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ISSN : 2175-2389
A DEMONIZAÇÃO DA GORDURA EM GRUPO PRÓ-TRANSTORNO ALIMENTAR NO WHATSAPP
Ana Luísa Gontijo Nogueira, Carlos Renan Samuel Sanchotene

Última alteração: 2024-05-22

Resumo


Os transtornos alimentares como anorexia e bulimia são doenças que afetam milhões de pessoas e implicam na busca pelo corpo perfeito por meio de práticas extremas de violação corporal. Tais distúrbios acometem os indivíduos de diferentes formas: enquanto a anorexia é caracterizada pela rejeição de alimentos, a bulimia pode ser identificada por comportamentos compensatórios após a ingestão de alimentos, como vômitos, uso de laxantes ou exercícios excessivos. Segundo dados da Associação Brasileira de Psiquiatria (2023) mais de 70 milhões de pessoas no mundo sofrem de algum transtorno alimentar. A anorexia e a bulimia apresentam maior incidência em jovens do sexo feminino com idades entre 12 e 17 anos. A prevalência das doenças em mulheres deve-se a uma combinação de fatores biológicos, psicológicos e sociais, que as tornam mais propensas ao desenvolvimento de distúrbios alimentares (Morgan; Vecchiatti; Negrão, 2002). Diante desse contexto, a mídia contemporânea incorpora também a idealização de padrões corporais inexistentes, que se formam com edições digitais excessivas, filtros e manipulação de imagens possibilitadas pelos avanços tecnológicos. As mídias digitais, ainda que tenham possibilitado o compartilhamento de uma diversidade de vozes e a celebração de variados corpos, permanecem em seu mesmo papel de perpetuar repressões e comparações que estimulam um processo de busca pelo corpo ideal (Borges, 2007). Atualmente, as redes digitais são os principais meios de reprodução de conteúdos relacionados aos padrões de beleza, facilitando o acesso dos usuários a temas específicos por meio de hashtags, algoritmos de recomendação, conteúdo gerado por influenciadores e comunidades online. Nesses ambientes, indivíduos que compartilham os mesmos objetivos, pensamentos e comportamentos, realizam trocas que encorajam outros indivíduos a realizarem práticas complexas e perigosas quando se tratam de métodos para alcançar o patamar de beleza. A facilidade da troca de contato entre pessoas que passam por situações semelhantes envolvendo perda de peso e a busca pelo corpo perfeito, possibilita a convergência de uma transação de suporte a um espaço propício para o compartilhamento de comportamentos prejudiciais, dicas de alimentação e práticas de atividades físicas sem embasamento profissional que beiram e ultrapassam o extremismo, vulnerabilizando os usuários e agravando os transtornos alimentares. Os grupos de Whatsapp em que se encontram àqueles que procuram informação e inspiração sobre emagrecimento acabam sendo um terreno fértil de desinformação e agravamento de práticas alimentares nocivas à saúde. Um exemplo diante do contexto é o objeto escolhido para análise: o grupo Borboletana. Trata-se, portanto, de um movimento pró-ana e pró-mia que representa uma forma de adesão aos transtornos alimentares da anorexia e da bulimia, e seus participantes tratam os assuntos não como doenças a serem combatidas, mas como estilos de vida a serem adotados (Mesquita, 2018). O grupo é composto por 39 participantes, em sua maioria, mulheres na faixa dos 17 anos, e sua escolha se justifica pela constante interação entre os membros, em comparação com outros grupos pré-analisados. O presente trabalho analisa as interações sociais entre as participantes, incluindo a criação de vínculo que gera maior confiança e, consequentemente, a exposição excessiva de informações pessoais, a normalização do comportamento agressivo e ofensivo disfarçado de inspiração, e a disseminação de ensinamentos contraproducentes ao corpo humano. Partindo do pressuposto de que os atos nocivos são adotados pelas participantes e pessoas afetadas por transtornos alimentares de forma inconsciente da realidade, ainda que racionalmente ciente dos danos que as práticas podem acarretar no futuro, surge o questionamento: como acontece a construção do corpo ideal pela comunidade pró-transtorno alimentar Borboletanas no Whatsapp? O objetivo geral é estudar fatores presentes no ideal estético corporal. Como objetivos específicos buscamos identificar e descrever as tematizações discutidas e compreender as perspectivas e visões de mundo que levam mulheres a se submeterem aos sacrifícios de uma alimentação conturbada para alcançarem o ideal do corpo perfeito. Historicamente, a mídia se fez essencial na promoção de uma representação limitada e estereotipada do corpo, com ênfase na magreza e proporções corporais específicas, desempenhando um papel de importância na homogeneização da aparência física e crescente pressão para conformidade estética. A forte influência da cultura popular ocidental e expansão da mídia e da publicidade globalizada são fatores que viabilizaram os moldes do corpo ideal. Para tanto, esse trabalho traz uma reflexão sobre a construção do belo diante da ditadura da magreza (Santos, 2016; Santana; 2016) e a representação do corpo na mídia (Borges, 2007; Sant’anna, 2014). Também, são discutidas as dinâmicas e práticas interacionais nas redes digitais (Paccola, 2006; Primo, 2008; Thompson, 2018). A metodologia caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa de estudo de caso (Yin, 2005) e, para atingir os objetivos da pesquisa, foram criadas três categorias a partir das perspectivas apontadas por Rheingold (1993) sobre as interações em comunidades online. Assim, consideramos: a) interesses em comum; b) laços sociais e c) senso de pertencimento. No grupo Borboletana, foi adotado o método de não interação com as participantes do grupo pela preservação da identidade dos pesquisadores e pelo intuito de não interferir na maneira como as integrantes interagem entre si. Por meio de uma observação nas mensagens trocadas pelas integrantes do grupo, foram selecionadas àquelas mensagens mais representativas e que ilustravam as três categorias apontadas por Rheingold (1993). A coleta ocorreu através de prints, no período do dia 06 de maio até o dia 21 de maio de 2023. A fim de preservar a identidade das integrantes do grupo, a indicação de cada fala se deu por nomes fictícios. Entre os resultados, conclui-se que os transtornos têm raízes históricas que vão além de questões de beleza, refletindo um encadeamento de pressões e crenças sociais presentes em diferentes momentos e culturas, resultando em comportamentos extremos relacionados à alimentação e ao corpo feminino. Em uma cultura que promove um ideal específico de magreza, moldado pelos limites estabelecidos como “normais” para o corpo, jovens mulheres se empenham em se conformar a esses padrões e regras predominantes. Elas temem possíveis punições morais que podem surgir em diversos ambientes sociais, como em casa, na escola, no convívio social, entre amigos, no ambiente de trabalho ou em qualquer outro cenário de interação. Entre as práticas do grupo analisado, ao longo do período de 15 dias, observa-se o uso recorrente de gírias, abreviações e siglas que não se limitam apenas à linguagem, mas também à identidade social e cultural. Quando alguém adota e utiliza gírias específicas, está sinalizando sua afinidade e alinhamento com os valores, interesses e estilo de vida desse grupo, criando um senso de coesão e solidariedade entre os membros, uma vez que elas compartilham um código linguístico exclusivo que os separa dos outros. Durante a pesquisa, muitas integrantes aconselhavam umas às outras sobre formas de se manterem longe da comida, não quebrarem o jejum, esconderem seus transtornos de família e amigos, além de revelarem a importância do grupo para que elas não se desviem do seu objetivo. Logo, é perceptível a influência do grupo em fatores de socialização no mundo real. No contexto do grupo, há uma forte rejeição pela gordura e o temor pela obesidade é comum entre as participantes. Em vista de sua natureza escusa perante ao mundo exterior a às outras comunidades online, futuras pesquisas possuem potencial para agregar no estudo dos transtornos alimentares e sua tendência em formar comunidades autolesivas em prol do objetivo de alcançar um parâmetro corporal irreal.

