ABCIBER | Simpósios e Encontros, Encontro Virtual da ABCiber 2021

ISSN : 2175-2389
A lógica algorítmica das redes e o ciberespaço como construção coletiva: da produção de sentido à desinformação.
Mariana Sperança de Moraes Mello

Última alteração: 2021-08-24

Resumo


O presente trabalho tem por objetivo analisar possíveis impactos das estruturas de controle provenientes dos mecanismos de vigilância do ciberespaço, que colocam os indivíduos e o sistema em estado de vulnerabilidade. A cultura dos algoritmos impacta o ordenamento social porque caracteriza-se por uma linguagem própria, criada e hierarquizada por robôs, com o objetivo de incitar emoções e comportamentos, com base em interesses políticos, econômicos e mercadológicos. A simbiose do homem com a tecnologia modificou a maneira como nos comunicamos e interagimos. Diante da facilidade na construção de discursos e na disseminação de fatos, notícias e ideias, sugere-se que o novo ordenamento social, marcado pelo impulsionamento dos algoritmos de aprendizado de máquina, coloca não apenas os indivíduos em estado de suscetibilidade, mas também o sistema democrático. Ao considerarmos o ciberespaço como um espaço de produção de sentido que estreita a relação entre informação e sociedade, observamos uma mudança na dinâmica de pensamento. Estamos diante de uma estrutura social centrada no controle da informação e no acúmulo de dados através da tecnologia. Nossa inserção no ambiente virtual deu origem a novas formas de interagir e comunicar, alterando o fluxo informacional e permitindo a construção de uma gama variada de narrativas e significações. Ainda que a revolução tecnológica traga consigo notáveis aspectos positivos, esta é uma discussão repleta de paradoxos e contradições. Ao encurtar distâncias, unir grupos e acelerar a circulação de informações, a internet tornou-se também terreno fértil para a disseminação de falácias e inverdades. Dificilmente há tempo de se checar a veracidade dos fatos antes que eles atinjam grandes proporções. ¹ Graduada em Comunicação Social ”“ Publicidade e Propaganda pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso; ² Doutor em Design e Professor nas Faculdades Integradas Hélio Alonso; Somado a isso, o agigantamento das big techs (Google, Facebook etc.) e a apropriação das tecnologias de informação e comunicação por empresas e organizações, consolidam o ciberespaço como centro das convergências e divergências coletivas, e não apenas da produção colaborativa. A evolução das tecnologias cibernéticas trouxe mudanças significativas para a dinâmica mundial, construindo uma estrutura de controle que modificou a maneira como nos percebemos e nos comunicamos. Os algoritmos de aprendizado de máquina operam através de experimentações independentes e, por não estarem sob total controle dos usuários, podem modular suas ações, sendo utilizados para diferentes fins. A lógica algorítmica das redes nos divide em bolhas de interação que polarizam opiniões com base na identificação de vulnerabilidades a partir de rastros digitais. A fusão dos servidores da nuvem ao nosso cotidiano, fez com que a realidade social, antes construída com auxílio dos meios de comunicação tradicionais, cedesse espaço para uma hierarquização arbitrária de eventos capaz de produzir discussões sociais polarizadas. A linguagem matemática dos algoritmos, embora tenha grande potencial de alcance, caracteriza-se por um esvaziamento de sentidos. A reprodução de discursos criados por robôs tem feito de nós, seres humanos, porta-vozes de falas perigosas, que se alimentam de embates, confrontos e provocações. De acordo com Deleuze (1992), se na sociedade disciplinar havia espaços e instituições responsáveis por impor e vigiar a adoção de hábitos e comportamentos prédeterminados capazes de categorizar e classificar os indivíduos, com o desenvolvimento tecnológico, elas foram transformadas em computadores, softwares, dados e amostras. A sociedade de controle, conforme Deleuze (1992), caracteriza-se por um mecanismo invisível de vigilância, aparentemente inofensivo. O que antes eram meios de confinamento físicos que organizavam os indivíduos no tempo e no espaço, na era das redes transmutaram em amostras flutuantes capazes de assumir diferentes moldes. As novas formas ultrarrápidas de controle articulam as interações humanas e as dinâmicas sociais, transformando a captação de nossa atenção e memória em vetores controláveis e manipuláveis em prol da mais-valia. A transformação nas práticas de vigilância e controle, segundo Zuboff (2018), caracteriza um novo mercado no qual a obtenção de lucro se dá através do rastreamento ¹ Graduada em Comunicação Social ”“ Publicidade e Propaganda pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso; ² Doutor em Design e Professor nas Faculdades Integradas Hélio Alonso; de nossos passos por grandes empresas, como Google e Facebook, entre outras. Essas plataformas que vivem de publicidade, inicialmente foram criadas para manter potenciais consumidores conectados e legitimar anunciantes, mas, para isso, passaram a cruzar a fronteira ética e investir em polarizações que ocasionaram a produção de discursos de ódio e a propagação descontrolada de falsas informações. Nesse contexto, a democracia deixa de funcionar e a lógica sistêmica