All fake
Por S. Squirra
18 de abril de 2024
Houve um tempo em que para sobreviver, o homem descobriu e começou a usar a alavanca, como mostrado em “2001, Uma Odisseia no espaço”. Depois, introduziu a lança, o escudo, o elmo e os arcos e flechas envenenados para atacar seus inimigos. Anos mais tarde, descobriu a pólvora e o ferro, fez armas de fogo e com as caravelas passou a usar canhões para colonizar o globo. Na revolução industrial, dominou a fundição e adotou o vapor (máquinas e estradas de ferro) e com a eletricidade dinamizou a produção de armamentos visando o domínio do globo e a predominância de uma economia monopolista. Este longo processo está descrito nas “Ondas de Kontratiev” de 1925 (que em 1942, foi popularizada por J.Schumpeter como Teoria da Inovação), que definiu a evolução da economia e da tecnologia em: 1ª. onda (60 anos): Revolução industrial e indústria têxtil; 2ª. onda (55 anos): vapor, estradas de ferro e aço e surgimento das grandes cidades; 3ª. onda (50 anos): energia química e elétrica, motores de combustão e linha de montagem de carros; 4ª. onda (40 anos): química do petróleo, eletrônica e aviação. Até aqui, a economia estava centrada na condição físico-material dos recursos, produtos e equipamentos. A partir da 5ª. onda (30 anos) surgem as redes digitais, softwares, novas mídias, e um amplo conjunto de tecnologias que fizeram emergir a internet e na 6ª. onda (25 anos) surgiram a inteligência artificial, a internet das coisas, robôs, drones e tecnologias típicas do que ficou definido como “indústria limpa”.
Resgatar isso se torna importante, pois a história revela que todas as formas de poder usaram largamente as descobertas tecnológicas que andam sempre “alinhadas” com as múltiplas formas de colonização e de domínio econômico dos países. A 1ª. parte das Ondas de Kontratiev revela a persistência de um capitalismo de base produtiva materialista que acabou sendo dominado pelo dólar estadunidense, força que se tornou mundialmente hegemônica a partir da Segunda Guerra Mundial. Este período evidencia o capitalismo referenciado nas máquinas de guerra, do domínio da indústria petrolífera, do controle do mercado futuro de grãos e alimentos, das commodities dos minerais e do agronegócio, das tecnologias aeroespaciais, da especulação imobiliária mundial, das potências bancárias, dos barões da mídia, do comércio de metais preciosos e do controle absoluto de todas as formas de comércio entre os países.
Historicamente, o governo dos EUA incentiva, domina e subsidia com muitos recursos os centros de pesquisas acadêmico/militares naquele país (NASA, Darpa e outros). Com muito apoio estatal, o início dos anos 1990 viu emergir as SuperRodovias da Informação que levaram à Internet popular e às Redes Sociais dos dias atuais. E, como não podia ser diferente, a partir dos anos 1995 os “lords of the universe” estadunidenses concentraram suas energias nessas formas de poder emergentes fazendo surgir uma robusta indústria tecnológica alicerçada no mundo virtual, aquela denominada como “economia limpa”. Assim, novíssimas empresas surgiram e substituíram parte da base econômica até então predominante, inserindo grupo inesperado de neocapitalistas, tais como Bill Gates, Jeff Bezos, Zuckerberg e, mais recentemente, o sul-africano Elon Musk. Estes novos “senhores do Universo”, agora virtual, destronaram os velhos capitalistas do mundo (que denominam de economia “suja”), adotando deles toda a modelagem do controle universal. Nesse sentido, a base do controle planetário do império colonialista não mudou de princípios e se acomodou em personagens com perfis transcapitalistas (perdoem o neologismo) que ao mesmo tempo que praticam poder monopolista/autoritário, espalham desprezo pelas demais nações e culturas fazendo emergir o pior das mentes colonizadoras. É o caso de Elon Musk, especulador em várias áreas da economia que o catapultou ao mundo das celebridades e dos egos inflados. Importante lembrar que, mesmo com a enorme visibilidade alcançada (por uma mídia essencialmente monopolista e estadunidense) Musk nada criou e deve ser entendido como um empreendedor ousado e oportunista, pois não fundou a Tesla (que tem origem em Martin Eberhard e Marc Tarpenning) e não é o inventor da SpaceX (o mérito é de Tom Mueller). Filho de pai rico, aprendeu a se aproveitar das boas ideias e surfar na economia de riscos, o que o tornou o segundo homem mais rico do mundo.
