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ISSN : 2175-2389
FASHIONIST.AI: CONSTRUINDO OU MANTENDO UM HABITUS?
Luara Fukumoto

Última alteração: 2024-06-08

Resumo


O presente trabalho discute a modulação dos significados atribuídos ao envelhecimento feminino no mundo da moda, até bem pouco tempo atrás, tão pouco receptivo a mulheres e homens mais velhos. Será utilizado como objeto de estudo um perfil do instagram que divulga criações geradas por inteligências artificiais que retrataram pessoas mais velhas como super modelos, apresentando assim, uma nova possibilidade ainda bem pouco vista na vida real.

O perfil de instagram utilizado neste breve estudo é o @fashionist.ai, criado pelo artista criativo Jaskaran Sondhi, que mora no Canadá e demonstra em suas criações a crença que tem na força das imagens para, segundo ele “romper os estereótipos e capacitar as pessoas mais velhas a adotarem seus próprios sentidos de moda, vitalidade e da riqueza de suas experiências de vida.” É fato que não se vê muitos desfiles de moda com modelos – sejam eles homens ou mulheres – mais velhos, de cabelos brancos com muita frequência.

A ideia de Sondhi de romper estereótipos com suas criações é louvável, entretanto, considerando a construção de sociedade em que vivemos, será que este intento é alcançado ou será que suas criações fazem parte somente de um imaginário colorido e pertencente somente ao campo da imaginação e do entretenimento? Entender as pessoas mais velhas, focando especialmente nas mulheres, como pessoas desacreditadas (Goffman, 2022) permitirá tensionarmos este conceito ao de habitus (Bourdieu, 2011) e entender as restrições pelas quais passam rotineiramente é tarefa necessária para a construção de inteligências artificiais que sejam benéficas à (re)construção da sociedade.

A beleza física das mulheres está profundamente atrelada ao olhar masculino e é especialmente nociva quando associada à velhice. Envelhecer é sinônimo, muitas vezes, de exclusão do círculo de convivência, sinal de fraqueza ou alguma debilidade física e, certamente, é sinal de que aquela pessoa já não é mais tão produtiva economicamente, atributo essencial na sociedade capitalista em que vivemos.

Como argumentam Rocha e Castro (2009, p.52) ao consideraram as imagens na cultura das mídias, “as dinâmicas de visibilização incessante configuram verdadeiras arenas de disputa pela conquista de atestados de existência midiáticos”. Estas existências midiáticas são e serão, cada vez mais, alimentadas e retroalimentadas por inteligências artificiais que usam como fonte de alimentação as imagens e informações já existentes na internet. Em artigo recente publicado na revista Nature, Guilbeault et al. (2024) identificaram que há quatro vezes menos imagens de mulheres na internet quando comparada à quantidade de imagens de homens.

Fundamento esta discussão em estudos feministas, estudos relacionados à idade, estudos sociológicos e estudos da cultura midiática. A construção do gênero na sociedade é uma questão complexa e que merece sempre ser analisada e discutida para compreensão do habitus deste campo. E a interseccionalidade deste processo em que a classificação etária funciona como elemento de produção de desigualdade e opressão (Pickard, 2016). O perfil @fashionist.ai permite uma análise de padrões replicados no campo de seus próprios posts e também, como seus posts replicam a realidade de mulheres mais velhas.

Como aponta Douglas Kellner (2020), “os meios são fontes de profunda e frequentemente negligenciada pedagogia: contribuem para nos educar sobre como devemos nos comportar e o que pensar, crer, temer e desejar – e o que evitar. Os meios de comunicação configuram um tipo de pedagogia que nos ensina como sermos homens e mulheres” (tradução livre)[1]. Apoiando-me exatamente neste ponto, busco tensionar a possibilidade de criação de um novo habitus, com agentes que se comportem de maneira diferenciada frente a mulheres mais velhas ou então, busco explorar a possibilidade deste perfil somente funcionar como uma ferramenta de manutenção do status quo, ou seja, uma maneira de manter os discursos que tanto estigmatizando o envelhecimento feminino.

No estudo realizado por Guilbeault et al. (2024), eles também sugerem que sejam criados mecanismos que considerem não somente a visada tecnológica mas, sugerem a criação de uma sociologia computacional para que, assim, questões como preconceitos que possam ser reforçados pela atuação de inteligências artificiais sejam avaliadas e  desenvolvidas de maneira a serem mais justas e, assim auxiliarem na promoção da construção de uma sociedade mais equânime para todos. Os fios que formam o tecido social estão sempre em risco de serem rompidos por alguns agentes do campo, principalmente pelos que podem se beneficiar de alguma maneira do rompimento ou do esgarçamento do tecido social.

Realizarei esta análise de alguns posts do perfil mencionado apoiando-me em Bourdieu (2011 e 2022) nas ideias de campo, habitus e espaço sexuado, bem como em Federici (2021) para os estudos feministas e, principalmente, em Pickard (2016) para os estudos sobre envelhecimento e Goffman (2022) para a questão dos estigmas aqui utilizados. A análise a contrapelo para esta questão e para todas as outras que constituem a nossa vida em sociedade devem sempre ser trazidas à discussão.

Com o intuito levantar uma discussão a contrapelo para analisarmos, como sociedade, as possibilidades e consequências do uso de inteligências artificiais na construção e na modulação das subjetividades de nossa sociedade, encaminho este breve estudo focado no campo comunicacional e recebendo apoio sempre relevante do campo sociológico. Construir novos habitus que sejam mais inclusivos, justos e equânimes para todas as pessoas é o objetivo principalmente de todos os estudos que realizo, por mais breve que sejam.

Abraçar as novidades tecnológicas como nos são apresentadas não significa que não devamos questioná-las, criticá-las, analisá-las e buscar compreender quais são as implicações de suas criações, usos, expansões e proliferações. O que realizo aqui é tão somente uma análise de conteúdo de alguns posts sob o olhar comunicacional e sociológico, sem caça às bruxas em relação à inteligência artificial, muito menos em relação ao artista criador do perfil selecionado para este breve estudo.

Acredito estar colaborando, assim, para a construção de discussões sobre a interseccionalidade gênero e idade sem ignorar a importância e urgência de todas as outras interseccionalidades existentes. Faz-se imperioso analisar a contrapelo as realidades que nos são impostas de maneira sempre tão abrupta e apressada para não sermos somente levados pelos aparelhos técnicos de nossa época. Proponho, neste breve trabalho, uma discussão justamente para nos distanciarmos da realidade veloz e esmagadora e enxergarmos o que pode estar tecendo ou corroendo os nossos tecidos sociais.


[1] No original: the media are a profound and often misperceived source of cultural pedagogy: they contribute to educating us how to behave and what to think, feel, believe, fear and desire – and what not to. The media are types of pedagogy that teach us how to be men and women.


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