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ISSN : 2175-2389
Personagens Virtuais na Ciberpublicidade: reconfigurando as estratégias de comunicação nas redes sociais
Rogério Luiz Boccuzzi

Última alteração: 2024-06-21

Resumo


O presente artigo busca refletir, diante das transformações sociais e tecnológicas, sobre as reconfigurações das comunicações na cibercultura. Focalizamos o uso de personagens virtuais nas estratégias de divulgação de marcas nas  redes sociais  digitais. Buscamos compreender os avanços da ciberpublicidade diante de novos dispositivos de comunicação, sociabilidade e de contato interacional com os personagens virtuais.

Ao longo da história, as comunicações de marcas eram predominantemente veiculadas por meio de veículos de comunicação tradicionais que, apesar de ainda serem utilizados e reconhecidos pelo público consumidor, têm visto o surgimento de novos formatos de produção e circulação de conteúdo. Esses novos formatos estão reconfigurando as estratégias de persuasão e engajamento, especialmente nas redes sociais digitais.

“Ademais, ocupando lugares flutuantes, os indivíduos fazem uso dos recursos tecnológicos disponíveis para atuar de forma coerente ao costume participativo da cultura da convergência” (Jenkins, 2008), ou seja, interagem e se relacionam com outros consumidores, são membros de comunidades focadas em marcas ou produtos e buscam experiências e informações num processo coletivo de consumo participativo nas redes sociais.

Com tantas possibilidades de criação de conteúdos e recursos dispostos nas redes sociais, em particular no Instagram, é um desafio criar ideias que captem a atenção dos usuários      e se destaquem no meio da sobrecarga de comunicações produzidas diariamente.

Diante desse contexto, os personagens virtuais aparecem como alternativa de comunicação.  Esses seres gerados por computador (CGI – computer-generated-image) cuidadosamente construídos e roteirizados por equipes profissionais de design e marketing, estão cada vez mais presentes no ambiente digital entretendo seus seguidores com suas narrativas que capitalizam eventos atuais, questões sociais e assuntos contemporâneos envolvendo lugares e pessoas reais.

Os personagens virtuais são um objeto de estudo emergente e vem ganhando espaço na publicidade como uma alternativa de comunicação. O Brasil é protagonista no desenvolvimento dessa ferramenta de marketing desde a criação da famosa persona digital Lu, da Magazine Luiza,  até os novos avatares de celebridades nacionais impulsionado pelo amadurecimento da indústria da animação. Um fator relevante que contribuiu para o desenvolvimento da indústria da animação foi a aprovação da Lei no. 12.485, em Setembro de 2011, para regular e incentivar a crescente indústria de entretenimento de mídia no Brasil. Esse incentivo fez com que novas produtoras independentes surgissem, além de parcerias com estúdios internacionais colocando o Brasil na cena mundial de animações. Essas novas produtoras acompanharam o crescimento do universo dos games e das redes sociais digitais, mergulhando no mundo dos personagens virtuais.

Chegamos a um estágio avançado de desenvolvimento das tecnologias sociotécnicas e imagéticas, no qual a precedência da representação sobre a realidade não é apenas evidente, mas a simulação pode confundir as ordens previamente estabelecidas.

A revolução digital representa uma transformação comunicativa que alterou, pela primeira vez, a forma de disseminação de informações, anteriormente realizada por meio do teatro, cinema e televisão, para um modelo tecnologicamente interativo e colaborativo. Esse fenômeno não apenas introduz uma nova forma de interação, resultado de uma inovação tecnológica que modifica os modos e significados da comunicação, mas também estabelece as características de uma nova arquitetura social que incentiva práticas interativas inéditas entre os indivíduos e as tecnologias.

O nosso objetivo é entender como os personagens virtuais passaram a figurar como protagonistas na divulgação de marcas de diversos segmentos nas redes sociais. Suas presenças midiáticas não são casos isolados, mas integram um fenômeno comunicacional emergente e carente de elaborações teóricas e análises no campo da comunicação.

A crescente presença desses seres virtuais nas redes sociais, com perfis e identidades distintas, disseminando conteúdos e protagonizando campanhas publicitárias, levanta a questão de como esses personagens virtuais estão sendo utilizados como alternativas de comunicação pelas marcas. Além disso, é importante observar os efeitos dessa inovação tecnológica nos cenários comunicacionais e interacionais.

Trabalhamos  com a  hipótese  de que  as  grandes  transformações  da  comunicação publicitária não estão relacionadas aos formatos, mas ao que se refere às formas de diálogo, as interlocuções e ao contrato comunicacional que essas manifestações publicitárias diferenciadas apresentam (Casaqui, 2011).

Devido à natureza virtual dos personagens, os recursos necessários para a produção dos conteúdos publicados não são intrínsecos à própria personagem, mas dependem da equipe responsável pela criação e edição das imagens e vídeos. Essa característica não-humana confere aos personagens virtuais uma vantagem em relação a exaustão algoritmica3, um fenômeno descrito por criadores de conteúdo, como problemas psicológicos decorrentes do ritmo de trabalho imposto pelos algoritmos das plataformas (Issaaf Karhawi, 2022).

