Consumindo sucesso. Alimentando o day dream com Erico Rocha e a promessa do faturamento de seis dígitos em sete dias, o “6 em 7”
Resumo
Despontam nas mídias sociais uma série de perfis que divulgam cursos e mentorias prometendo geração de lucros, enriquecimento e aumento de ganhos em um curto espaço de tempo. Voltado especialmente para negócios da esfera digital (vendas pela internet) e com a utilização de diferentes estratégias de marketing, são compartilhados conteúdos demonstrando como é possível ser um empreendedor independente e alcançar o sucesso através do aumento do faturamento. Para tanto, basta seguir os passos que serão indicados nas imersões, experiências e outras denominações dadas aos eventos promovidos para a aprendizagem das técnicas de vendas.
Um expoente nesse segmento no Brasil é Erico Rocha que, desde 2013, atua na área do marketing digital, incentivando o empreendedorismo online através do uso da chamada “Fórmula de Lançamento”, idealizada pelo norte-americano Jeff Walker (2014) — originalmente Product Launch Formula — que preconiza um faturamento de seis dígitos em sete dias do lançamento de algum produto ou serviço:
se você já for dono de algum empreendimento ou se estiver interessado em criar um, eis aqui um método para estimulá-lo. Pense nisso: e se você conseguisse lançá-lo nos moldes da Apple ou dos grandes estúdios de Hollywood? E se os seus potenciais clientes ficassem contando os dias ansiosamente até poderem comprar o seu produto? (...) Existe um processo... uma fórmula, se você preferir, que poderá ajudá-lo a chegar lá (WALKER, 2014, p. 5).
Proponho neste artigo um olhar sobre esses “coaches do enriquecimento”, a partir da observação das mídias sociais de Erico Rocha, que promovem um consumo do sucesso, alçando o indivíduo a elemento central para transformação da sua realidade. Impelindo os sujeitos a se imaginarem, eles próprios, com as cifras e o estilo de vida exibido em suas mídias sociais, como em um hedonismo auto ilusivo, como define Campbell (2001), vivenciando o day dream proposto pelo autor. A partir de uma perspectiva dos estudos de consumo, em diálogo com as reflexões sobre a noção de indivíduo (DUMONT, 1985) e estilo de vida (CAMPBELL, 2001; BARBOSA, 2004), trago uma discussão acerca do uso das estratégias impetradas por Erico em suas mídias sociais para alimentar seus seguidores em busca desse consumo do sucesso. Para realizar essa reflexão, compartilho minha experiência pessoal enquanto seguidora do perfil do Instagram[1] de Erico Rocha desde 2019, observando as etapas de divulgação do curso “Fórmula de Lançamento” em suas mídias sociais. Optei pelo recorte de um cenário pré-pandêmico para obter um quadro sem as interferências ocasionadas pela pandemia. O artigo[2] a que se refere este resumo expandido apresentará os resultados de uma pesquisa realizada entre entre agosto de 2019 e janeiro de 2020, esperando trazer contribuições para estudos comparativos e outras pesquisas que possam abordar as mudanças e permanências relativas aos resultados obtidos neste trabalho.
Tratando este estudo como de inspiração etnográfica, entendo o método e seus desafios como aponta Hine (2016, p. 17), um fenômeno incorporado, corporificado e cotidiano”, em que a internet “torna muito difícil resolver aonde ir para encontrar as respostas e como trazer questões interessantes à luz”. Ao mesmo tempo, a autora destaca como as mídias sociais, enquanto campo de estudo, também apresentam oportunidades ao pesquisador, por transformar as “experiências de identidade, interação e fronteiras sociais”. A autora sugere que sejam explorados os significados da mídia “como um componente da vida cotidiana em um sentido mais amplo, uma vez que ela é socialmente, culturalmente e tecnologicamente permeada” (HINE, 2016, p. 12).
Com perfis em diferentes plataformas, como Instagram, Facebook, LinkedIn, Youtube, TikTok, e até recentemente no Telegram[3], Erico tem, somados, cerca de 6,7 milhões de seguidores. Nesses espaços, ele compartilha experiências de sucesso de ex-alunos que, através do seu método, realizaram lançamentos que obtiveram os tão almejados seis dígitos ou mais. Instigada pelo sucesso de Erico e curiosa acerca das suas estratégias, sou uma dessas seguidoras, ao menos no Instagram, há alguns anos, e, desde agosto de 2019 faço parte de seu grupo no Telegram intitulado “Galera Raíz”, um dos canais em que o coach compartilha conteúdos e divulga seus cursos e palestras. De acordo com Castro (2012), os profissionais da publicidade têm encontrado o desafio de produzir conteúdos que cativem a atenção do cliente, em um ambiente cada vez mais saturado das mídias. Desse modo, as plataformas sociais de Erico são absolutamente centradas em sua figura como mentor e empreendedor de sucesso, além de um pioneiro em sua atividade no Brasil, mas, principalmente, com ênfase na realização com a atividade profissional que ele realiza.
