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ISSN : 2175-2389
Interações institucionais e a delimitação das campanhas digitais: para pensar a lógica da rede no contexto pré-eleitoral em 2024
Fernanda Cavassana, Leriany Barbosa

Última alteração: 2024-07-02

Resumo


Propõe-se um estudo sobre os impactos das interações institucionais na delimitação das campanhas político-eleitorais a partir das mídias digitais. Essa pesquisa se insere no campo de estudos em democracia digital que, entre as diferentes abordagens sobre o paradigma digital e a política democrática, também abarca a discussão sobre o uso das plataformas nas eleições. Empiricamente, analisa-se o contexto pré-eleitoral das disputas municipais de 2024 no Brasil, principalmente, a partir das decisões institucionais e regramentos que devem orientar a comunicação eleitoral no referido ano. Em geral, o nosso foco de problematização se dirige ao debate sobre fake news e o uso de Inteligência Artificial nas campanhas, às decisões jurídicas e às respostas das plataformas às regras impostas em 2024.

A partir de revisões bibliográfica e documental, são levantadas evidências sobre a participação de atores na rede definidora da comunicação eleitoral digital no Brasil. Por um lado, a pesquisa se ancora na literatura de política e internet, para embasamento sobre o papel desempenhado pelas redes sociais nas eleições. Por outro, analisa normas e regras definidas pelas instituições brasileiras, bem como posicionamentos e decisões das plataformas sobre como serão as campanhas digitais em 2024.

Da perspectiva das mídias digitais, tem-se, pois, um diálogo com a teoria de ator-rede (Latour, 2012), especialmente, por compreender que as ferramentas e instituições envolvidas em processos semelhantes  atuam como agentes definidores do tecido social e político contemporâneo. Defende-se que as interações desses atores, entre si e com demais agentes inseridos no contexto digital e eleitoral, podem ser debatidas enquanto redes. Especificamente, redes de campanha caracterizadas pelo comportamento desses agentes, delineando aspectos relevantes e com impactos significativos no cenário político.

Conforme Cervi et al. (2021, p.70), “a comunicação eleitoral digital tem se fortalecido a cada eleição, ao passo que cada vez mais cidadãos, instituições e atores políticos estão conectados e explorando diferentes sites e ferramentas on-line”. Os autores abordam como se expandiu a regulamentação das campanhas digitais em 2018, quando o impulsionamento de conteúdos na rede foi permitido após a minirreforma eleitoral de 2017. Entre os motivos que estimulam o uso dessas plataformas nas eleições, estão características próprias da comunicação digital, como a personalização, a informalidade e conexões interpessoais. Tais aspectos impactam e moldam o consumo e disseminação de informações sobre o pleito, a construção do discurso político, além de mobilizar visibilidade e recursos para as campanhas (Bor, 2013; Bronstein, 2013; Williams; Gulatti, 2012).

Cabe ressaltar que a legislação brasileira é rigorosa às campanhas negativas e ataques contra adversários no período eleitoral, muito antes das plataformas digitais estarem consolidadas no contexto comunicacional (Borba; Vasconcellos, 2022; Brasil, 1997). Há, contudo, outras questões abordadas nas pesquisas da área, por exemplo o uso da disseminação de fake news como ferramenta estratégia de campanha. Ituassu e colegas (2023) investigaram as consequências do uso das mídias digitais pelos atores políticos no período eleitoral. A partir de entrevistas com especialistas que estiveram à frente de campanhas municipais em 2020, os pesquisadores mostram como as fake news já foram naturalizadas nas campanhas como elemento estratégico. Especificamente para as disputas ao cargo de prefeito(a), enfatiza-se que “o caráter acirrado e majoritário do pleito para os executivos municipais e a escassez de recursos midiáticos nas pequenas cidades favorecem as fake news” (Ituassu et al., 2023, p. 234).

Em maio de 2024, passou a vigorar a resolução do TSE que regulamenta o uso de inteligência artificial nas campanhas e, consequentemente, medidas de combate à desinformação. Isso tudo também conduz à obtenção de campanhas eleitorais mais justas e honestas nos ambientes digitais. Nessa resolução, o artigo primeiro define como conteúdo político-eleitoral não apenas aqueles que mencionam diretamente a disputa, mas também os que versem sobre “partidos políticos, federações e coligações, cargos eletivos, pessoas detentoras de cargos eletivos, pessoas candidatas, propostas de governo, projetos de lei, exercício do direito ao voto e de outros direitos políticos ou matérias relacionadas ao processo eleitoral” (TSE, 2024, online).

Conforme a Resolução 23.732 (TSE, 2024), as plataformas deveriam, necessariamente, alimentar um significativo painel com transparência, em tempo real, sobre todo o algoritmo de produção e circulação de anúncios e seus parâmetros definidores. A intenção é que se torne possível o acompanhamento de “do conteúdo, dos valores, dos responsáveis pelo pagamento e das características dos grupos populacionais que compõem a audiência (perfilamento) da publicidade contratada” (TSE, 2024, online). Além da transparência, o tribunal exigiu acessibilidade e responsividade do referido painel, com mecanismos de busca e estrutura de navegação “de fácil manejo”. Cabe lembrar aqui a dimensão das eleições locais de 2024, que serão realizadas nos 566 municípios brasileiros (IBGE, 2023). Nas últimas disputas para prefeito e vereadores de 2020, houve o registro de 19.369 candidaturas ao Executivo e 517.956 candidaturas ao Legislativo local (TSE, 2020).

