Última alteração: 2021-03-18
Resumo
1. Introdução
A crise sanitária gerada pela pandemia de COVID-19 vem afetando os campos econômicos, políticos e sociais, causando expressivas mudanças em nossas vidas.
Com o intuito de minimizar a propagação da doença, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou aos Estados a implementação de ações de distanciamento fÃsico e social, o que levou ao fechamento da maioria dos museus pelo mundo (94,7%), com chances de 13% dessas instituições não voltarem a reabrir na pós-pandemia (ICOM, 2020a). Deste modo, a pandemia e as suas ressonâncias médicas, sociais, culturais, educacionais, econômicas e políticas vêm apresentando ao campo dos museus e da educação museal um novo contexto e novos desafios.
Este estudo tem como objetivo compreender e discutir os efeitos da pandemia no campo da educação museal e de seus profissionais, em face aos desafios emergentes e urgentes de se ”˜pensarfazer”™[1] usos diversos das tecnologias digitais em rede (TDR) para manter e/ou estabelecer vÃnculos múltiplos com os públicos/comunidades fora dos espaços museais geograficamente localizados.
As discussões aqui levantadas se baseiam nos dados produzidos e publicados por organizações e profissionais do campo - ICOM[2], UNESCO[3], IBERMUSEUS[4], IBRAM[5], CECA BR[6], REM BR[7] ”“ que vêm realizando pesquisas sobre as condições estruturais, laborais e a atuação online dos museus durante a pandemia.
2. Os museus e seus profissionais diante do cenário pandêmico: a questão laboral
O recente fechamento dos museus gerou demissões, cancelamentos e a não renovação de contratos de trabalho permanentes e temporários em nível mundial (IBERMUSEUS, 2020; ICOM, 2020a; UNESCO, 2020; Mörsch e Graham, 2020). Em carta aberta assinada por mais de 1500 profissionais de museus em todo o mundo, Mörsch e Graham (2020) declaram suas preocupações em relação à s demissões de profissionais de museus e galerias em face da pandemia, e mais especificamente a dos educadores museais, diante a importância desses profissionais na relação que estabelecem com comunidades locais e públicos diversos.
A pesquisa do Ibermuseus (2020) revela que 60% das instituições mistas[8] demitiram parte de seus funcionários. Os principais serviços e formas de interação com o público apontados na pesquisa foram as exposições (21% exposição permanente; 19% exposição temporária) e o serviço ou programa educativo (17%), o que está em sintonia com o resultado relativo à identificação das áreas mais afetadas pelas medidas restritivas, a saber: ”˜todas as áreas”™ (30%), ”˜atenção ao cliente/serviços/visitas”™ (21%) e ”˜mediação/educação”™ (18% dos respondentes), indicando conformidade com os dados sobre as demissões de profissionais nesses museus.
No contexto brasileiro, e com foco na situação da educação museal e dos seus profissionais, a fase 1 da pesquisa realizada pelo CECA BR e pela REM BR revelou que 24% das instituições respondentes efetuaram demissões de educadores museais e 3% delas suspenderam contratos e/ou projetos educativos, seguindo a tendência mundial (CECA BR; REM BR, 2020).
3. Os museus e o digital em rede: as ações museais online durante a pandemia
O relatório do ICOM (2020a) revela que, após o lockdown, as ações de comunicação online aumentaram em pelo menos 15% das instituições pesquisadas, embora mais da metade destes museus já se presentificassem nas redes antes da pandemia. O documento mostra que 55,7% dos museus respondentes possuem equipe para realizar as atividades online de comunicação com o público, mas que seus profissionais não se dedicam em tempo integral a essa função e não são especialistas na área. Entretanto, não há indicação sobre a área de atuação dos profissionais envolvidos nessas ações ou qualquer detalhe sobre a natureza das atividades online de comunicação.
Outras publicações recentes relacionadas ao digital em rede e ações museais online também não especificam que profissionais estariam envolvidos em seu planejamento e execução (ICOM, 2020b; UNESCO, 2020).
O IBRAM (2020) chama a atenção para a onipresença do acesso aos bens culturais e à s ações museais digitalizadas em comparação a outros anos, mas cita apenas duas áreas como objetos de reflexão a esse respeito: a gestão de acervos museológicos e a comunicação. A educação museal não é mencionada como uma das áreas que levantem reflexões sobre a relação entre museu e o digital em rede, embora todas as atividades listadas sob a categoria da comunicação possam ser ”˜praticadaspensadas”™ em seu contexto.
No que tange ao acesso à internet e ao uso do digital em rede pelos museus, a questão da desigualdade dos investimentos em TI, a falta de uma política digital mundial e o precário e até ausente acesso à internet em muitas regiões do mundo são problematizados pela UNESCO (2020) que destaca a necessidade de promoção do acesso à internet nessas regiões a fim de minimizar as desigualdades existentes e o crescente desequilÃbrio tecnológico e criativo fomentado pelo desenvolvimento das TDR.
Questões relacionadas ao digital em rede também emergem na pesquisa do Ibermuseus (2020), assim como na carta aberta do CECA BR; REM BR (2020) que chama a atenção para os problemas e desafios relativos à demanda para realização de atividades online pelos educadores museais durante a pandemia.
4. Considerações preliminares
A pandemia e o consequente fechamento dos museus descortinou uma possível realidade do setor museal perante o digital em rede, seja para mostrar usos prévios, apontar necessidades básicas ou convocar seus profissionais a lançarem mão das TDR para realizarem atividades que, na maioria das vezes, estavam sendo desenvolvidas nos espaços museais geograficamente localizados.
A atual crise sanitária também expôs e corroborou a precariedade laboral dos educadores museais em todo mundo, o que confere muitos desafios ao campo, incluindo aquele que diz respeito à atuação de seus profissionais perante o digital em rede.
Os dados aqui apresentados e discutidos indicam a necessidade do museu e de seus educadores melhor compreenderem seus papeis diante do contexto sociotécnico contemporâneo, reconhecendo a importância das potencialidades do digital em rede no ”˜fazerpensar”™ ações educativas museais na/com a educação museal como mais um meio para ampliar o alcance dos museus.
Palavras-chave: cibercultura; educação museal; museus; educadores museais; pandemia
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[1] Segundo Alves (2019) a dicotomia está na origem e construção da Ciência Moderna. Porém, para aqueles que pesquisam nos/com os cotidianos ela impõe limites ao que é necessário ser criado para compreensão da tessitura de ”˜conhecimentossignificações”™ que emergem nas múltiplas redes educativas que formamos e que nos formam. Portanto, a autora prefere escrever as palavras juntas, em itálico e entre aspas simples, mostrando, dessa forma, os limites e modos hegemônicos dessa herança de pensar e escrever, e indicando outros modos de ”˜praticasteorias”™.
[2] International Council of Museums (Conselho Internacional de Museus)
[3] United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura)
[4] Programa de cooperação para os museus da Ibero-América
[5] Instituto Brasileiro de Museus
[6] Comitê para Educação e Ação Cultural do Conselho Internacional de Museus do Brasil
[7] Rede de Educadores em Museus do Brasil
[8] Museus que possuem gestão administrativa e financeira compartilhadas tanto pelo Estado quanto por instituições privadas