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ISSN : 2175-2389
The Guardian: geopolítica da informação e plataformização no jornalismo na pandemia da COVID-19¹
Maria Alice Teixeira De Luna Freire, André Borghi dos Santos Junior, Julianna Nascimento Torezani, Rita Virginia Argollo

Última alteração: 2021-08-24

Resumo


O The Guardian é um jornal britânico, prestigiado e conhecido mundialmente. Fundado em 1821 por John Edward Taylor, na cidade de Manchester, na Inglaterra, e publicado pela primeira vez em 5 de maio daquele ano. Inicialmente denominado Manchester Guardian, o jornal tinha o objetivo de promover o interesse liberal. A adoção  do nome atual ocorreu em 1959, pois era preciso expandir seu alcance e torná-lo abrangente em todo território nacional. Atualmente, o Guardian integra o Guardian Media Group, empresa de mídia de massa que possui várias operações de mídia, e é propriedade do The Scott Trust Limited, empresa britânica que atua com o objetivo de manter a independência financeira e editorial do jornal, seguindo a mesma visão desde sua fundação, sem interferências políticas.

Atualmente, o The Guardian possui uma edição online do Reino Unido e de dois sites internacionais, que são o Guardian Australia e o Guardian USA. Também usam redes sociais como o Instagram para compartilhar notícias, e a plataforma do Youtube.  Os lucros do jornal são reinvestidos em jornalismo e não para benefício de algum proprietário ou empresário.

Com a pandemia do novo coronavírus, que surgiu no final de 2019, mas foi decretada oficialmente pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020, diversas medidas de prevenção foram adotadas por países do mundo inteiro para tentar conter o avanço do vírus pelos continentes. Uma das principais medidas recomendadas pela OMS foi o distanciamento social. Essa medida teve como consequência profundos impactos na estrutura de diversas áreas profissionais, entre elas, o Jornalismo.

Nesse cenário de pandemia e distanciamento social, jornalistas do mundo inteiro tiveram que se readaptar e realizar mudanças na sua forma de trabalho, assim como as emissoras de televisão e rádio também, visto que grande parte dos componentes da imprensa passaram a realizar o home office, ou trabalho remoto, trabalhando de suas casas, entrando em contato com entrevistados e realizando entrevistas de forma online, por meio de chamadas de vídeo, algo visto com pouca frequência na era pré-pandêmica. As ferramentas dos aplicativos de redes sociais para realizar lives também passaram a ser mais valorizadas e utilizadas pelos grandes meios de comunicação, explicitando algumas das mudanças que ocorreram no Jornalismo durante a pandemia e a migração da imprensa para as plataformas digitais.

O objetivo dessa pesquisa é realizar uma análise da produção jornalística nas redes sociais, Instagram e Youtube, do jornal britânico The Guardian com a finalidade de compreender as configurações do Jornalismo e da Geopolítica da informação, praticadas nas redes sociais durante o período pandêmico. A abordagem metodológica é pela pesquisa bibliográfica e documental, através da coleta de dados. Os dados são compostos por postagens de 15 a 31 de março de 2020, 15 a 30 de setembro de 2020 e 15 a 31 de março de 2021. Esse estudo faz parte do projeto de pesquisa Produção Jornalística em Redes Sociais Digitais, vinculado ao Curso de Comunicação Social (Rádio, TV e Internet) da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em Ilhéus (BA), o qual propõe uma investigação profunda sobre o cenário do Ciberespaço e da Cibercultura durante a Pandemia da COVID-19 e os movimentos do jornalismo dentro dessa conjuntura.

Atualmente, as mídias são os mapas que articulam nossas percepções de mundo e são as regras da ”˜episteme jornalística' que decidem quais fatos serão filtrados, tratados e convertidos em notícias (STEINBERGER, 2005). Vale salientar, que os meios de comunicação e, principalmente o jornalismo, são mídias que podem promover o entendimento e um olhar mais amplo sobre os acontecimentos ocorridos, podendo assim, exercer um papel importante na formação de alianças e integrações entre nações, propondo assim uma geopolítica das mídias e uma geografia da comunicação, promovendo, a rediscussão sobre os modelos de gestão editorial e de negócios do jornalismo digital durante o século XXI.

Nesse sentido, o termo geopolítica surge, segundo Kjellén (1916, apud CORREIA, 2012, p. 230), como a relação entre geografia e Estado, logo que ”œa geopolítica é o estudo do Estado enquanto organismo geográfico ou enquanto fenómeno no espaço, isto é, o Estado como terra, território, área, ou melhor dito, como país.” Assim, entendemos que a mídia, pode ser visualizada, como instituição capitalista, fazendo parte do Estado, e também, parte intrinsecamente interessada na formação de um imaginário geopolítico social, visto que os processos econômicos e organizacionais de produção noticiosa  interferem no escoamento do produto, na escolha das fontes, na seleção das pautas, e até, mesmo, no  no dimensionamento da importância do fato na hierarquia do noticiário (TRAQUINA, 2002).

Ao falarmos de jornalismo, a referência de fronteira se modifica e passa a estabelecer narrativas fragmentadas que aludem o 'nós' versus os 'outros", tornando esse discurso marcado pelo lugar de origem, o qual privilegiam de onde vem essa retórica e o interesse geral mais do que o local, subordinando o jornalismo as fronteiras e levando a criação de uma ”œrelação entre os níveis local e internacional” (SILVEIRA, 2007, p. 3). Segundo Barbosa (2005), ao passarem a privilegiar uma cultura, a qual, não necessariamente equivale a realidade do país em que o jornal é veiculado, as pessoas passam a reproduzir ideias e conceitos que não correspondem à sua realidade cultural, logo são entendidos como um problema, essa hipótese vale-se da  teoria do agendamento (McCOMBS, 2009) e do espiral do silêncio (NOELLE-NEUMANN, 2017), os quais se complementam, e pela discussão sobre critérios e valores de noticiabilidade no jornalismo (TRAQUINA, 2002).

