Sérgio Amadeu: Elon Musk lidera a extrema-direita
Em vez de censurar, a proposta do PL 2630 garantiria transparência e liberdade de expressão, diminuindo o poder despótico dos magnatas como Elon Musk
FONTE: https://operamundi.uol.com.br/opiniao/elon-musk-lidera-a-extrema-direita/
Por Sergio Amadeu
Elon Musk adquiriu o Twitter com a intenção de incorporar uma rede social globalmente influente ao seu conglomerado empresarial, competindo diretamente com gigantes tecnológicas e econômicas como a Amazon, liderada por Jeff Bezos. Enquanto Bezos e outras grandes corporações como Microsoft e Alphabet têm investido em diversas plataformas sociais e de entretenimento, Musk buscou sua própria influência no espaço digital por meio dessa aquisição. A aquisição do Twitter não apenas reflete a competição entre magnatas da tecnologia, mas também sublinha uma divergência fundamental na compreensão e no exercício da liberdade de expressão.
A compra do Twitter por Musk não se limitou a uma expansão de negócios; representou uma tentativa de moldar o debate público em torno de uma visão de liberdade que privilegia o individualismo irrestrito, inteiramente alinhado com os princípios da extrema-direita norte-americana. Ao retirar o Twitter da bolsa e renomeá-lo para “X”, Musk buscou estabelecer uma arena onde a liberdade de expressão é definida pelos limites do poder e da influência, em vez de ser ancorada em princípios de justiça e direitos democráticos.
No entanto, esta concepção de liberdade é amplamente contestada por aqueles que veem a democracia e a liberdade de expressão como fundamentais para a coesão social e a justiça. A liberdade de expressão é aquela que permite o diálogo democrático e que está relacionada à liberdade dos outros, sem cair na armadilha de servir apenas aos interesses daqueles com mais poder ou recursos. A liberdade de Musk é somente para quem tem força, é sinônimo de violência. A democratização do discurso público é essencial para combater a desinformação e promover um entendimento compartilhado da realidade, baseado na interpretação de fatos e não na invenção de ocorridos ou na invenção de situações que nunca ocorreram.
A visão de Musk e de outros líderes de extrema-direita considera a democracia um obstáculo à liberdade. Tal postura reflete uma perigosa inclinação para valorizar o poder desregulamentado acima do bem-estar coletivo. Esta postura é contrária aos princípios democráticos que defendem a regulação de discursos de ódio e a promoção de uma comunicação pública responsável como fundamentos para uma sociedade justa e equitativa.
Curiosamente, Elon Musk nunca moveu um dedo para atuar contra o vigilantismo e a espionagem massiva do Estado norte-americano, denunciados por Edward Snowden. Ao contrário, Musk fica calado diante do autoritarismo estatal do país em que vive e com que firmou contratos bilionários. O cinismo de Musk não para aí. Sua defesa da liberdade desaparece quando o parlamento norte-americano afirma que irá bloquear o TikTok no país caso os seus controladores chineses não vendam a empresa para capitalistas estadunidenses. Estranha essa liberdade que transforma o roubo e a pilhagem de uma empresa em ato legal.
É importante notar que Musk confronta o Judiciário brasileiro porque decidiu tornar-se líder da extrema-direita no Vale do Silício. Já há algum tempo, ele buscava ocupar o lugar do líder empresarial reacionário Peter Thiel, seu ex-sócio no PayPal. Além disso, o empresário sul-africano optou por alinhar-se ao fascismo brasileiro e à família Bolsonaro. A postura arrogante e o modo autoritário com que comanda a sua plataforma X tornam ainda mais evidente a necessidade das plataformas serem reguladas democraticamente. No entanto, o Centrão e a extrema direita buscam impedir que a regulamentação exija que as plataformas cumpram a lei, razão pela qual Lira deseja anular o PL 2630.
As plataformas operam por meio de sistemas algorítmicos, invisíveis aos usuários. A regulação das plataformas asseguraria os princípios de transparência e explicabilidade nas dinâmicas e finalidades da gestão algorítmica. Musk não poderia mais excluir conteúdos ou reduzir a visualização de postagens sem notificar o autor, nem explicar o motivo de tal atitude. Em vez de censurar, a proposta regulatória do PL 2630 garantiria transparência e liberdade de expressão, diminuindo o poder despótico dos magnatas donos das plataformas. Exigiria também que as plataformas bloqueassem conteúdos criminosos e desinformativos, ao invés de promovê-los. Musk é contrário a isso, pois milita na extrema-direita, cuja principal estratégia política é a desinformação.
(*) Sérgio Amadeu da Silveira é sociólogo e Doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. É professor-adjunto da Universidade Federal do ABC (UFABC). Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil.