ABCIBER | Simpósios e Encontros, ABCIBER XIII - SIMPÓSIO NACIONAL DA ABCIBER 2020

ISSN : 2175-2389
A Cultura participativa no youtube: relações entre influenciadoras e seus fãs no contexto da pandemia de covid-19
Caroline Mazzer de Souza

Última alteração: 2021-03-18

Resumo



Kerchove (2009), desenvolvendo sua lógica em parcial similaridade às proposições de McLuhan (1964), ao ver as tecnologias como extensões humana, evidencia em ”œA Pele da Cultura” que vivencia-se hoje uma sociedade em que as relações com a mídia desenvolvem-se no cotidiano, modificando até mesmo o próprio ”œbios” humano, que se tornou um ”œbios midiático”, assim como propõe Sodré (2002). Nesse sentido, pode-se dizer que a sociedade vive hoje uma cultura que também é midiatizada, sendo a mídia, uma das principais mediações culturais1 com que as pessoas têm contato em suas rotinas. E é nesse contexto que se vislumbra o objeto de pesquisa deste estudo, o qual pretende sistematizar relações entre três influenciadoras digitais brasileiras e seus fãs, dentro da cultura participativa do YouTube, durante os meses de abril a junho de 2020, período em que o mundo enfrentou uma pandemia devido a COVID-19.

A plataforma do YouTube foi escolhida como campo de coleta de dados, por ser uma mídia cada vez mais presente no dia a dia das pessoas, assim como apontam Burgues e Green (2009), em seus estudos sobre o fenômeno da Cultura Participativa no site. Além disso, a plataforma também se destaca no Brasil, sendo hoje, o segundo site mais acessado, de acordo os dados da plataforma Alexa2. Mas o que motiva as pessoas a acessarem o YouTube? A pesquisa ”œVideo Viewers3 de 2018 foi requisitada pela Google para evidenciar hábitos de consumo de conteúdo audiovisual, e revelou que: ”œquando consomem vídeos, as pessoas também querem se reconhecer como indivíduos, encontrar grupos com que se identificam e ver o mundo à sua volta retratado em toda a sua pluralidade” (2018, sem paginação). E no quesito identificação, o YouTube é o primeiro na preferência. Ademais, o site também foi apontado pelo estudo como a plataforma online preferida pelo público brasileiro para assistir conteúdos em vídeo.

Tendo em vista essas questões, pode-se dizer que o YouTube é um veículo midiático que está presente na rotina de muitos brasileiros, na medida em que entram na plataforma, produzem ou assistem conteúdos, se identificam, comentam, compartilham ou curtem algo que viram. Porém, o que muitas pessoas não percebem, é que, esse hábito de engajar-se na rede também cria uma relação (mesmo que mediada), na medida em que o usuário se apropria do conteúdo ou das questões fomentadas por ele pelos comentários, internalizando alguns pontos que poderão constituir sua própria subjetividade. Assim, em suma, as relações estabelecidas com mídias, tais quais os influenciadores digitais, também podem se tornar fatores constituintes da identidade de quem interage, conforme ocorre com outras relações sociais não mediadas, como entre amigos, familiares e etc.

Nessa perspectiva, Hall (2016, p. 22) aponta que ”œo sentido também é criado sempre que nos expressamos por meio de 'objetos culturais', [...] isto é, quando nós os integramos de diferentes maneiras nas práticas e rituais cotidianos e, assim, investimos tais objetos de valor e significado”. Portanto, tendo em vista o objeto de pesquisa desse estudo, destaca-se a relação entre os youtubers enquanto mídias ou ”œobjetos culturais” e seus fãs, já que os youtubers e seus conteúdos serão um dos fatores que poderão constituir a subjetividade de sua audiência, criando relações de sentido e de identificação.

O YouTube também se difere de outras plataformas de conteúdo audiovisual online já que no site as comunidades de seguidores são formados em torno do conteúdo (e não de rede de contatos, como ocorre no Facebook e no Whatsapp, por exemplo). Além disso, o YouTube é uma rede social, permitindo que o conteúdo seja ressignificado e complementado pelos usuários, por meio das ferramentas interativas, como os comentários. Assim, o site também se diferencia de plataformas de streaming de vídeos que apenas veiculam os conteúdos, sem permitir maiores interações dos fãs, tais quais a Globo Play, a Amazon vídeo e a Netflix.

Nesse ponto surge um questionamento: será que as pessoas se engajam no YouTube apenas porque essa plataforma disponibiliza as ferramentas interativas? Burgues e Green já apontavam em 2009 que a cultura de participação presente no site é fundamental para seu funcionamento, já que quanto mais os conteúdos recebem curtidas, comentários e compartilhamentos, mais pessoas o visualizam, fazendo com que os canais ganhem inscritos, e consequentemente consigam mais publicidades. Na pesquisa realizada por eles, vislumbrou-se que as pessoas se engajavam motivadas, sobretudo, por uma sensação de identificação com os produtores de conteúdo. E dos vídeos presentes na plataforma, os vlogs se destacavam quando o assunto era grande número de comentários.

A partir dessas resoluções, buscou-se compreender o que fazia com que os vlogs cativassem tanto a audiência, e percebeu-se que o combo conteúdo + formato + linguagem era a resposta para os altos índices de engajamento nesses vídeos. Mas afinal, o que são vlogs?