Especificamente sobre as eleições municipais de 2024, a resolução declara que são proibidas as montagens e manipulações de conteúdos falsos, como o uso das plataformas de inteligência artificial para criar ou substituir imagem ou voz do candidato, visando tanto o prejuízo ou favorecimento de candidatos. Também proíbe explicitamente o uso de chatbots e avatares na intermediação das campanhas com as pessoas reais.

Além de transparência e responsividade, a resolução busca proteger o debate eleitoral, principalmente, das conhecidas “deep fake”. Com IA, constituem o uso de produtos audiovisuais hiperrealistas que simulam como verdadeiras ações e acontecimentos que nunca existiram (Westerlund, 2019). Com elevada potencialidade para serem virais, o uso de deep fakes aparenta ser ideal para estratégias de desinformação.

Embora as mudanças na legislação eleitoral tenham considerado normas para regulamentar a compra de anúncios em plataformas, como o Facebook e, de impulsionamento de conteúdos em mecanismos de busca, como o Google, evidencia-se que as decisões políticas e judiciais brasileiras não dão conta de definir e delimitar como essa campanha digital será efetivamente realizada. Isso porque as empresas proprietárias dessas plataformas têm tomado suas próprias decisões a partir daquilo que se regulamenta. Muitas delas ocorrem, aliás, como resposta às regras estabelecidas pela corte brasileira. Como exemplos aqui, temos as decisões institucionais de algumas principais big techs proprietárias das plataformas mais utilizadas no Brasil. A decisão do Tribunal Superior Eleitoral foi publicada em março de 2024, com prazo de 60 dias para ser cumprida pelas empresas. Contrárias à execução daquilo que se determina, tais plataformas optaram por não venderem anúncios político-eleitorais no Brasil durante esta eleição. Embora ainda se manifestem atuantes no combate à desinformação e circulação de fake news.

Em abril de 2024, a Meta publicou editorial no qual se compromete a “proteger as eleições municipais de 2024 no Brasil”, além de “assegurar o uso responsável da tecnologia de IA em nossos aplicativos”. A big tech que incorpora algumas das principais plataformas no Brasil - Facebook, Instagram, Threads e WhatsApp - afirma buscar pela segurança e proteção dos usuários, colaborando com autoridades eleitorais para combater a desinformação. O texto tende a indicar que o problema não está na plataforma ou ferramenta em si, mas no usuário. Reconhece o perigo de conteúdos gerados por IA serem utilizados por “pessoas mal intencionadas”. No entanto, ressalta a relevância da IA pela própria empresa, que, segundo eles, procura detectar conteúdos que devem ser removidos por violar normas de uso de seus aplicativos.

A precaução da empresa sobre tais usos se materializa nas exigências aos anunciantes para que “informem quando utilizarem IA ou métodos digitais para criar ou alterar um anúncio publicitário sobre política, eleições ou temas sociais” (Meta, 2024). É interessante a decisão de não permitir o uso do API “WhatsApp Business” por candidatos e pelas campanhas. Embora grupos sejam criados e estejam sob a supervisão de agentes das campanhas oficiais, a interação e a circulação de conteúdos usualmente são produzidos e compartilhados por outras pessoas, simpatizantes e militantes, portanto, sem vínculo oficial ao candidato.

Ressaltando o combate à desinformação, a empresa explicita que remove das plataformas conteúdos “que desestimulam o voto ou interferem no processo de votação, como informações incorretas sobre a data da eleição ou número dos candidatos, sejam eles criados por pessoas ou IA” (Meta, 2024). Busca ainda parceria com instituições comprometidas com a checagem de fatos, como as agências de fact checking e iniciativas de empresas jornalísticas, brasileiras e internacionais.

Já a plataforma X (antigo Twitter), tem realizado mudanças recentes em suas diretrizes sobre anúncios políticos e eleitorais. Como a regulamentação da propaganda eleitoral digital no Brasil é recente, por muito tempo ela foi proibida no Twitter. Segundo o site da organização, em 2019 os anúncios políticos foram banidos em todos os países com o posicionamento corporativo de que “o discurso político deve ter seu alcance conquistado, e não comprado” (Twitter, online). Contudo, em 2023, a propaganda política paga voltou a ser permitida na plataforma de rede social, em acordo com as novas políticas de Elon Musk. Desde então, há conflitos publicizados entre o empresário e a justiça brasileira em relação aos compromissos e medidas do X contra a desinformação e a circulação de conteúdo pago, especialmente em período eleitoral.

Em relação ao impulsionamento de conteúdos em mecanismos de buscas, a principal big tech do ramo, o Google, também comunicou a proibição de anúncios políticos no Brasil em 2024. A capacidade analítica dos algoritmos do Google chegam a direcionar anúncios conforme o uso de outras plataformas da empresa, como o Gmail e o YouTube.
A  decisão impede que candidaturas anunciem  na plataforma Google Ads. A pesquisa aqui proposta pretende, pois, debater as relações institucionais, do âmbito estatal, jurídico e mercadológico que acabam delimitando e definindo lógicas das campanhas político-eleitorais nas mídias digitais. Muito além das leis definidas pelo Poder Legislativo - e das estratégias partidárias e de candidatos para dar o tom sobre o debate eleitoral -, cada vez mais tem sido crucial os comportamentos e decisões de outros atores inseridos nessa rede, como as big techs. Tais dilemas alimentam o debate polarizado, e quase sempre radicalizado na rede sobre a regulamentação da mídia e das plataformas ou embates sobre a liberdade de expressão e as manifestações individuais ou coletivas. A pesquisa, por fim, visa debater consequências democráticas disso tudo.


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