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ISSN : 2175-2389
DE PACIENTES A INFLUENCIADORES DIGITAIS: MIDIATIZANDO DIAGNÓSTICOS E TRATAMENTOS NAS MÍDIAS SOCIAIS
Roberta Bernardo Souza, Carolina Frazon Terra, Dulce Margareth Boarini

Última alteração: 2024-05-22

Resumo


A partir do diagnóstico de uma doença crônica, inicia-se a jornada do paciente, que pode ser árdua e, por vezes, solitária. Contudo, as mídias sociais possibilitaram a amplificação de suas vozes e, consequentemente, de sua influência no âmbito digital. A relevância desse público independe da sua audiência, mas, embora sejam majoritariamente microinfluenciadores, alguns chegam a ser megainfluenciadores.

Segundo Terra (2021), por serem envolvidos com aquilo que fazem em uma categoria particular, os microinfluenciadores, que em nosso caso são os pacientes falando de suas condições de saúde, tendem a gerar mais impacto que o especialista comum pelo poder de difusão de informações e formação de comunidade que têm, por conta das plataformas de mídias sociais. Quando a área do conhecimento diz respeito à saúde, diagnóstico, tratamentos possíveis ou não, a emoção e a empatia são atributos que ganham um peso muito forte diante das audiências.

Dentro das redes sociais, a função das comunidades é reunir pessoas que compartilham interesses em comum. Trata-se da sensação de pertencimento e de conexão, capazes de estabelecer relações mais profundas e duradouras (SANTOS, 2022). É exatamente isso que acontece na “bolha” de saúde. As pessoas com uma determinada doença procuram, nas mídias sociais, por outra que esteja vivenciando o mesmo que ela, como uma forma de ajuda mútua para enfrentar sua jornada, tornando-a mais leve (SOUZA, 2023). Afinal, as redes têm se mostrado eficazes na entrega e no compartilhamento de informações antes reclusas apenas a grupos médicos. O empoderamento do paciente e de seus familiares têm contribuído para uma importante quebra de tabu a respeito do diagnóstico e tratamento de doenças, de cuidados paliativos e até mesmo do processo da finitude humana. Inúmeros exemplos têm ganhado e ganharam espaços nas redes, entre os quais: o da influenciadora Fabiana Justus (tratamento de leucemia) e da jornalista conhecida como AnaMi (Ana Michele, câncer de mama). O que podemos perceber é que muitos médicos embasam a postura de seus pacientes, contribuindo para que temas antes tabus venham à tona e contribuam com o conhecimento de protocolos, condutas adequadas por parte dos pacientes e até a liberação de medicamentos demandados.

A exposição nas mídias sociais se justifica pela necessidade de dar visibilidade à centralidade do eu (Sibilia, 2016) e, segundo Saad (2021, p. 13-14):

Iniciamos a terceira década do século 21 com um cenário altamente midiatizado, em que os processos comunicativos se tornam centrais para a vida em sociedade, ocorrendo por meio de mediações digitalizadas nas quais rapidez e instantaneidade, mobilidade e multiplicidade de vozes são determinantes.

A autora (id. ibid.) ainda destaca o papel crucial exercido pelos agentes não humanos, isto é, pelos algoritmos. Saber dominar a lógica algorítmica para angariar visibilidade e exposição nas plataformas de mídias sociais se faz crucial na contemporaneidade.

Vale, ainda, falarmos do cenário de digitalização que leva à midiatização e vice-versa. A respeito do contexto de midiatização a que estamos submetidos, Saad o relaciona, na atualidade, à digitalização: “(...) Com a digitalização generalizada, a midiatização se torna uma peça-chave para disseminação, visibilização e interação nas ambiências digitais” (Saad, 2022, p. 23). O que acontece com os usuários que compartilham o seu dia a dia nos perfis de mídias digitais parece ir ao encontro dessa necessidade de tornar público e visível o que se passa no cotidiano. Pensamos que com os pacientes-influenciadores, estejam eles em tratamento por conta de uma condição ou em função de doenças crônicas ou, ainda, em cuidados paliativos é uma maneira de se sentirem pertencentes a uma comunidade de semelhantes, dividirem as angústias com quem vive da mesma forma, mas também com audiências que se mostrem receptivas ao conteúdo. Muitas vezes, a força emanada por tal audiência, ajuda a mitigar a dor do tratamento e da convivência com a doença.

No Brasil, o ativismo de pacientes no ambiente digital começou com os blogs.  Priscila Torres foi uma das precursoras ao criar o blog Artrite Reumatoide[1], no qual compartilhava, e ainda compartilha, experiências e informações sobre a doença com a qual foi diagnosticada aos 26 anos. Nos dias atuais, o blog segue ativo, mas ganhou uma versão no Instagram (@artrirereumatoide[2]), que tem mais de 35 mil seguidores. Ela também foi a idealizadora do “Blogueiros da Saúde”[3], que foi um projeto pioneiro, iniciado em 2013, na promoção de palestras socioeducativas e workshop de comunicação para blogueiros e ativistas digitais da saúde (TORRES, 2018)

No momento presente, Isabel Veloso (@isabelvelosoo[4]), 22 anos, compartilha, com 2,6 milhões de seguidores, a sua rotina como uma paciente convivendo com um câncer terminal. Suas histórias têm ganhado cada vez mais notoriedade tanto no ambiente digital quanto em veículos da imprensa tradicional, além de podcasts. Segundo Zábeu, como se autodenomina, “apesar da dor, gratidão”.

