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ISSN : 2175-2389
Auditoria digital para prevenção e combate à discriminação algorítmica
Nathalia Mylena Farias Santos

Última alteração: 2024-06-08

Resumo


Hodienarmente, vivenciamos a Revolução 4.0, também denominada 4ª Revolução Industrial ou, até mesmo, Revolução digital, onde “as tecnologias emergentes e as inovações generalizadas são difundidas muito mais rápida e amplamente do que nas anteriores, as quais continuam a desdobrar-se em algumas partes do mundo” (SCWHAB, 2016).

Essa Revolução resulta em uma nova forma de encarar as relações advindas do ciberespaço, definido por Pierre Lévy, como “o espaço de comunicação aberto pela interconexão mundial dos computadores e das memórias dos computadores” (LÉVY, 1999, p. 92).

No mesmo sentido, a Revolução ora discutida repercutiu, sobremaneira, na seara cultural razão pela qual cunhou-se o termo cibercultura, para designar um laço social fundado pela reunião de interesses comuns e compartilhamento do saber, mediante um processo colaborativo e cooperativo ante a ausência de barreiras fronteiriças e territoriais (LÉVY, 1999, p. 129-130).

Nesse cenário, emergem novos direitos e deveres, além da releitura dos já existentes, todos provenientes do fenômeno da cibercultura. É o que ocorre com a proteção de dados pessoais e a cibertransparência – novo direito e novo dever, respectivamente, bem como com o direito à privacidade e a accountability, já reconhecidos no ordenamento pátrio.

Afinal, “a internet muda o clássico conceito de território, permitindo que as limitações geográficas sejam superadas no ciberespaço. A noção de soberania também perde sua importância, diante da economia globalizada e dos tratados internacionais” (LIMBERGER, 2016, p. 27).

Nesse sentido, o objetivo principal do presente trabalho é demonstrar a necessidade da auditoria digital como mecanismo de prevenção e combate à discriminação algorítmica, haja vista que essa prática, além de violar direitos e deveres constitucionalmente e internacionalmente consagrados, acarreta danos inimagináveis à esfera privada do indivíduo, sobretudo no que pertine à sua saúde mental.

Justifica-se a pertinência e a relevância do presente trabalho em razão das práticas discriminatórias perpetradas no ciberespaço, seja mediante o uso de inteligência artificial com vieses desprovidos de imparcialidade e de integridade, seja mediante a conduta de agentes despreparados os quais violam os direitos fundamentais dos indivíduos.

Para tanto, a auditoria pode ser identificada como “um dos principais instrumentos de que o gestor dispõe para assegurar a efetividade do controle, assumindo importância inconteste” (PETER; MACHADO, 2014, p. 91).

Desse modo, a auditoria visa assegurar a regularidade dos processos e dos procedimentos à nível organizacional a fim de se evitar violação de direitos e deveres, crises reputacionais e sanções administrativas e judiciais, inclusive por órgãos de controle.

Não se pode perder de vista que a auditoria pode ser interna, quando realizada na própria Organização por profissional pertencente aos quadros institucionais, e externa, quando realizada por profissional externo à Organização.

Ressalta-se que a auditoria interna, por ser realizada na própria organização, tem como fator positivo, incentivar as boas práticas na promoção dos direitos e deveres fundamentais. Contudo, possui como fator negativo, a alta probabilidade de não representar fidedignamente a realidade da Organização. Isso porque, a imparcialidade, imprescindível para o sucesso dessa medida, nem sempre é observada, ou, até mesmo, encorajada pela alta gestão.

Por sua vez, a auditoria digital ou e-auditoria, é um reflexo da auditoria no ciberespaço. Isto é, oferecendo resultados confiáveis, por meio de tecnologia da informação, o auditor pode ser capaz de aprimorar seu trabalho, com maior abrangência e acompanhando com qualidade e eficiência, o volume de informações geradas (TELLES; TELLES, 2022, p. 01), sobretudo nas Organizações que fazem uso e análise massiva de dados, o big data, e precisam de respostas rápidas e fidedignas mediante a coleta desses dados e dessas informações que devem refletir a realidade, isto é, os resultados obtidos mediante a coleta de dados e de informações devem ser íntegros, estar disponíveis e as técnicas adotadas devem ser imparciais, livre de vieses.

