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ISSN : 2175-2389
COMO O “HIBRIDISMO CULTURAL” PODE SE TORNAR UM ALIADO AO COMBATE A DESINFORMAÇÃO E AO COLONIALISMO DE DADOS?
Ela Tamara Natale de Moraes, Ela Egle Müller Spinelli

Última alteração: 2024-06-09

Resumo


Introdução

Em um mundo cada vez mais digitalizado, o conceito de hibridismo cultural ganha novos significados e implicações, especialmente no que tange às dinâmicas de poder e informação nas redes sociais. Originário dos estudos culturais, o “hibridismo cultural” refere-se à mistura e interação de culturas que produzem novas identidades e práticas. Canclini (1998), conceitua o hibridismo como uma estratégia para entender e explicar as complexas interações culturais modernas. O fenômeno preserva e gera novas formas que refletem a complexidade das sociedades contemporâneas.

A ascensão das plataformas digitais, intensifica as dinâmicas de comunicação e altera a forma como nos relacionamos. Esse processo apresenta desafios, como a disseminação de desinformação que pode distorcer processos democráticos e ampliar divisões sociais. As redes sociais, ao democratizar a produção de conteúdo, promovem a descentralização da informação ao mesmo tempo que facilitam a circulação de informações falsas ou enganosas, gerando riscos significativos para a coesão social e a integridade informativa.

Este artigo explora o papel do hibridismo cultural dentro da chamada "democracia digital", um paradigma que reconhece o potencial das redes sociais como espaços de participação e engajamento cívico, mas que também exige uma análise crítica das formas como a cultura digital pode tanto enriquecer quanto comprometer o processo democrático. Castells (1999) argumenta que a sociedade em rede é uma nova estrutura social que emerge no contexto da globalização. Segundo o autor, esta sociedade se manifesta de várias formas devido à diversidade cultural, sendo moldada pela reestruturação do capitalismo. Ela se organiza em redes ativadas por tecnologias de informação e comunicação, formando redes globais, nacionais e locais em um espaço de interação social multidimensional.

Neste novo contexto é preciso pensar como essas relações acontecem e também como podemos ter uma sociedade cada vez mais bem preparada para entender os desafios da vida em rede. A formação de competências digitais e o letramento digital são processos nos quais o indivíduo se torna apto a localizar, compreender, avaliar e aplicar informações em diversas formas e redes para resolver problemas pessoais, profissionais, comunitários, regionais, sociais ou até globais (MILENKOVA, 2021).

Utilizaremos como metodologia uma pesquisa bibliográfica, para entender as relações descritas acima. Elas serão apresentadas em três blocos: “Hibridismo cultural e a democracia digital”; “O colonialismo de dados e a potencialização da desinformação nas redes” e por fim as “Considerações Finais” que apresentarão as principais inferências obtidas.

Objetivo Principal

O objetivo deste estudo é analisar como o hibridismo cultural pode contribuir para combater a desinformação e o colonialismo de dados, promovendo uma democracia digital mais inclusiva e resiliente.

Bases Teóricas

Essencialmente serão utilizados dois conceitos. O primeiro será o “hibridismo cultural, de Néstor García Canclini (1998), que retrata a fusão de diferentes sistemas culturais que resultam em novas identidades complexas, elaboradas a partir da mistura de múltiplos elementos culturais. Esse processo de hibridação não implica a perda das identidades culturais originais, mas sim a criação de novas formas culturais que refletem a complexidade e a diversidade das sociedades contemporâneas. Canclini argumenta que o hibridismo cultural é uma resposta à globalização e às dinâmicas de modernidade, onde as culturas se entrelaçam e se transformam constantemente, gerando novas práticas e identidades que são simultaneamente locais e globais. E o conceito de “colonialismo de dados” defendido por  Nick Couldry e Ulises A. Mejias (2019) como uma forma moderna de colonialismo. Eles descrevem o fenômeno como um processo quee utiliza as ações extrativistas tradicionais do colonialismo histórico juntamente com a coleta de dados nas redes. Nesse novo paradigma, a vida cotidiana é convertida em dados por meio de tecnologias digitais que rastreiam, coletam e processam informações em larga escala. Esses dados são então utilizados para fins comerciais ou de até mesmo de manipulação, aumentando desigualdades e criando novos mecanismos de exploração e de influência comportamental, tornando-se uma característica central do mecanismo.

Outros referenciais teóricos serão utilizados a fim de atender o objetivo do artigo,  como por exemplo, a obra organizada por Sérgio Amadeu, Joyce Souza e João F. Cassin e intitulada “Colonialismo de dados: como opera a trincheira algorítmica na guerra neoliberal”. Os autores trazem reflexões sobre o fenômeno da invenção, do desenvolvimento e da utilização dos objetos técnicos digitais, cada vez mais baseados em dados e em um mundo cujas promessas de igualdade parecem sufocadas por uma grande concentração de atenções, de poder econômico e político, que alimentam o ordenamento neoliberal e suas gigantescas plataformas (AMADEU et al., 2021). Também serão utilizados como referenciais teóricos as obras de Cathy O’Neil (2021) intitulada “Algoritmos de Destruição em Massa”; a obra de Evgeny Morozov (2018) chamada “Big Tech: A ascensão dos dados e a morte da política” e o artigo de José Van Djick (2017), “Confiamos nos dados? As implicações da datificação para o monitoramento social”. Nesta última o autor promove a ideia dos metadados como traços do comportamento humano e das plataformas como facilitadoras neutras parece estar diretamente em conflito com as bem conhecidas práticas de filtragem e manipulação algorítmica de dados por razões comerciais ou outras. A datificação e a mineração da vida se apoiam em pressupostos ideológicos, que são, por sua vez, enraizados em normas sociais dominantes (DIJCK, 2017).

