Última alteração: 2024-05-26
Resumo
Está claro que nos últimos anos pudemos observar no cenário político brasileiro a irrupção de comportamentos e manifestações fascistas, não somente entre políticos, mas cujas postagens em medias sociais e discursos públicos encontraram também reverberações na população em geral (Balestrini Jr; Contrera, 2021; Contrera; Torres; Balestrini Jr, 2021). Esse fato é confirmado pelo grande número de publicações e estudos acadêmicos que têm surgido sobre o tema, muitas vezes trazendo releituras do fascismo como sistema político e estabelecendo conexões com acontecimentos recentes no Brasil, especificamente com o bolsonarismo (Cortez; Dos Santos; Biar, 2020; Melo, 2019; Roitberg; Bergo; De Souza; Gomes, 2021). Encontramos também publicações internacionais que versam sobre o tema, mas assim como os estudos que encontramos em português, a maioria deles estabelecem novas definições conceituais para o termo fascismo ou releituras contemporâneas para o fenômeno levando em consideração a era digital, exploram principalmente como as ideias da extrema direta são disseminadas através da internet e das redes sociais (Fielitz; Marcks, 2019; Fornasier; Schwede, 2020; Strick, 2021). De forma alguma descartamos a importância e relevância desses estudos, porém, o objetivo geral da nossa pesquisa está focado em investigar outros aspectos desse fenômeno. De forma geral, tendo como fundamento os estudos do imaginário em sua dimensão arquetípica e levando em consideração a influência e participação dos mecanismos inconscientes da psique humana no comportamento individual e coletivo (Balestrini Jr, 2023a; Contrera; Torres, 2020; Jung, 2018), propomos aprofundamentos reflexivos sobre como os determinantes arquetípicos do fascismo eterno, ou Ur-fascismo, como definido por Umberto Eco (2018) na década de 1990, se manifestam na atualidade. Como apontamos, muitas definições diferentes podem ser encontradas para o fenômeno do fascismo, escolhemos trabalhar com aquela proposta por Umberto Eco principalmente pelo fato dela permitir que levemos em consideração os mecanismos que subjazem o comportamento manifesto do fascismo, em sua vasta diversidade. Em seu ensaio, Eco apresenta quatorze características arquetípicas fundamentais do Ur-fascismo, por questões metodológicas e de espaço para o aprofundamento necessário que exigiria discorrer sobre todas elas, para esse artigo escolhemos trabalhar com as quatro primeiras listadas pelo autor, sendo elas: 1) culto da tradição; 2) recusa da modernidade; 3) ação pela ação e 4) desacordo é traição (as quatro serão aprofundadas no artigo completo). Nosso objetivo aqui é mostrar como elas trazem em seu núcleo algo comum e fundamental para a dominação do pensamento coletivo: todas elas parecem causar o rebaixamento da capacidade crítica reflexiva através da identificação do indivíduo com valores fascistas arquetípicos. Essa hipótese parte da ideia fundamental de que é impossível que um indivíduo, e, consequentemente, a própria massa, se identifique com valores que não estejam presentes, mesmo que de maneira inconsciente, na sua própria psique (Jung, 2011). Exatamente por esses valores serem negados e sua integração psíquica impedida, é que acontecem irrupções na população como pudemos observar em vários momentos nos últimos anos (Contrera; Torres; Balestrini Jr, 2021), quando esses conteúdos encontram reverberação e identificação em discursos e publicações de líderes políticos (Balestrini Jr; Contrera, 2021). A negação da habilidade de pensar conscientemente de maneira clara, racional e crítica faz parte da estratégia de dominação fascista desde os seus primórdios (Girard, 2020; Jung, 1988; Reich, 1988). Como exemplo da atualidade, podemos observar que essa característica é uma das principais por trás do fenômeno das Fake News, sendo estas utilizadas como parte importante das táticas políticas de partidos considerados de direita – ou de extrema direita - no Brasil para que seus representantes sejam eleitos (Da Silva Gomes; Dourado, 2019). O funcionamento das Fake News está diretamente conectado com o apelo emocional que os conteúdos carregam (Gelfert, 2018; Pennycook; Rand, 2021) e com a velocidade que podem alcançar na atualidade, quando vivemos um sistema dominado pela disseminação ininterrupta de informação (Han, 2022). Os resultados de nossas pesquisas tem apontado que o ressurgimento de ideias fascistas não pode ser visto simplesmente como um retorno temporal na história (Strick, 2021). Apesar dessas novas formas de expressões fascistas carregarem em seu núcleo as características nucleares descritas por Eco, sua expressão ganha novas formas na sociedade mediática e, como o próprio autor aponta, é preciso estar alerta porque o Ur-fascismo, como manifestação de um arquétipo esquecido pela consciência, sempre vai encontrar maneiras diferentes de aparecer. Na década de 1960 esse fenômeno já era apontado por Pier Paolo Pasolini (2018) que comparava o fenômeno da hegemonização da cultura capitalista imposta pelo imperialismo norte americano como uma expressão fascista. A causa principal apontada pelo autor em sua reflexão estava no rebaixamento cognitivo e na simulação de liberdade de expressão individual que na verdade eram apenas repetições daquilo que era pregado culturalmente e coletivamente para a massa. Isso também já havia sido apontado por Adorno (2021) na década de 1940 e o fenômeno parece atingir níveis alarmantes nos dias atuais (Han, 2021). Encontramos uma possível saída para essa situação também nos escritos de Umberto Eco, que propõe uma guerrilha semiológica, ação que deve contar com o desenvolvimento de pensamento crítico reflexivo e com o desenvolvimento individual para lidar com a enorme quantidade de informações que bombardeia as pessoas em seu dia a dia. O autor propõe que a mera utilização do mesmo mecanismo utilizado pela cultura hegemônica não transforma a dinâmica de funcionamento do sistema. Para ele é preciso trabalhar do lado e diretamente com o receptor da informação, investindo em ações que mudem a maneira como ele lida com o conteúdo publicado. Ampliando as ideias de Eco e considerando a atual crise do pensamento simbólico (Contrera, 2015), propomos um guerrilha simbólica, conceito que inclui aquilo que foi proposto pelo autor, mas que vai além quando contempla a necessidade do desenvolvimento da nossa capacidade imaginal e metafórica (Balestrini Jr, 2023b; Hillman, 2019).