de acumulação de dados passa a negociar, exclusivamente e em larga escala, o futuro dos seres humanos. A exploração de vulnerabilidades e a transformação dos indivíduos em fontes de dados, priorizando interesses inconfessáveis, atribui ao novo modelo econômico uma fronteira frágil entre democracia e vigilância. Conforme definido por Bruno (2006), os dispositivos de vigilância digital, em comparação à sociedade disciplinar de Foucault (1977), são máquinas que produzem situações futuras, prevendo e simulando comportamentos e preferências que orientam condutas, ações e cuidados a serem tomados. Devido à acurácia das previsões, manipulações e modulações, a inteligência artificial empregada na vigilância digital é considerada uma nova forma de exercício de poder capaz de moldar cultura, política e pessoas de forma imperceptível. Se, por um lado, conforme caracterizou Levy (1999), o ciberespaço origina uma nova dinâmica de pensamento que favorece o desenvolvimento de uma inteligência coletiva, por outro, estamos falando de um ordenamento societário no qual o fluxo de dados transforma a velocidade em vetor de uma espécie de exaustão de sentidos. As redes eletrônicas, por serem espaço aberto e coletivo de interatividade, viabilizam conexões e nos trazem variados recursos. Embora, à primeira vista, nos pareçam agregadoras da construção de vínculos, o caráter instantâneo e de fácil compreensão das redes dá margem à disrupção do ordenamento social. A disrupção, de acordo com Sodré (2016), é o processo de inversão de padrões instituídos, uma espécie de reinvenção acelerada de formas de fazer e viver, que provocou o abalo das identidades pessoais e institucionais, dando origem a pulsões de desligamento de vínculos. Nesse sentido, por detrás de uma falsa sensação de mundo conectado há, na realidade, uma comunicação desprovida de vincularidade. A convicção da destinação socializante inerente às conexões eletrônicas, dá margem à emergência do ódio como substrato cultural que ocasiona a disrupção da sociedade civil, através da manutenção de um estado de constantes tensões. O ódio, fenômeno que ¹ Graduada em Comunicação Social ”“ Publicidade e Propaganda pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso; ² Doutor em Design e Professor nas Faculdades Integradas Hélio Alonso; permeia as interações virtuais na atualidade, é tido como um fato socialmente explícito em comportamentos cotidianos, podendo ser pensado como um recurso comunicacional de caráter viral e de fácil compreensão, e como manifestação social. Nesse sentido, a consequência seria uma regressão civilizatória. Estamos vivenciando um tipo de organização social que alimenta a cultura do ódio e investe na destruição de vínculos humanos em prol dos interesses do capitalismo financeiro. JUSTIFICATIVA Recentemente, o mundo tem vivenciado as consequências políticas, sociais e culturais da mutação do velho civilismo liberal para o capitalismo financeiro, liderado pela lógica algorítmica, de maneira cada vez mais intensa. A disseminação desenfreada de fake news, a política do cancelamento e a polarização marcada por discursos de ódio que hoje caracterizam o ciberespaço, representam perigos à civilidade e à ordem social. A nova realidade informacional que ampliou a capacidade dos usuários de se expressarem livremente nas redes sociais, ilustra um cenário de decadência do sistema político que ameaça as bases internas da democracia ocidental. Embora a internet nos traga a sensação de que o acesso à informação é livre e democrático, nos bastidores, as máquinas operam em prol da modulação de comportamentos. O mecanismo de controle invisível que trabalha a favor do capitalismo de vigilância, opera a partir de uma lógica matemática que cria falsa sensação de proximidade. A estrutura aberta deste sistema, ao mesmo tempo em que conecta multidões, hierarquiza e seleciona as informações que chegam a cada um, nos dividindo em tribos. A revolução que fez do ciberespaço um espaço de construção coletiva, o transformou, na mesma medida, em um espaço de controle propício à manipulação e falsificação de informações, ameaçando a ordem social ao alimentar rivalidades e apropriar-se de causas frágeis. A internet assumiu papel de protagonista na sociedade contemporânea, tornando-se uma ferramenta com grande potencial de influência nos processos democráticos ao amplificar vozes e arenas de participação. O velho sistema político que dispunha de instrumentos limitados para mobilizar seus eleitores, foi transformado em um sistema capaz de semear o caos e fazer ruir a ordem ao levar a população a um estado de ¹ Graduada em Comunicação Social ”“ Publicidade e Propaganda pelas Faculdades Integradas Hélio Alonso; ² Doutor em Design e Professor nas Faculdades Integradas Hélio Alonso; estupidez em massa. Nesse sentido, além de analisar a nova dinâmica de funcionamento das sociedades, esta pesquisa ressalta a importância de tornar público e acessível o debate acerca da existência de estruturas invisíveis que fazem do ódio um recurso comunicacional, da polarização uma estratégia, e nos colocam em um estado de cegueira coletiva em prol dos interesses de uma minoria.

Palavras-chave


vigilância; ciberespaço; algoritmos; controle; desinformação

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