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ISSN : 2175-2389
O Protagonismo da Inteligência Artificial no Trabalho: Reflexões Sobre Novas Lógicas de Criação de Conteúdo na Plataforma LinkedIn
Cristiano Lima dos Santos

Última alteração: 2024-07-02

Resumo


O exercício de imaginar, na linha evolutiva do tempo, as ramificações de um suposto progresso humano, possui um vínculo profundo com a ideia de que o ápice da tecnologia se materializa no presente e em determinadas territorialidades. Esta é a “era tecnológica” descrita por Álvaro Vieira Pinto (2005), como elemento de uma construção ideológica e ilusória. Adotamos essa perspectiva para iniciar uma abordagem crítica sobre os usos e sentidos da Inteligência Artificial no trabalho contemporâneo, ao rejeitar a ideia de que há exclusivamente um caráter emancipatório do chamado “avanço tecnológico” na esfera produtiva (ANTUNES, 2020). Dyer-Witheford (2019), salienta que apesar da Inteligência Artificial se colocar discursivamente como condição geral de produção, devemos contornar a mentalidade de que ela é meramente resultado natural do desenrolar histórico e antropológico. A discussão que propomos aqui está relacionada a inserção de sistemas de Inteligência Artificial no processo de desenolvimento criativo do trabalho.  Desta forma, o objetivo do artigo é analisar as novas lógicas de criação de conteúdo a partir de um “trabalho colaborativo/conjunto” entre a Inteligência Artificial e sujeitos trabalhadores. Realizamos um recorte específico, colocando a plataforma LinkedIn como um ambiente de análise (RECUERO, 2009), tida como uma “rede social profissional”. Assim, entendemos incialmente a produção de conteúdo como categoria de trabalho dentro da plataforma (HUWS, 2014). Para o presente estudo, também abre-se a possibilidade de leitura dos usuários da plataforma, em alguma, dimensão também como classe trabalhadora, enquanto sujeitos que produzem, performam e interagem naquele espaço. Analisamos o recurso de “artigos colaborativos” da plataforma LinkedIn, lançado entre 2023 e 2024, no qual consiste a criação de artigos temáticos com a utilização de Inteligência Artificial da própria plataforma, e complementada por produções/criações discursivas de usuários. Essa nova funcionalidade da plataforma que combina o trabalho colaborativo dos usuários a partir de definições e comandos pré-moldados pela Inteligência Artificial aparenta representar uma realidade descrita nas diversas previsões e prescrições sobre o futuro do trabalho: o trabalho no futuro será realizado conjuntamente a ferramentas de Inteligência Artificial, em linha também do que afirma o relatório do Fórum Econômico Mundial lançado em 2023 (WORLD ECONOMIC FORUM, 2023). Para além de simplesmente conceber e aceitar esse processo como sendo determinante sobre o futuro do trabalho, partimos do ponto de entendimento que essa nova forma de criar conteúdo na plataforma hoje, representa também uma outra forma de interação entre os usuários criadores de conteúdo e as affordances da plataforma, um comando mais direto sobre como se deve criar e circular os discursos. Como metodologia, utilizamos uma auto-etnografia (ADAMS; HERRMANN, 2023) com a conta pessoal do autor na plataforma LinkedIn. A escolha da metodologia também envolve-se no entendimento da subjetividade do autor como trabalhador e usuário da plataforma, inserindo na pesquisa também uma experiência própria (ADAMS; HERRMANN, 2023). Inscrita em um regime de visibilidade (BRUNO, 2013), a plataforma LinkedIn possui uma lógica algorítmica que representa a vigilância dos corpos em um ambiente de trabalho. Toda a atividade e ação produzida na plataforma gera insumos de interação com outros usuários para que todos observem e monitorem as atividades de sua rede de contatos. Desta forma, entendemos também que a plataforma incita determinadas performances para se colocar no ambiente, de modo a extrair de seus usuários, valores, sentidos e visões de experiências pessoais para construção de uma “narrativa de vitrine”. A construção