Todavia, depois de ascensão meteórica (típica do mundo das tecnologias virtuais), e ter comprado o aplicativo Twitter fez o valor de mercado da empresa cair de 44 bilhões de dólares em 2022 para 12,5 bilhões nos dias atuais (queda de 72%). Como empreendedor investiu em outras áreas (como a Neuralink, por exemplo) e a Starlink que permite acesso à Internet em praticamente o mundo inteiro, pois com seus foguetes da SpaceX já tem 5,4 mil satélites em ação (de um total de 9,7 mil), ou seja detém 56% dos satélites em órbita. E aqui entendo resida o centro da recente intriga envolvendo Musk e autoridades brasileiras, já que Musk tem enormes interesses financeiros com a Fundação Lemann (através da Ong MegaEdu) na adesão do MEC ao sistema Starlink para oferecimento de Internet para a rede de 138 mil escolas públicas do Brasil. Originada em sombrios contatos com o governo de Bolsonaro (em maio de 2022), foi publicada a Portaria 33, que foi recentemente suspensa pelo governo Lula. E isso deve estar desgostando tanto Musk quanto Lemann, abrindo robusta chance de que a intriga de Musk com o ministro Alexandre de Moraes (e também Lula) extrapole as bordas da censura aos direitistas do Brasil (Allan dos Santos, por exemplo) que Musk apoia. Na atual contenda, seu argumento central contra o STF e Moraes é de censura da liberdade de expressão, mesmo que os atos de bloqueio se baseiem exclusivamente nas ações e fake news bolsonaristas decorrentes da tentativa de golpe de 08.01.2023. Como reforço do insustentável argumento de que ele seja um democrata defensor da liberdade de expressão (como dizem os políticos bolsonaristas), vale lembrar que Musk nunca confrontou o Partido Comunista da China (onde a Tesla tem megafábrica de carros elétricos e o Twitter é proibido) nem contra o governo ditatorial da Arábia Saudita.
Por sabermos que os aparatos comunicacionais de base capitalista estadunidense sempre apoiaram formas escabrosas, imperialistas e não patrióticas de domínio e definição de conteúdos, a partir de centros de controle e difusão das narrativas, é mais inteligente circunscrever este “imbróglio” no cenário econômico alavancado pelo desespero desse empresário na perda da venda hiperinflacionada de tecnologia ao nosso país. E visível seu desejo de, ao criar tumulto, desestabilizar não somente o sistema judiciário brasileiro, mas sobretudo o governo democrático do presidente Lula, cerrando fileiras com os adeptos da Alt-Right que, através da Cambridge Analytica, elegeram Trump, Bolsonaro e mais recentemente Milei. Todavia, como hoje o Brasil tem um governo que não bate continência para a bandeira estadunidense e privilegia a economia brasileira e os povos oprimidos, penso que é saudável desviar de seus gritos e ameaças, pois tem simpatizantes na direita radical e raivosa. De fato, o que Musk fez foi desencadear a evidência da urgente necessidade de o Congresso (ou o Judiciário) regulamentar as Redes Sociais que, como veículos de comunicação e exposição de conteúdos, hoje agem livremente no país. E todos sabem o estrago provocado pelo fenômeno das fake news aqui e no mundo todo. Quer dizer, com os aplicativos de propriedade estrangeira atuando “sem lei”, empresas transnacionais de cunho capitalista conseguem favorecer interesses de grupos políticos e econômicos com pautas que podem desestabilizar políticas sociais de governos democraticamente eleitos. Musk é mais um capitalista nascido em berço de ouro que, alçado a um poder econômico extraordinário, faz mi-mi-mi visando desestabilizar nações que ousem regulamentar seus negócios. A questão é puramente econômica e da ingerência de uma empresa transnacional (e um país!) nos governos autônomos do planeta. Tomara que, neste cenário amplo de mentiras e insinuações digitais, o Brasil consiga impor a verdade e sua altivez, pois esses idiotas que o Umberto Eco diz que a Internet “liberou” são trapaceiros e gosmentos. Tudo fake.
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Sobre o autor:
Sebastião Squirra é Mestre e Doutor pela ECA/USP com pesquisas de Doutorado na Universidade de Michigan e de Pós-Doutorado na Universidade da Carolina do Norte e Autônoma de Barcelona. Ex-professor do Departamento de Jornalismo e da Pós-graduação da ECA/USP, foi Diretor e Coordenador da Pós-graduação em Comunicação na UMESP por 10 anos. É autor de 6 livros e coordenador de outros 7 e lidera o Grupo de Pesquisa Comunicação e Tecnologias Digitais-COMTEC. Foi Diretor Cultural, de Relações Internacionais e Vice-Presidente da Intercom. Ex-Presidente da ABCiber de 2017/19 e atualmente integra o Conselho Consultivo da entidade. Integra o Comitê de Ética da ABI, a Associação Brasileira de Imprensa desde maio de 2022.