De outra banda, a discriminação algorítmica engloba “tanto cenários que envolvem afirmações estatisticamente inconsistentes quanto cenários em que as afirmações, embora estatisticamente lógicas, de alguma forma tomam os indivíduos que dela são objeto não de forma efetivamente individualizada, mas apenas como parte de um grupo” (MENDES; MATTIUZZO, 2019, p. 51).

Isso significa que a discriminação algorítmica pode ocorrer pela discrepância, confrontando-se os dados e informações coletadas com o resultado obtido, ensejando a ausência de integridade na técnica adotada; bem como por resultados que não correspondem, em sua totalidade à realidade, ou seja, resultados limitados, não sendo, assim, imparciais.

Assim, a discriminação algorítmica envolve os seguintes tipos: (i) Discriminação por generalização, onde, embora o algoritmo esteja correto e as informações também, ainda assim, o resultado será uma generalização incorreta, na medida em que, mesmo um resultado estatisticamente relevante, apresentará um percentual de pessoas que não se encaixam perfeitamente naquela média; (ii) Discriminação pelo uso de informações sensíveis, baseada em dados ou proxies legalmente protegidos; e a (iii) Discriminação limitadora do exercício de direitos, cujo problema advém da relação entre a informação utilizada pelo algoritmo e a realização de um direito (MENDES; MATTIUZZO, 2019, p. 52-53).

Portanto, resta claro que a auditoria digital possui o condão de prevenir e combater a discriminação algorítmica, na medida em que esta, visa assegurar a regularidade, a eficácia e a eficiência de métodos adotados nas Organizações quanto às questões éticas e legais.

Isso porque, “em função das tecnologias digitais, a visibilidade, a velocidade, o impacto e permanência das nossas ações são potencializados, além da probabilidade de serem interpretadas de forma equivocada” (GABRIEL, 2019).

Ademais, Martha Gabriel aduz pelo paradoxo da artificialidade, o que significa que: “quanto mais transparentes nos tornamos devido à tecnologia, mais expostos ficamos, e todas as ações praticadas, éticas ou antiéticas, ficam mais visíveis e difíceis de esconder” (GABRIEL, 2019).

Em síntese, significa dizer que “quanto mais tecnologia existe no mundo, mais éticos e humanos precisamos ser” (GABRIEL, 2019) (Grifo original).

Não à toa, ao lado da auditoria digital, apresenta-se a Governança eletrônica/digital, também conhecida como e-governance, a qual refere-se à “capacidade dos governos utilizarem as tecnologias de informação e comunicação para – com a participação dos cidadãos – definir e implementar políticas públicas com mais eficiência e efetividade” (PALUDO, 2022, p. 233).

Até porque, o uso de novas tecnologias disruptivas no ambiente organizacional, viabiliza o aumento da eficiência na prestação de serviços; a otimização de tempo na execução de tarefas; a análise de grande volume de dados em tempo recorde; o deslocamento de competências, ao realocar os profissionais para tarefas mais complexas, deixando a cargo das tecnologias, especialmente, a Inteligência Artificial (IA), as tarefas mais recorrentes, dentre outras vantagens.

Por conseguinte, a melhoria contínua de procedimentos internos, a prestação de contas e a responsabilização das partes envolvidas quanto à ética na cultura organizacional devem estar atreladas ao uso de novas tecnologias em toda e qualquer Organização.

Assim, a Governança é medida que se impõe em qualquer Organização que almeja adotar hábitos que culminem em boas práticas, tanto éticas, quanto normativas/legais. Isso é dito pois, entende-se que, cada colaborador possui direitos e deveres, intervindo ativamente nas ações e nos resultados da Organização. Assim sendo, adotar boas práticas é fundamental para a adoção de uma Governança eficaz e efetiva, exigindo-se que, cada parte interessada, ou seja, os stakeholders, entendam que possuem papel principal no bom e regular desempenho organizacional, respondendo pelos resultados de suas ações e/ou omissões. Todavia, insta destacar que o exemplo de boas práticas deve-se partir, sempre, inicialmente, da alta gestão.

Para além disso, a auditoria digital contribui para o desenvolvimento de uma governança eletrônica/digital e da accountability, aqui incluídas, a “obrigação de prestar contas, a utilização de boas práticas de gestão e a responsabilização pelos atos e resultados” (PALUDO, 2022, p. 246) decorrentes da discriminação algorítmica, razão pela qual, se faz imprescindível a sua adoção pelas Organizações, diante do crescente uso de tecnologias disruptivas como parte integrante do processo organizacional em suas atividades cotidianas.



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