Palavras-chave Corpo; saúde; transtorno alimentar; interações; whatsapp. Referências BORGES, E. M. Corpo, espetáculo e consumo: novas configurações midiáticas para a infância. Media & Jornalismo, v. 11, n. 11, p. 91-103, 2007. Disponível em: http://fabricadesites.fcsh.unl.pt/polocicdigital/wp-content/uploads/sites/8/2017/04/n11-05-elianeborges.pdf. Acesso em: 08 jun. 2023. MESQUITA, L. R. Movimento pro-ana e pro-mia na internet: uma análise a partir dos webblogs brasileiros. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, v. 12, n.3, p. 40- 48, 2018. Disponível em: https://www.nucleodoconhecimento.com.br/nutricao/webblogs. Acesso em: 23 set. 2023. MORGAN, C.; VECCHIATTI, I.; NEGRÃO, A. Etiologia dos transtornos alimentares: aspectos biológicos, psicológicos e sócio-culturais. Brazilian Journal of Psychiatry, v. 24, n.3, p. 18–23, 2002. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1516-44462002000700005. Acesso em: 08 jun. 2023. PACCOLA, A. T. Escuta do psiquiatra: sinais e sintomas de anorexia nervosa e bulimia nervosa. Medicina (Ribeirão Preto), Ribeirão Preto, v. 39, n. 3, p. 349-352, 2006. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/390. Acesso em: 28 out. 2023. PRIMO, A. Interação mútua e interação reativa: uma proposta de estudo. Revista FAMECOS, Porto Alegre, v. 7, n. 12, p. 81–92, 2008. Disponível em: https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistafamecos/article/view/3068. Acesso em: 17 set. 2023. RHEINGOLD, H. The virtual community: Homesteading on the eletronic frontier. Boston: Addison-Wesley Publishing Company, 1993. SANTANA, J. Aqui grito tudo que sofro calada: Imagem corporal: construção através da cultura do belo. 2016. 189 p. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Cultura Contemporâneas) - Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2016. Disponível em: https://repositorio.ufba.br/handle/ri/20714. Acesso em: 14 jul. 2023. SANT’ANNA, D. B. História da beleza no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014. 208p. SANTOS, C. O. Borboletas na rede: uma netnografia sobre práticas de anorexia e bulimia entre jovens mulheres no ciberespaço. 2016. 161 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Centro de Ciências Humanas e Naturais, Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, 2016. Disponível em: http://repositorio.ufes.br/handle/10/9909. Acesso em: 17 jul. 2023. THOMPSON, J. B. A interação mediada na era digital. MATRIZes, São Paulo, v. 12, n. 3, p. 17-44, 2018. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/matrizes/article/view/153199. Acesso em: 17 set. 2023. YIN, R. K. Estudo de caso: planejamento e métodos. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2005.


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