosso tempo" e evoluído em uma realidade sempre presente no mundo contemporâneo, a Arte Digital ainda não cruzou as portas do museu tradicional - ainda que seja preponderante nas escolas de arte em todo mundo. Também chamada de Arte Midiática, ela precisa ainda estabelecer o maior número de pontes com nossa sociedade: conferências, coleções de textos, projetos de bases de dados coletivas. Se tal não for feito, corre-se o perigo de se perder toda uma forma de arte.

Ironicamente, vivemos num mundo onde as imagens dominam: YouTube, Flickr, Google Earth, Google StreetView, sem falar das mídias mais tradicionais. O desenvolvimento histórico das imagens atingiu um novo nível de complexidade global no século 21. Na arte, temos desde mundos virtuais imagéticos, como Osmose e Éphémére, de Charlotte Davies, ao espaço imagético filosófico Murmuring Fields, de Monika Fleischmann (um novo tipo de Denkraum) e aos animais geneticamente manipulados de Eduardo Kac.

A Arte Midiática diversificou-se em campos tão diferentes quanto as instalações baseadas no tempo, a arte da telepresença, a arte genética ou biológica, a arte robótica, a Net Art, a arte nano-tecnológica, a arte da vida artificial (A-life), a criação de agentes virtuais e avatares, as realidades misturadas, a arte com suporte de bases de dados. Tudo isso foi possível devido ao desenvolvimento alcançado pela imagem nos últimos anos: as imagens tornaram-se capazes de se modificar, interativa ou autonomamente, e criar um ambiente de envolvimento sensorial em que os parâmetros espacial e temporal podem ser alterados à vontade.

Mas esse tipo de arte, como qualquer outro, não pode ser plenamente entendido se não tiver uma história; é preciso, como pedia Rudolph Arnheim em 2000, integrar este novo mundo atual de imagens interativas e processáveis na experiência e no conhecimento que nos foram legados pela arte do passado. É preciso que se crie uma nova Ciência da Imagem que dê conta de todas as subdivisões que a imagem hoje frequenta, e que funcione tanto como uma narrativa antropológica quanto como um campo de batalha político.

Por isso a organização MediaArtHistory, uma plataforma na Internet para as histórias da Arte Midiática, da ciência e da tecnologia, realizou a primeira International Conference Refresh!, na cidade de Banffs, Canadá, em 2005, que reuniu mais de 2000 trabalhos sobre 19 disciplinas envolvendo o mundo emergente da Arte Midiática. Esta conferência repetiu-se em Berlim (2007), em Melbourne (2009), ocorrerá este ano de 2011 em Liverpool, e será em Riga (Letônia) em 2013.

Estabelecer pontes para a Arte Midiática é também criar novos currículos universitários que abordem a curadoria, o colecionamento, a preservação e o arquivamento das Artes Midiáticas, como os desenvolvidos na Universidade do Danúbio (em Krems, na Áustria), com gente do porte de Erkki Hutamo, Lev Manovich, Christiane Paul e Sean Cubitt. Alunos e professores participam de um fórum no Facebook com mais de 2.500 membros. Nossa Database of Virtual Art conta com vários exemplos de Arte Midiática.

Uma das vertentes que podem ser traçadas desde o início da história da arte ocidental é a da imersão. Espaços de ilusão que tentam integrar o próprio corpo do observador vão desde os grandes afrescos em 360°, os panoramas, o Cinerama, o cinema Imax, até ambientes menores, como os peepshows e as CAVEs, ou portáteis, como os visores estereoscópicos de fotos e os capacetes de realidade virtual (HMD). Artifícios ópticos como as fantasmagorias, os teatros em perspectiva, os dioramas, as câmaras obscuras, as anamorfoses, as lanternas mágicas, usados por tantos artistas no passado, são reinterpretados e contextualizados em nosso mundo de imagem digital por artistas como William Kentridge, Zoe Beloff, Jeffrey Shaw, Mischa Kuballa e outros.

Aby Warburg inspirou-se no estudo das emoções feito por Darwin para compor, em 1929, o Mnemosyne, um atlas inacabado de citações imagéticas de poses individuais, nas mais diversas mídias, independente de gênero ou nível artístico. Podemos afirmar que Warburg redefiniu a história da arte como o estabelecimento de pontes entre as mais diversas formas de arte. Não foi muito depois de Warburg que Malraux preconizou um museu imaginário, hoje tornado possível pelas técnicas digitais e os ambientes globais de rede.

As técnicas digitais em rede colocam a tecnologia a serviço das humanidades, ao disponibilizar toda a história das mídias visuais e sua fruição pelas pessoas. Mas a Arte Midiática Digital tem características próprias que tornam sua preservação também uma questão própria.

Uma vez que as obras de Arte Midiática são processuais, efêmeras, interativas, multimídias e, fundamentalmente, dependentes do contexto, elas necessitam de um "conceito expandido de conservação".

