ABCIBER | Simpósios e Encontros, ABCIBER XVI - SIMPÓSIO NACIONAL DA ABCIBER 2023

PARA ALÉM DO QUE SE LÊ: UMA ANÁLISE DAS VISUALIZAÇÕES DE DADOS NA REPORTAGEM DE DADOS “AQUAZÔNIA- FLORESTA ÁGUA”

Nicole Sonntag Pasch

Resumo


O presente trabalho estuda a construção narrativa no jornalismo de dados, com foco nas estruturas narrativas de reportagens a partir das visualizações de dados. Buscamos compreender quais são as características técnicas e narrativas que estruturam as visualizações de dados na reportagem “Aquazônia - Floresta Água”. Selecionada como objeto de investigação, esta reportagem traz ao foco do debate público no Brasil, no contexto da conservação da Floresta Amazônica, um dos elementos que mais torna este bioma único, a água. A reportagem que foi premiada pelo Prêmio Cláudio Weber Abramo de Jornalismo de Dados, em sua quarta edição do ano de 2022, na categoria “Visualização de Dados", foi  elencada para ser estudada na pesquisa por indicar alto índice de especialidade, confiabilidade na informação e qualidade no ato de visualizar, além de que pretende-se testar um modelo de categorização que leva a identificação de elementos - técnicos e narrativos - da construção narrativa nessas visualizações de dados para ser aplicado nas demais reportagens premiadas em edições anteriores e posteriores. A análise parte do estudo do processo de construção narrativa no jornalismo de dados é desenvolvido a partir da proposta da Pirâmide Invertida do Jornalismo de Dados de Paul Bradshaw (2011) e das categorias propostas no livro Storytelling com Dados de Cole Nussbaumer Knaflic (2015).
Serão trabalhados pelo viés de dois eixos, sendo: os aspectos narrativos, a partir da proposta de Bradshaw (2011), Na primeira parte da pirâmide, tem-se: compilar, limpar, contextualizar, combinar e comunicar. Já no desdobramento do ato de comunicar, esta etapa busca transformar números e estatísticas em um bom texto e, consequente possibilidade de compreensão para o leitor, partindo de Comunicar e contando com as categorias de: Visualização, Narração, Socialização, Humanização, Personalização e Utilização, esta segunda parte foi elencada para ser enquadrada na presente pesquisa, já que detalha o processo que envolve comunicar a partir dos dados, em aspectos mais abstratos, enquanto a parte inicial é prática e depende de elementos específicos. Foi desenvolvido um protocolo de análise, que consistiu em observar os elementos específicos de cada uma das visualizações das reportagens, e atribuir aos critérios de Bradshaw (2011). Já os aspectos técnicos, a partir das categorias trazidas por Knaflic (2015), no presente livro a autora busca responder a questionamentos que levam a uma visualização de dados de qualidade. Tais questionamentos foram trazidos para o contexto das visualizações da Aquazônia - Floresta Água e buscaram ser “respondidos” contendo coerência - ou não - em relação aos critérios que a autora aplica na obra. 
No desenvolvimento da análise, como na categoria de Comunicar, que trata de visualizar os resultados, em consonância com o questionamento “Foi escolhido um visual apropriado?” No caso da reportagem, a escolha do mapa de calor é uma decisão acertada. Permite aos leitores perceberem como os valores se comparam, justamente pela questão da presença das cores, que demonstram, nas visualizações da reportagem, os Níveis de Impacto sobre as Águas da Amazônia Brasileira, em uma área demográfica extensa, como no caso da reportagem, que talvez perderia o sentido se representada de outra forma. Percebe-se que apesar da diferença entre técnica e narrativa, alguns dos resultados da análise se aproximam e são respondidos da mesma forma em diferentes pontos de vista. 
Partindo para a Categoria Visualização, para se tornar eficaz para distribuição e para o engajamento dos leitores, o autor recomenda: “1) garantir que a imagem contenha um link para sua fonte; e 2) garantir que haja algo mais nessa fonte quando as pessoas acessarem” (Bradshaw, 2011). A reportagem analisada segue o  modelo de uma interação restrita, apenas personalizada ao final do conteúdo, quando, em tese, já teria sido todo consumido e interpretado, o que não afasta o leitor do tema principal, mas complementa sua experiência. Abaixo dos mapas, tem-se alguns para esclarecer a plataforma na qual foram construídos: Mapbox, OpenStreetMap e Improve this map. Porém, ao clicar nos links, não se encontram  explicações que enriqueçam sua compreensão do tema. Quanto à categorização de Knaflic (2015), o questionamento:  A saturação foi eliminada? Existem muitas informações, mas que se tornam necessárias para entender o contexto dos dados, por outro lado, não há distrações nos conteúdos apenas os mapas de calor com as legendas de apoio. Não há carga cognitiva excessiva, ou seja, não é necessário muito esforço para entender as visualizações. 
Tem-se mais um questionamento: É chamada atenção para onde se pretende? Na reportagem isto se contempla para os pontos necessários, com os mapas de calor, por meio de atributos pré - atentivos e utilizado de diferentes fontes e tamanhos para realçar certos dados (em números). Quanto à preocupação com o entendimento do leitor, questiona-se: Pode-se identificar elementos do design? A hierarquia de informações é organizada, há acessibilidade (este conceito diz que as visualizações devem ser entendíveis por pessoas de diferentes áreas), a visualização não se configura como difícil de entender, quando em contato com o contexto geral do texto. Porém, a questão da acessibilidade é complexa, já que é improvável de afirmar que todos leitores interpretam da mesma forma.. A autora alerta para a necessidade de um título nas visualizações, o que não aparece na reportagem. Há Affordances visuais (aspectos inerentes ao design que tornam óbvio como o produto deve ser usado) que indicam ao público como usar e interagir com as visualizações. Nas visualizações são utilizados esses recursos, principalmente o negrito para marcações textuais importantes, já as nomenclaturas são convertidas em caixa alta e tamanho maior da fonte, como em um nome de cidade ou de um rio. 
