Última alteração: 2024-07-02
Resumo
A mídia se transformou na principal mediadora dos processos sociais das sociedades contemporâneas, no contexto de midiatização (HIJARVARD, 2012) que invade a esfera pública conectada (BENKLER, 2006) das plataformas digitais (RÜDIGER, 2013; VALENTE, 2021) . Isso ocorre em todos os aspectos da vida social, inclusive nas campanhas eleitorais e comunicações governamentais, objetos deste artigo.
Para dar conta de expor os políticos ao escrutínio ininterrupto dos eleitores, a comunicação política vem aderindo cada vez mais ao que se convencionou chamar de campanha permanente (LILLEKER, 2006; FERNANDES et al, 2017; HECLO, 2000), uma nova estratégia comunicacional que entende que é preciso disputar o eleitor todos os dias, minuto a minuto, e que cada vez mais tem no uso das plataformas digitais seu território fértil.
Mas como essa tecnologia da campanha permanente impacta as comunicações feitas nas plataformas digitais de atores políticos historicamente alijados do processo eleitoral, como é o caso das mulheres, em especial àquelas que vivem nos rincões mais conservadores do país? Para responder a esta questão, este artigo usa como base de investigação a pesquisa realizada para meu doutoramento que, com objetivos mais amplos, analisa 2.233 postagens feitas na plataforma digital Facebook, durante a campanha eleitoral de 2020 e nos três primeiros anos de seus mandatos, por 2 prefeitas, 2 vice-prefeitas e 14 vereadoras eleitas no circuito histórico da Estrada Real, em Minas Gerais.
Escolhida por ser um dos territórios brasileiros mais conservadores na política, a Estrada Real abarca os seis municípios que formam o corpus desta pesquisa, definidos por elegerem mais mulheres por faixa populacional: Itambé do Mato Dentro (até 5 mil eleitores), Bom Jesus do Amparo (até 10 mil eleitores), Rio Acima (até 20 mil), Serro (até 50 mil), Ouro Preto (até 100 mil) e Juiz de Fora (mais de 100 mil). A plataforma digital definida foi o Facebook por ser a mais utilizada pelos brasileiros à época da eleição. E o período determinado para análise engloba a campanha eleitoral, de 27 de setembro a 15 de novembro, para as candidatas eleitas em 1º turno, e até 29 de novembro, para a candidata eleita no 2º turno; e o período de 16 de novembro a 31 de dezembro dos anos de 2021, 2022 e 2023, para averiguar os três primeiros anos de mandato.
As eleições 2020 e a pandemia da covid-19
As eleições municipais de 2020 no Brasil ocuparam as plataformas digitais mais do que qualquer outra anterior, já que a pandemia da covid-19 produziu um contexto de distanciamento social e superexposição virtual (LEAL e PASSOS, 2022). Em razão dos riscos a que a população estava exposta, o pleito foi adiado e suas regras, alteradas. Pela primeira vez na história, os partidos foram autorizados a realizar convenções virtuais para a escolha de candidatos e reuniões em ambiente online para a definição da distribuição do fundo partidário.
No âmbito da comunicação eleitoral também ocorreram mudanças: “O tempo de exibição do Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral diminuiu em 2020, seguindo uma lógica de que a população teria acesso aos ambientes digitais da disputa” (PANKE, 2021, p.462). A legislação eleitoral permitiu, pela primeira vez na história, o impulsionamento de conteúdos na internet, isto é, propaganda paga feita nas plataformas digitais por candidatos, partidos ou coligações (FERREIRA, 2021).
Midiatização e campanha permanente
Como alerta Hijarvard (2012), o processo de midiatização faz com que a sociedade esteja cada vez mais submetida e dependente da mídia e de sua lógica:
Esse processo é caracterizado por uma dualidade em que os meios de comunicação passaram a estar integrados às operações de outras instituições sociais ao mesmo tempo em que também adquiriram o status de instituições sociais em pleno direito. Como consequência, a interação social – dentro das respectivas instituições, entre instituições e na sociedade em geral – acontece através dos meios de comunicação. (HIJARVARD, 2008, p.64)
Na comunicação política contemporânea, o processo de midiatização pode ser exemplificado a partir da adoção da estratégia de campanha permanente pelos políticos. Neste novo novo bios midiático (SODRÉ, 2002) em que velhas e novas mídias convergem (JENKINS, 2015), os períodos restritivos das campanhas eleitorais oficiais não são mais suficientes para que os candidatos possam disputar a atenção do eleitorado, em especial daquele eleitorado indeciso (LILLEKER, 2006). Na contemporaneidade, o eleitor é disputado todo o tempo, no processo de campanha permanente (LILLEKER, 2006; FERNANDES et al, 2017; HECLO, 2000).
Lilleker (2006) considera que a campanha permanente é validado pela prática, cada vez mais adotada pelos políticos e organizações políticas, de manter as estratégias utilizadas no período restritivo da campanha eleitoral durante o exercício dos mandatos (LILLEKER, 2006, p.143). Ele advoga que a maior utilização das estratégias de campanha permanente se deve ao que ele classifica como “a natureza do eleitor moderno ou pós-moderno”: um estado de descrédito na atividade política que faz com que os políticos de ideologias diferentes sejam tratados como iguais. Soma-se a isso o fenômeno da polarização, que dificulta a disputa dos eleitores já convertidos e transforma os indecisos na mercadoria mais valiosa da eleição.