Outra grande representante paciente-influenciadora foi Ana Michele (@paliativas), com 214 mil seguidores no Instagram, que foi diagnosticada, aos 28 anos, com câncer de mama metastático e se tornou uma ativista de cuidados paliativos. AnaMi, como preferia ser chamada, criou a Casa Paliativa, que é um espaço de convivência para pessoas com doenças graves, escreveu livros, participou de importantes programas televisivos.

AnaMi faleceu em janeiro de 2023, aos 41 anos, fato que gerou uma grande comoção na imprensa e nas mídias sociais. Segundo matéria escrita por Eiras (2023), para o portal Universa, o maior legado dela foi com sua relação próxima com a morte, ensinando a valorizar cada dia que acordamos, respirando e entendendo que a finitude não é o “fim do mundo”.

Nota-se que de um termo originário do latim que denota sofrimento, emergem, agora, histórias de coragem, determinação e solidariedade. Os pacientes, por meio da ambiência digital, assumem a tarefa de educar a população sobre questões de saúde, gerando representatividade, empatia e até mudanças na saúde pública, em muitos casos, com o aval de profissionais da medicina e da saúde. A midiatização de uma condição clínica que tenha ou não tratamento ou do processo de finitude humana, quando não restam alternativas a serem adotadas, tem criado um fenômeno importante sobre se abrir, conversar com o outro, gerar conhecimento e empatia sobre estes temas que eram tabus até pouco mais de dois anos atrás.

A pesquisadora Renata Rezende lançou a obra “A morte midiatizada” (Eduff, 2015), na qual busca compreender como ciberespaço é visto como uma tentativa de construção de um espaço tecnológico para o lugar cristão do Paraíso, uma vez que estes dois lugares – Paraíso e ciberespaço – contariam com características análogas e se transcenderia a carne para gozar de uma vida eterna. A autora percorre a história da morte desde a Idade Média ao que ela classifica como Idade Mídia, para refletir sobre a transformação da experiência do fim da vida, em especial, na contemporaneidade.

A médica Ana Claudia Quintana Arantes tem na obra “A morte é um dia que vale a pena viver” (2019) o seu próprio legado de vida profissional, traduzida até para o japonês, em que aborda o tema da finitude de forma clara, sem tabu. Além da finitude, a médica aborda a importância dos cuidados paliativos em uma série de cursos, e interage com pacientes-influenciadores, como foi o caso com Ana Michele, ao participar da página e do projeto Paliativas.

Neste contexto, o artigo proposto visa investigar as motivações que levam os pacientes a compartilharem suas rotinas e cuidados de saúde, de forma excessivamente transparente, nas mídias sociais, incluindo pacientes em cuidados paliativos. E, por outro lado, almejamos compreender o que instiga as pessoas que os seguem.

 

Palavras-chave: paciente-influenciador; influenciador digital; midiatização; mídias sociais; visibilidade.

REFERÊNCIAS

 

ARANTES, Ana Claudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver. Rio de Janeiro: Editora Sextante, 2016.

 

RIBEIRO, Renata Rezende. A morte midiatizada. Rio de Janeiro: Editora Eduff, 2015.

 

SAAD, Beth. Comunicação organizacional contemporânea: o paradigma da digitalização. In: AGUIAR, Carlos E. S. & BORGES, Carlise N. Revista Paulus. Dossiê Comunicação organizacional na contemporaneidade: redes digitais e outros desafios. v. 6, n. 12, jul-dez 2022. Disponível em: https://fapcom.edu.br/revista/index.php/revista-paulus/article/view/631/629. pp. 17-27.

 

SAAD, E. Comunicação organizacional e transformação digital: novos cenários, novos olhares. In: TERRA, C. F.; DREYER, B. M. e RAPOSO, J. F. Comunicação organizacional: práticas, desafios e perspectivas digitais. São Paulo: Summus, 2021.

 

SANTOS, F. Economia da influência: transforme a narrativa da sua marca em seu maior ativo e adapte seu negócio para ter resultados escaláveis. São Paulo: Gente, 2022.

 

SIBILIA, P. Show do eu, a intimidade como espetáculo. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2016.

 

SOUZA, R. B. Indústria farmacêutica e influenciadores digitais: uma proposta de boas práticas, 2023. Monografia de conclusão de curso (Especialização Digicorp) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, USP, São Paulo, 2023.

 

TERRA, C. F. Marcas influenciadoras digitais: como transformar organizações em produtos de conteúdo digital. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2021.

 

TORRES, P. Priscila Torres. Encontrar.org, 2023. Disponível em: <https://artritereumatoide.blog.br/author/priscila-torres/>. Acesso em: 29 de abril de 2024.


[1] Disponível em: https://artritereumatoide.blog.br/. Acesso em 21/04/2024.

[2] Disponível em: https://www.instagram.com/artritereumatoide/. Acesso em 21/04/2024.

[3] Disponível em: https://www.blogueirosdasaude.org.br/. Acesso em 21/04/2024.

[4] Disponível em: https://www.instagram.com/isabelvelosoo/. Acesso em: 21/04/2024.


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