Já na categoria de Narração, o autor (2011) recomenda que deve-se pensar no significado por trás dos números e no que se objetiva comunicar, além de reduzir os valores expressivos  e utilizar a edição para para se concentrar no que é essencial e garantir que os dados estejam contextualizados. O texto possui uma estrutura narrativa contextualizada. Descrita (Segel; Heer, 2018) como: introdução à situação (intensidade das ameaças à Bacia Hidrográfica Amazônica), seguindo para uma série de eventos frequentemente envolvendo tensão ou conflito (ações humanas que danificam e prejudicam a preservação da Bacia), e uma resolução (preservação das bacias em vulnerabilidade como orientação para o futuro). Os mapas de calor interativos atuam como um complemento para a narrativa, não funcionam sozinhos, já que a narrativa das visualizações depende do contexto fornecido pelo texto. Em relação à categorização do livro, tem-se o questionamento: Uma história é contada? Sim, é contada de forma alternativa, a partir do Parallax, conforme vai se fazendo a rolagem da tela, ocorre a transição das visualizações. 
Há também a categoria Comunicação Social, na qual os dados são elementos sociais, oferecendo novas oportunidades para o jornalismo de dados os apresentar socialmente. Aquazônia destaca que seus dados podem inspirar novos estudos científicos, reportagens jornalísticas, debates nas redes sociais e propostas de leis para garantir o futuro das águas da Amazônia. A gratidão expressa à equipe de pesquisadoras por compartilhar dados de mudança climática sublinha o papel social da ciência na geração de dados colaborativos úteis ao campo socioambiental. O compartilhamento de feitos científicos com profissionais da comunicação facilita a disseminação do conhecimento para a sociedade, criando progressivamente novas produções no processo que vai da ciência para a sociedade, mediado pelo jornalismo. No que diz respeito ao poder público, há uma responsabilidade social no compartilhamento de dados abertos. 
Partindo para a categoria de Humanização, o objetivo de tornar as histórias relevantes para as pessoas é evidente, quando se vai além das escalas com as quais podemos lidar a nível humano, temos dificuldade em envolver as pessoas na questão que estamos cobrindo. É preciso lembrar que gravar uma entrevista com uma pessoa cuja vida foi afetada por esses dados pode fazer uma grande diferença. Nas visualizações da reportagem, há dificuldade de encontrar elementos de humanização, porém, eles aparecem no texto, além da preocupação com a preservação dos ecossistemas aquáticos, há um olhar de responsabilidade social quanto à insegurança alimentar dos pescadores, afetados por problemas como a poluição e a sobrepesca. Poderiam ter sido realizadas entrevistas com os pescadores, afetados pela insegurança alimentar ou com aqueles moradores que extraem ouro ilegalmente, para além das fontes oficiais que foram entrevistadas e citadas no texto, dessa forma trazer a compreensão e a sensibilidade com a realidade de um outro ser humano. 
Já na Personalização, isso significa que o usuário pode, potencialmente, controlar quais informações são apresentadas a ele com base em vários elementos, possibilita aos leitores terem experiências diferentes. No que concerne à categorização do livro Storytelling com Dados, é trazido o questionamento: Há uma ação exigida do público? Existe na personalização a “rolagem”, na qual o público precisa “subir” e “descer”, a partir de comandos manuais, na interface da reportagem para fazer o parallax funcionar. Por fim, tem-se o processo de interação, em que é possível aplicar filtros e fazer seleção. Tratando de Utilização, que é a criação de algum tipo de ferramenta baseada nos dados. Neste caso, não há utilização, já que não é citada nenhuma ferramenta na reportagem.
A análise nos permitiu compreender que as categorias (Bradshaw, 2011): Comunicar e Comunicação Social cumprem com os critérios, enquanto Humanização, Narração, Visualização, Personalização cumprem os critérios com limitações e Utilização não cumpre com os critérios. Ou seja, elas são contempladas (ainda que algumas em partes limitadas, salvo à utilização) no objeto analisado. Dentre as características narrativas apontadas, em especial na “Narração”, é possível perceber a necessidade de apoio textual, o que pode ser utilizado como um dos critérios de observação em demais produtos jornalísticos. Também se conclui que uma categoria vai complementando a outra, reforçando diferentes características que formam o todo. Quanto aos aspectos técnicos, é possível caracterizar Aquazônia como uma visualização de dados de qualidade, já que possui um visual apropriado, conta uma história alternativa, falhando em alguns pontos como na ausência de um título, porém as visualizações possuem um contexto e a saturação é equilibrada, ainda que sendo complexo de afirmar por diversas questões que envolvem a compreensão, pode-se dizer que é um conteúdo acessível para os leitores que consomem reportagens de dados como a analisada na presente pesquisa.