de um personagem visível (SIBILA, 2015), uma autenticidade mas não qualquer autenticidade, pois ela tem de estar direcionada para uma camada laboral em linguagem e conteúdo. Observamos que durante o período de 3 meses (fevereiro de 2024 – março de 2024) o perfil recebeu uma média de 1 notificação por semana (totalizando 12 notificações ao total),  informando que o perfil foi um dos “poucos especialistas” selecionados para contribuir com um artigo colaborativo, constrúido por Inteligência Artificial. Os artigos direcionados para o perfil, coicidiram inicialmente com a área de atuação do autor (Comunicação Social). Em sua página de ajuda, a plataforma LinkedIn (2024), define os artigos como uma nova forma de aproveitar o conhecimento coletivo da comunidade. Indiretamente, mobiliza-se neste processo, o trabalho, compartilhamento de dados, conhecimentos e informação dos sujeitos usuários para construção de conteúdo. Observamos que a moeda de troca da plataforma para o usuário é a concessão de um selo Top Voice em uma determinada categoria, um incentivo ao usuário produzir conhecimento na plataforma sob a possível condição de se tornar um perfil de destaque. Esse selo, garante ao usuário uma espécie de chancela do LinkedIn que confere ao sujeito que o possui, uma ideia de influência e legitimidade sobre determinado tópico. Trazendo para discussão os estudos de influenciadores digitais, observamos que a nova funcionalidade de artigos colaborativos com Inteligência Artificial apresenta um contraponto em relação a construção de uma figura de influenciador, considerando as etapas necessárias para se conseguir o selo. Karhawi (2017), utiliza-se dos conceito de campo e capital (BORDIEU, 2011), para afirmar que o reconhecimento de um sujeito depende dos formadores do campo para se legitimar, para obter uma espécie de “credencial” (KARHAWI, 2017). Porém, o que observamos nesse caso, é que a plataforma não considera essa lógica ao ofertar o selo Top Voice, sendo uma decisão arbitrária da plataforma conceder o tal título a qualquer usuário que preencha o requisito de colaborar com uma quantidade específica de artigos.  Podemos deduzir que o que está sendo priorizado é a incitação da produção, para “colaborar” com o conteúdo do artigo, que na realidade, significa complemetar com trabalho humano aquilo que a Inteligência Artificial da pataforma não foi capaz de produzir. Um outro ponto anlisado foi o de fronteiras entre áres do conhecimento para produção desses artigos. O LinkedIn comunica que apenas “poucos especialistas” podem contribuir com artigos de suas respectivas áreas do conhecimento, mas encontramos caminhos livres para contribuir e colaborar com artigos das áreas: Enfermagem, Medicina e Biologia. Essa “liberdade” para compor artigos de outras áreas nos levantou um questionamento sobre possíveis brechas para disseminação de informações equivocadas. A lógica para produção de outros artigos foi a mesma observada na sessão de Comunicação, ou seja, o perfil de um profissional da comunicação pode ganhar um selo Top Voice em Medicina ou Enfermagem se este contribuir com 3 ou mais artigos, ainda que este perfil não tenha nenhuma formação na área em questão. Sintetizamos nossas considerações finais sobre as análises realizadas no artigo com enfase na discussão sobre produção de conteúdo em plataformas como categoria de trabalho. Assim como acontecem em outras plataformas, as lógicas de modulação algorítmicas (SILVEIRA, 2018) vão direcionando e moldando a organização de conteúdo e experiência na plataforma. Neste caso, tornaram-se ainda mais evidentes, considerando que explicitou-se a necessidade de um trabalho humano direcionado e condicionado, como uma instrução sobre o que produzir e como produzir conteúdo na plataforma. A plataforma LinkedIn mostrou-se aberta a possibilidade de dar protagonismo as funcionalidades e recursos de Inteligência Artificial, destacamos a necessidade contínua de observação e avaliação da dimensão desse protagonismo.


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