O vlog nos faz lembrar da característica residual da comunicação interpessoal cara a cara e fornece um importante ponto de diferenciação entre o vídeo on-line e a televisão. Não apenas o vlog é tecnicamente mais simples de ser produzido - geralmente necessitando pouco mais que uma webcam e habilidades básicas de edição-, mas também constitui um modo de abordagem direta e persistente do espectador que o convida naturalmente a uma reação (BURGUES E GREEN, 2009, p.79).

Assim como pontuam os autores, o vlog se caracteriza por se aproximar muito da linguagem interpessoal comum, feita face a face e sem auxílio de intervenção tecnológica. Isto pois, nesses vídeos as pessoas apenas falam para a câmera, compartilhando algum assunto pessoal, ou mostrando suas rotinas, num ambiente bastante intimista, que se caracteriza, quase sempre, por suas próprias casas, ou quartos. Assim, no vlog os produtores de conteúdo apenas mostram um pouco de suas rotinas, e seus feitos diários, criando diálogos que se dirigem diretamente ao espectador, e impressões de pertencimento, que ressaltam a sensação de ”œintimidade a distância”, caracterizada por Thompson (2008).

E se, por um lado, o conteúdo já é bastante corriqueiro, por outro, o formato com que esses vídeos são gravados também corrobora nesse sentido, já que necessita apenas de ”œuma câmera na mão”, e de se falar olhando para ela. Por fim, se tem a linguagem, que também ocorre num tom direto e informal, criando, mais uma vez, um tom pessoal de conversa. Sibilia (2003) aborda essa questão da linguagem ao falar sobre a ”œnarrativa do eu”, que, emerge na internet sobretudo por meio dos blogs, que se aproximam dos diários pessoais escritos, na medida em que a pessoa faz uma construção de si no próprio ato de se auto narrar. Entretanto, na internet esse fenômeno ganha novas formulações, já que na rede o blog ganha visibilidade, não se tratando mais de apenas um relato, mas sim de um relato feito pensando-se que será visto por alguém.

Para os influenciadores digitais da atualidade, portanto, o ato de se auto narrarem na internet é intencional, havendo sempre uma ”œpré” escolha de qual imagem de si eles pretendem passar para a audiência. Isto pois, como apontado anteriormente, eles necessitam da interação da audiência, e esse engajamento, reconhecimento e trocas afetivas relacionam-se diretamente com a identificação com a imagem de si transmitida por esses produtores de conteúdo. Assim, caso um influenciador tenha alguma atitude incoerente com essa imagem transmitida, seus fãs podem sentirem-se ”œtraídos”, ao não encontrar uma veracidade no discurso transmitido, deixando consequentemente, de comentar ou seguir o canal.

Começa a se delinear, portanto, uma relação muito mais íntima entre fãs e seus ídolos na internet, sendo uma inter-relação já que os fãs apoiam seus youtubers, ao engajarem, e ao mesmo tempo, se sentem muito mais próximos, por poderem relacionar-se diretamente com esses ídolos, pelos comentários dos vídeos. Nesse sentido, pontua-se que as relações desenvolvidas na internet entre influenciadores digitais e seus fãs, se difere das relações até então existentes entre fãs e celebridades ”œtradicionais”4, já que as celebridades midiáticas se tornam famosas devido suas exposições em mídias massivas, enquanto que, as celebridades da internet, se auto ”œcriam”, sendo portanto, suas próprias mídias.

Desta forma, se com as celebridades tradicionais, os fãs gostariam de ser pessoas íntimas de seus ídolos, e com a internet e suas ferramentas eles se sentem próximos. ”œGanhou-se a capacidade de falar diretamente para um público, de aparecer diante dele em carne e osso como um ser humano com o qual seria possível criar empatia e até simpatizar, dirigir-se a ele não como público, mas como amigo” (THOMPSON, 2008, p. 25).

Essas e outras questões sobre a cultura participativa no YouTube, desencadeada por meio das relações entre ídolos e fãs (e também entre os próprios fãs) serão analisadas mais profundamente por meio de uma análise de conteúdo, feita a partir de uma amostra de dados (comentários) coletada entre os meses de abril e junho de 2020, revelando a importância que três canais do YouTube tiveram para suas audiências, no contexto de uma pandemia, em que as pessoas tiveram que ficar em casa, passando por um isolamento social.

1 De acordo com as proposições de Martin-Barbero (1997).

2 Disponível em: https://www.alexa.com/topsites/countries/BR , acesso em: 05/11/2020.

3 Disponível em: https://www.thinkwithgoogle.com/intl/pt-br/tendencias-de-consumo/pesquisa-video-viewers-como-os-brasileiros-estao-consumindo-videos-em-2018/, acesso em: 05/11/2020..Pesquisa realizada em 2 etapas: primeira parte (qualitativa) feita junto a 200 pessoas em jan/2018 pela Box 1824. Segunda parte (quantitativa), feita junto a 3 mil pessoas em jul/2018 pela Provokers.

4 Considera-se celebridades midiáticas tradicionais, aquelas que se tornaram celebridades pela mídia massiva, como televisão e cinema, por exemplo.


Texto completo: docx