Erico utiliza, principalmente, uma estratégia chamada de “Inbound Marketing” (PATRUTIU-BALTES, 2016), que preconiza o relacionamento próximo com o cliente, de modo que, organicamente, através do engajamento com newsletters, blogs e mídias sociais, ele se sinta atraído pelos produtos ou serviços da empresa. Apesar de online, os cursos não são oferecidos constantemente ao longo do ano, mas são feitos vários lançamentos para venda dentro desse período. Acompanhando o canal do Telegram e o perfil no Instagram, pude constatar como se dão esses ciclos. Os conteúdos compartilhados no feed se alternam entre dicas para empreender, relatos de ex-alunos, mensagens motivacionais e, em número menor, publicações da vida pessoal do próprio Erico, além das lives diárias do projeto 747. Já nos stories , Erico compartilha momentos de sua rotina, como o hábito de preparar café, o convívio com os filhos, as atividades físicas, o quase diário mergulho em um freezer com água congelante entre outros momentos.
Em seus conteúdos, Erico compartilha um ideal de sucesso aliado ao empreendedorismo e à utilização acertada de sua “Fórmula de Lançamento”, promovendo a figura do indivíduo empreendedor a um vencedor, que tem no acúmulo de capital seu objetivo principal e consequente vitória. Essa exaltação do vencedor como conquista pessoal, foi discutida por Castellano (2018), em contraponto ao fracassado, como imperativo para a promoção de uma cultura da autoajuda, que premia o indivíduo que “‘assume os riscos’, ‘toma para si as rédeas de sua vida’, ‘corre atrás dos seus sonhos’, ‘busca sempre se superar’” (CASTELLANO, 2018, p. 21). Uma lógica meritocrática que, segundo Barbosa (2003, p. 31) concede honra, status e prestígio aos indivíduos por seus méritos, enquanto pune os “fracassados”.
Ao promover a figura do vencedor, Erico está também vendendo um estilo de vida para ser consumido por seus seguidores. Assumindo o individualismo como um valor central para as sociedades ocidentais (DUMONT, 1985), o estilo de vida é cada vez mais determinante para a construção de autoidentidades. Esse foco na singularidade, segundo Campbell (2001), teve suas raízes no Romantismo, quando há uma transferência das emoções do exterior para o interior dos indivíduos, movendo o consumo moderno para a força da imaginação presente nos sujeitos.
A esse “gatilho da reciprocidade” poderíamos trazer um olhar a partir de Marcel Mauss (2003) sobre as trocas. Ao estudar a sociedade polinésia, as dádivas, trocas e obrigação da retribuição, na primeira parte de seu ensaio sobre a dádiva, Mauss (2003) estabelece um paradigma sobre a base de trocas nesta sociedade[4]. O autor ressalta seu valor simbólico, detendo-se mais aos fatores subjetivos que delas se depreendem. Diz o autor (2003, p. 70) “aceitar qualquer coisa de alguém é aceitar qualquer coisa de sua essência espiritual, da sua alma. [...] Enfim, essa coisa dada não é uma coisa inerte”. Ainda que não seja o foco principal de nossa discussão, é interessante notar como essa perspectiva pode incitar outras reflexões a respeito das trocas e reciprocidades estabelecidas entre Erico e seus seguidores ou consumidores.
Palavras-chave
Consumo; empreendedorismo digital; Day dream; Erico Rocha; fórmula de lançamento.
Referências bibliográficas
BARBOSA, Livia. Igualdade e meritocracia. A ética do desempenho nas sociedades modernas. p. 13 - 104. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003.
______. Sociedade de consumo. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2004.
CAMPBELL, C. A ética romântica e o espírito do consumismo moderno. Rio de Janeiro: Rocco, 2001.
CASTRO, Gisela GS. Entretenimento, sociabilidade e consumo nas redes sociais: cativando o consumidor fã. Fronteiras-estudos midiáticos, v. 14, n. 2, p. 133-140, 2012.
DUMONT, Louis. Homo hierarchicus: o sistema das castas e suas implicações. Trad. Carlos Alberto da Fonseca. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1985.
HINE, Christine. Estratégias para etnografia da internet em estudos de mídia. In: CAMPANELLA, Bruno; BARROS, Carla (org.). Etnografia e consumo midiáticos: novas tendências e desafios metodológicos. E- papers, 2016, p. 11-28.
Mauss, Marcel. Ensaio sobre a dádiva: Forma e razão das trocas nas sociedades arcaicas. In Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003.
PATRUTIU-BALTES, Loredana. Inbound Marketing-the most important digital marketing strategy. Bulletin of the Transilvania University of Brasov. Economic Sciences. Series V, v. 9, n. 2, p. 61, 2016.
WALKER, Jeff. A fórmula do lançamento: As estratégias secretas para vender on-line, criar um negócio de sucesso e viver a vida dos seus sonhos. Editora Best Seller, 2014.
[1] Disponível em instagram.com/rochaerico/. Acesso em 3 nov. 2021.
[2] O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.
[3] O Telegram é um aplicativo de troca de mensagens em texto, áudio e vídeo, semelhante ao popular WhatsApp, mas que possui ferramentas mais diversificada para a comunicação com grandes grupos como o de Erico Rocha.
[4] Na mesma obra, Mauss (2003) ainda irá se debruçar sobre a sociedade na Melanésia e do noroeste americano, além de Roma, índia e povos germânicos (sociedades antigas).