Um exemplo de aplicação deste conceito é a já citada Database of Virtual Art, talvez o recurso mais complexo de Arte Midiática acessível em rede, com milhares de documentos, dados técnicos, artigos, e a monitoração de 750 instituições de Arte Midiática; mais do que um arquivo, é uma plataforma de informação e comunicaçáo. Conta com obras de 500 artistas selecionados num universo de 5.000, além de abordar questões de gênero, movimentação de pessoal técnico, inovações em programas e interfaces, plataformas e dispositivos de exibição, orientações sobre processos de registro e estratégias de captura de novas audiências. É toda uma gama de recursos que facilitam o trabalho tanto do artista quanto do pesquisador. A documentação deixa de ser um arquivamento de mão única para ser um processo de transferência de conhecimento.

Enfatizando a abordagem diacrônica no estudo das mídias, organizou-se a Coleção de Arte Gráfica da Abadia de Göttweig, na Áustria, a mais importante coleção privada de gravuras da Áustria, com ênfase na Renascença e no Barroco, que abrange um período que vai do século 9 ao século 20, com artistas do porte de Dürer a Klimt. Contando com cerca de 30.000 gravuras e uma biblioteca de 150.000 volumes, a coleção vem sendo tornada pública através de 4 estratégias: fac similes digitais, exibições virtuais, projeções de filmes, disponibilização em rede junto com obras atuais de Arte Midiática, num processo de interpolinização conceitual, ativado através de palavras-chave.

O emprego de palavras-chave é também uma forma de estabelecer pontes. A coleção hierárquica de termos da Database of Virtual Art constitui uma nova forma de abordagem da sistematização do campo da arte digital. Reunidas a partir do Getty Art & Architecture Thesaurus e do catálogo de assuntos da Warburg Library, em Londres, as palavras-chave foram selecionadas por terem relevância também no que diz respeito à Arte Midiática. Além disso, novos termos foram empiricamente selecionados, tanto por serem inovações permitidas pela tecnologia quanto pelo papel desempenhado nas artes tradicionais. Palavras como "interface" ou "arte genética" ao lado de outras como "corpo", "paisagem", "ilusão", funcionando como pontes que levam a um entrelaçamento natural, permitindo que formas híbridas de arte sejam localizadas. O mais importante é sua caracterização no campo das humanidades, evitando-se o que seja simplesmente novidade, mas deslocado dentro de nossa história cultural.

Para finalizar, é necessário fazer uma observação. Através do monitoramento feito pela Dabatase of Virtual Art, nos últimos anos (1999 a 2011), do desenvolvimento das ferramentas para a pesquisa da arte, vimos nascer algumas bases de dados de arte digital: Fondation Daniel Langlois, em Montreal, Canadá; Netzpannung, do Fraunhofer Institute, e Media Kunst Netz, do ZKM, ambos na Alemanha; Boltzmann Institute, na Áustria, e outras. Mas também vimos que todos estes projetos já terminaram, seus fundos expiraram. Pesquisadores importantes são perdidos, seus arquivos estacionam e eventualmente correm o risco de desaparecer da Web. Com isso, perde-se não só a Arte Midiática, como também toda a documentação científica referente a ela. Resumindo o problema, ainda não se encontrou uma estratégia de sustentabilidade para tais instituições.

Se fizermos um balanço nas pesquisas sobre Arte Midiática nos últimos 15 anos este problema se torna claro. Precisamos concentrar a documentação acadêmica de alta qualidade e garantir a expansão e a força de tais projetos. Para tanto, é necessário: no campo da documentação, aprender com as iniciativas atuais e passadas, para garantir a sustentação das bases de dados, como ocorre com as bibliotecas nacionais dos países; estabelecer instituições que reúnam as melhores cabeças dedicadas à pesquisa neste campo, levando em conta a necessária diversidade das disciplinas, que garantam a capacidade de criar desde jogos de computador até arte de vanguarda; os fundos de conservação das humanidades digitais devem ser internacionalizados, como ocorre em outros campos científicos, para garantir a necessária sustentabilidade.

A pesquisa das Artes Midiáticas exige a dedicação dos melhores especialistas do setor, atuando a longo prazo. Existe uma infaestrutura enorme e sustentável para a preservação das mídias artísticas tradicionais, como a pintura, a escultura, a arquitetura, e mesmo os filmes e as fotografias. Uma estrutura semelhante é necessária para preservar cerca de 1 a 6 por cento da produção de Arte Midiática, o melhor da produção mundial. Comparando as verbas disponíveis em todo o mundo para a preservação da arte tradicional com as verbas para a preservação da cultura digital, vemos quão inadequado é o suporte dado à arte do nosso tempo. Quanto antes iniciarmos a reversão deste quadro, menor será o intervalo vazio na documentação da memória de uma arte que nasceu nos anos 1960 e cresce exponencialmente até hoje. A Arte Midiática precisa de todas as pontes que pudermos levantar.


[Redator: Joana Caldas]

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