Diante do cenário contemporâneo, houve um crescimento das tendências colaborativas, desvirtualizadas e descentralizadas, favorecendo a formação de comunidades baseadas em vivências virtuais dentro da internet e das suas mais diversas plataformas. É a consolidação dessa nova forma de socialização que o espaço virtual foi se modificando, assim o termo ciberespaço foi introduzido e reproduzido por muitos autores da Sociologia e das áreas que tratam da virtualidade. Lévy (1988, p. 104) define o ciberespaço como "universo das redes digitais como lugar de encontros e de aventuras, terreno de conflitos mundiais, nova fronteira econômica e cultural".

O espaço cibernético se caracteriza por ser um espaço  não natural e não presencial, ou seja, que existe através da codificação de  códigos binários, entre zeros e uns. É dentro desse não-lugar, que as mídias sociais se solidificam, estabelecendo a cibercultura, a qual define-se relação entre tecnologias e sociedade (LEMOS, 2006). Partindo disso, a virtualidade atua como um lugar de expressões e interações, onde são difundidas conceitos e ideias como método contra-hegemônico daquilo que foi imposto pela grande mídia hegemônica da indústria cultural, logo que esse ambiente não tem fronteiras e, também, não existe ”œcontrole” (MOROZOV, 2018). Também neste sentido, Santaella (2003, p. 27), afirma que a ”œcultura de massas, cultura das mídias e cultura digital, embora convivam hoje em um imenso caldeirão de misturas, apresentam cada uma delas caracteres que lhes são próprios e que precisam ser distinguidos, sob pena de nos perdermos em um labirinto de confusões”. Deste modo, a cibercultura surge dotada de técnicas, valores, pensamentos e atitudes das pessoas que constroem esse novo espaço, promovendo a possibilidade da cultura da convergência abordada por Jenkins (2009).

É a partir desse novo contexto, que as plataformas digitais passam a ser visadas pelas corporações e empresas jornalísticas, logo que são nesses suportes que o jornalismo ganha um tom dinâmico, mas também passa a adotar as características desse novo ambiente sem fronteiras, agora a informação está sendo detida por outros. Ao migrarem para o digital, eles iniciam o processo de plataformização.

Gillespie (2016, apud VALENTE, 2018, p. 79) classifica as plataformas como ”œ[...] sites e serviços que hospedam expressão pública, armazenam-na e utilizam-na na nuvem, organizam acesso a ela por meio de busca e recomendação e a instalam em dispositivos móveis”. Elas são reguladas por  vetores sociais, por seus vetores próprios de construção sendo assim, são ”œagentes que funcionam como mediadores ativos de interações, comunicações e transações entre indivíduos e organizações” (VALENTE, 2020, p. 80),

Com isso buscamos compreender as formas que o The Guardian usa as plataformas para a veiculação de suas notícias e como a geografia da informação atua durante a pandemia e os períodos de coleta dos dados. Em 29 de maio de 2021, o perfil, @guardian, da empresa possui 4,3  milhões de seguidores e segue 289 perfis, tem 6.596 publicações. Ao falarmos de plataformização devemos entender que ela ”œdescreve o processo de imbricamento das lógicas da plataforma na lógica dos setores sociais, em um processo de moldagem mútua” (VAN DIJCK, apud JURNO et al., 2018).  O perfil tem como tendência veicular reportagens informativas e de entretenimento, promovendo contextualização dos mais diversos temas, em cards, threads, vídeos para o feed e IGTV.

É com a ruptura das práticas jornalísticas tradicionais que os novos valores notícias surgem de acordo com Silva et al. (2020): frequência, intensidade, inequivocidade, significância, consonância, imprevisibilidade, continuidade, composição,  referência a nações de elite, referência a pessoas de elite,  referência a pessoas e  referência a algo negativo.

A partir desses critérios de noticiabilidade, é possível identificar a presença deles na coleta de dados, feita entre os dias 8 de março de 2021 e 3 de abril de 2021, que durante os três períodos em análise a pandemia esteve em evidência, entretanto com roupagens noticiosas diferentes nos três períodos. No dia 16 de março de 2020 temos a primeira notícia relacionada a COVID-19, com isso o novo vírus passa a ser o elemento mais pautado do jornal, assim o surgimento dele leva a publicação de boletins diários listando casos e óbitos, no igtv eles optam por mostrar  a quarentena no mundo e famosos para advertir a necessidade da quarentena e o uso de máscaras

Entre setembro de 2020, o segundo período de análise começa e  as notificações sobre a COVID-19 são reduzidas, agora o foco está na vacina contra o vírus e em questões sociais, como vivências LGTB, aumento de casos de ansiedade e a morte de grandes personalidades. É nesse momento que a política ressurge com a eleição estadunidense, sendo pautadas muitas notícias sobre Donald Trump e seus discursos. Já em março de 2021, questões sobre o pós-vacina são notificadas, o surgimento da terceira onda do coronavírus e, assim, os boletins voltam a ser publicados.



Palavras-chave


Jornalismo; Plataformização; The Guardian; Pandemia; Geopolítica.

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