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3 Exaustão algoritmica é um termo utilizado para representar o trabalho dos criadores de conteúdo e influenciadores digitais que tem que trabalhar todos os dias da semana para se manterem relevantes nas redes sociais.

 

A ciberpublicidade, assim, por meio do entretenimento e da informação, instaura um novo paradigma comunicacional com os personagens virtuais, exaltando as identidades dos seus artifícios discursivos, deixando ainda mais evidente o seu caráter contextual, sociológico e interativo.

O fenômeno do surgimento e ascensão dos personagens virtuais nas redes sociais insere-se em um contexto sócio-histórico de transformação cultural, característico da cibercultura contemporânea. De acordo com Pierre Lévy (1999, p.17), cibercultura refere-se ao “conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, atitudes, modos de pensamento e valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”, sendo este ciberespaço também designado como rede,

[...] o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura (sic) material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (Lévy, 1999, p. 17).

 

A cibercultura refere-se a todas as formas de inserção, troca, compartilhamento e armazenamento que se abrigam no espaço informacional da internet, ou seja, no ciberespaço (Santaella, 2021, p.34).

Esses formatos publicitários parecem refletir aquilo que Covaleski (2010) chamou de publicidade híbrida, ou seja, novos formatos de se fazer publicidade e gerar comunicação por meio da fusão entre mercado, entretenimento e tecnologias interativas. Colocamos aqui alguns exemplos de comunicações de marcas usando os personagens virtuais como protagonistas das mensagens publicitárias.

O Amazon Prime Vídeo lançou uma campanha divulgando seu novo programa “The Peripheral”. Para esta campanha, o Prime Video usou uma personagem virtual originada na

Índia, Kyra (@kyraonig), e o brasileiro Luks (@eusouluks) , avatar do criador de conteúdo Lucas Rangel.

A marca Marimekko promoveu o lançamento da sua nova coleção com a ajuda da personagem virtual Imma Gram (@imma.gram). Imma Gram é uma personagem comumente usada em campanhas para marcas de moda internacionais, entre outras.

A marca de computadores Asus fez parceria com as personagens Shudu Gram (@shudu.gram) e Rae (@aqui.is.rae) para promover um novo modelo de notebook.

A icônica marca esportiva Puma recorreu a dois personagens virtuais para o lançamento do seu novo tênis “The Kosmo Rider” no ano de 2022. Os personagens escolhidos foram Maie (@maie.io) da China, e Kim Zulu (@kimzulu_) da África do Sul. Justificado pela própria empresa, a escolha se deu porque: “O Kosmo Rider é inspirado na confusão entre o físico e o digital. É feito para aqueles que abraçam o digital como uma nova forma de brincar e expressar quem são” (Puma – virtualhumans.org).

A conhecida marca de moda Hugo Boss lançou sua campanha “Be your own Boss” (com a #BeYourOwnBoss) em parceria com alguns personagens virtuais como Imma Gram (@imma.gram), Nobody Sausage (@nobodysausage) , Noonoouri (@noonoouri) e Sofi Twins (@eli.sofi.twins). Outra marca de moda, a Calvin Klein, fez uma parceria com Katii, personagem virtual da Índia, para promover sua marca no país. A Calvin Klein também já havia feito parceria com a personagem Lil Miquela (@lilmiquela), em uma campanha que gerou polêmica após a personagem dar um beijo na supermodelo Bella Hadid e a marca ser acusada de praticar queerbaiting4.

Atualmente, as marcas buscam por novas  estratégias publicitárias, adaptando-se de acordo com as interações que ocorrem no ciberespaço.    Entendemos que esse fenômeno do surgimento e ascensão de personagens virtuais nas redes sociais, e aqui especificamente com sua utilização publicitária, está inserido em um contexto sócio-histórico de virada cultural característico do momento da cibercultura contemporânea.

 

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4 Queerbaiting é uma tática de marketing quando as marcas sugerem representação LGBT+, mas na verdade não a seguem.

Essas transformações apontam para essa nova lógica do fazer publicidade, adequando- se ao diálogo novas formas de sociabilidade como a ciberpublicidade (Atem; Oliveira; Azevedo, 2014). Esse conceito trata dos formatos de produção e propagação das mensagens publicitárias, a partir das consequências da cibercultura, e contempla não só a propaganda na web, mas toda ação que apresente intersecções com o mundo digital.

As presenças midiáticas dos personagens virtuais não são casos isolados, mas integram um fenômeno comunicacional emergente e carente de elaborações teóricas e análises no campo da comunicação. Os personagens virtuais convidam o público a se deleitar com as contradições entre o real e o virtual, reconhecendo que o próprio conceito de autenticidade é social e comercialmente construído.

Neste artigo analisamos uma pequena parte da atuação de personagens virtuais na ciberpublicidade e alguns exemplos de marcas que utilizaram desse recurso para as suas comunicações digitais, o que pode estimular novos estudos.

Os laços afetivos entre um ser humano e um personagem virtual está em constante evolução e a relação de confiança entre eles cresce a medida que mais seres virtuais aparecem como alternativas de comunicação na disputa pela atenção nas redes sociais digitais.


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