Fernandes et al (2016) sustentam que “nas ações dos governos e dos atores políticos há o uso recorrente da comunicação como forma de persuadir os eleitores e manter a fidelização para os próximos pleitos” (FERNANDES, 2016, p.85). Os autores avaliam que há diferenças entre as campanhas eleitorais e as comunicações dos governos, mas atestam que só o imbricamento entre elas consegue manter os políticos permanentemente na mídia com o objetivo de que sejam lembrados pelo eleitorado.
Heclo (2000) aponta como características da convergência entre as comunicações de governo e comunicações de campanha o enfraquecimento dos partidos políticos; a expansão dos grupos de interesses políticos; as novas tecnologias de comunicação; as novas tecnologias políticas, especialmente de relações públicas; a necessidade de financiar a política e o aumento das expectativas para todos os atores no ativismo do governo.
Plataformas digitais
Uma comunicação persuasiva, que trava uma batalha diária com o eleitorado não poderia encontrar um território melhor do que o das plataformas digitais, também chamadas de mídias sociais ou redes sociais. Segundo Rüdiger (2013), elas “são plataformas de comunicação que as pessoas sem conhecimento especializado se habilitam a operar mais ativamente com seus equipamentos e em que passam a interagir individual e colaborativamente umas com as outras” (RÜDIGER, 2013, p.19-20).
Mas estas plataformas são manipuladas também por agentes altamente profissionalizados, que as transformam em uma poderosa ferramenta de conquista e controle dos consumidores/eleitores. Isso ocorre porque elas são grandes corporações transnacionais que fizeram história ao se tornarem as empresas mais lucrativas do mundo, explorando a chamada “economia da atenção” (SILVEIRA, 2008; WU, 2012), essa modalidade de indústria que tem como objetivo capturar a atenção humana como uma espécie de commodity, para revendê-la em seguida para anunciantes (WU, 2012).
Jonas Valente (2021) explica que, do ponto de vista funcional, as plataformas digitais são agentes de ponta que acumulam três características: coleta massiva de dados, processamento inteligente e aplicações personalizadas e moduladoras. Tudo isso tem o único propósito de atingir de forma mais potente o consumidor (VALENTE, 2021, posição 3969). Por isso, são territórios tão imprescindíveis para a comunicação eleitoral.
Nas plataformas digitais, as campanhas eleitorais e comunicações governamentais conseguem desenvolver estratégias para encantar o eleitorado não só publicando conteúdo produzido especificamente para elas, mas também concentrando todos os esforços de comunicação mobilizados para as velhas mídias, como logomarcas, jingles, santinhos até mesmo aos programas eleitorais produzidos para o Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral.
As plataformas digitais são, portanto, o território virtual em que é mais visível a materialização do que Jenkins (2005) chamou de “cultura da convergência”, um novo paradigma para entender a transformação midiática nas sociedades contemporâneas, em que a participação ativa dos consumidores é imprescindível (JENKNS, 2015, p.347). Participação esta que pode fazer uma campanha midiática decolar nas plataformas digitais, desde que a atenção do eleitor seja devidamente capturada.
Primeiros resultados
A análise do corpus deste artigo mostrou que a “campanha permanente” ainda é uma estratégia política adotada de forma incipiente pelas mulheres eleitas na Estrada Real, onde sequer a preocupação com a presença digital é unânime. Das 18 analisadas, três não mantiveram perfis em plataformas digitais durante a campanha eleitoral e assim permaneceram nos três primeiros anos de mandato. Dentre as demais, a maioria utilizou muito pouco esta mídia e está presente em um nicho específico dos 169 municípios que compõem o trecho mineiro do circuito turístico: os de pequeno porte, com até 50 mil habitantes. Nos municípios de porte médio e grande, com mais de 80 mil habitantes, a presença digital já se faz bem mais notória, embora não se mantenha uniforme nas diferentes etapas do processo político.
De maneira geral, o esforço para apreender a atenção do eleitor é muito mais efetivo durante as campanhas eleitorais. Conforme demonstra o gráfico abaixo, o volume de publicações vai decrescendo até o terceiro ano de mandato, tanto em municípios de pequeno quanto nos de médio e grande portes.
GRÁFICO 1 - PUBLICAÇÕES NA CAMPANHA ELEITORAL E NOS TRÊS PRIMEIROS ANOS DE MANDATO POR MULHER ELEITA
Fonte: Autoria própria.
Dentre as possíveis conclusões já delineadas pela pesquisa, está a de que a falta de acesso a tecnologias como a de campanha permanente pelas mulheres eleitas em redutos eleitorais conservadores, como é o caso da Estrada Real, significa uma barreira a mais ao amplo exercício da representação política feminina, ao prejudicar as possibilidades de permanência delas na vida pública. Apesar disso, é possível vislumbrar uma mudança em curso nas práticas políticas naturalizadas pela sociedade patriarcal, como o subfinanciamento das campanhas femininas, com uma utilização mais ampla das redes sociais pelas mulheres eleitas nos municípios de grande porte.