Por fim, serão utilizadas bases teóricas para explorar o conceito de literacia digital, a partir do entendimento que o letramento digital (COSCARELLI; RIBEIRO, 2015; MARTIN; ASHWORTH, 2004). capacita o indivíduo a localizar, compreender, avaliar e aplicar informações para resolver problemas diversos nos ambientes digitais.

Justificativa

A relevância deste artigo reside na necessidade urgente de abordar os desafios da desinformação e do colonialismo de dados que permeiam a sociedade digital contemporânea. A literacia digital emerge como uma ferramenta crucial para capacitar os cidadãos a compreenderem criticamente qual é o funcionamento e como se dá a logica do ecossistema informacional. Como literacia digital podemos entender as práticas sociais de leitura e produção de textos, dados e imagens em ambientes digitais, isto é, em ambientes propiciados pelo computador ou por dispositivos móveis, tais como celulares e tablets, em plataformas como e-mails, redes sociais na web, entre outras (COSCARELLI; RIBEIRO, 2015). Para Martin e Ashworth (2004), a literacia digital refere-se "aos conhecimentos, aptidões, compreensões e abordagens reflexivas necessárias para que um indivíduo opere confortavelmente em ambientes ricos em informação e com recurso ligados à tecnologia da informação.

Assim, estas interseções pode oferecer insights valiosos sobre como diferentes identidades culturais podem se entrelaçar para resistir à manipulação da informação e ao colonialismo de dados provendo uma engajamento e participação ativa da sociedade na vida democrática.

Discussão:

Analisando o contexto moderno/digital, Canclini (1998) reforça que “a mídia se transformou, até certo ponto, na grande mediadora e mediatizadora e, por tanto substituta de outras interações coletivas” (Canclini, 1998) tendo assim um impacto relevante na potencialização do hibridismo cultural.

Os mecanismos de “hibridismo cultural” evoluíram e passaram ser contemplados também nas dinâmicas digitais, onde as culturas se mesclam por meio de interações mediadas pela tecnologia (Canclini, 1998). Com o crescimento expressivo da utilização das plataformas digitais e por consequência da circulação da desinformação nas redes sociais, é preciso fazer uma análise mais profunda nos impactos que as relações culturais podem ter ao permearem esses fluxos de troca de informações.

Estabelecer uma “democracia digital” que seja descentralizada, dispersa e profundamente diversa é fundamental. Essas forças tendem a surgir primeiro em formas culturais – um senso de comunidade diferente, uma sensação maior de participação, menos dependência de expertise oficial e maior confiança na solução coletiva de problemas (Jenkins, 2015, p. 310). Porém dentro desse processo de “democracia digital”, surgem dois pontos de atenção: maior risco de circulação desinformação e manipulação e a desigualdade na compreensao e no acesso ao mundo digital.

À medida que exploramos o impacto do hibridismo cultural na formação de uma democracia digital mais inclusiva e justa, torna-se evidente que este fenômeno possui um potencial significativo para moldar sociedades mais resilientes e informadas.

Contudo, para que este potencial seja plenamente alcançado, é essencial que políticas e práticas de inclusão digital sejam implementadas de maneira eficaz, garantindo acesso equitativo às tecnologias e fomentando uma literacia digital que capacite todos os cidadãos a participarem ativamente na vida democrática. Atualmente o processo de convergência digital foi deixado quase que inteiramente nas mãos das megaempresas, sem aproveitar as oportunidades para horizontalizar a comunicação, estender a distribuição dos bens culturais e propiciar a participação cidadã nas decisões públicas (CANCLINI, 2021, p. 18). Assim, o hibridismo cultural pode ser um aliado na construção de uma democracia digital que resista às adversidades ao mesmo tempo que proteja a diversidade cultural.

As plataformas digitais, ao facilitarem a rápida disseminação da desinformação, adaptam suas mensagens para ressoar com diferentes grupos culturais, explorando suas particularidades e vulnerabilidades. Essa adaptação pode moldar narrativas para se adequar a crenças culturais, potencializando a desinformação. A relação entre cultura híbrida e desinformação torna-se complexa, especialmente ao consideramos o colonialismo de dados, como impulso dos mecanismos e formatos de funcionamento das redes sociais e dos sistemas de criação e disseminação de dados, e consequentemente, de desinformações.

Considerações finais

Em resposta à pergunta "Como o hibridismo cultural pode se tornar uma ferramenta de combate à desinformação e ao colonialismo de dados?", podemos entender que o hibridismo cultural possui um potencial significativo para atuar como uma barreira contra a desinformação e as práticas de colonialismo de dados.

Assim, o hibridismo cultural pode se tornar uma poderosa ferramenta de combate à desinformação e ao colonialismo de dados, principalmente se aliado a boas práticas como processos de literacia digital e a transparências de dados. Este caminho, oferece uma oportunidade para construir um ambiente digital democrático e resiliente, onde a diversidade cultural é valorizada e protegida.


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