A Gamificação na era da Inteligência Artificial Generativa: por uma abordagem crítica e autoral na Educação

Autores

  • HENRIQUE DA COSTA EVANGELISTA Universidade Federal de São Paulo
  • Paula Carolei Universidade Federal de São Paulo

Palavras-chave:

Gamificação, Inteligência Artificial Generativa, Educação Crítica, Autonomia Pedagógica, Cibercultura

Resumo

O artigo analisa criticamente a intersecção entre gamificação e inteligência artificial no contexto educacional, problematizando como os sistemas de IA podem reforçar padrões comportamentais predeterminados.

É difícil pensar numa transformação social cidadã que considere todas as mudanças e ameaças ambientais que temos sofrido, sem olhar de forma abrangente sobre a cibercultura e como a Inteligência Artificial Generativa vem mudando a forma de nos relacionarmos com o conhecimento, tanto no consumo quanto na produção. Os processos estão tão controlados e imediatistas que, muitas vezes, perdemos nossa autoria e poder de decisão, sem nos darmos conta.

A gamificação, compreendida como a incorporação de elementos dos jogos nas estratégias pedagógicas, estrutura-se em três dimensões fundamentais: imersão, agência e diversão. No contexto educacional, a imersão representa a construção de um círculo mágico com ambientes formativos exploratórios que estimulam a autoria, enquanto a agência se manifesta através das ações do jogador em resposta às propostas didáticas, podendo ser reativa ou criativa. A diversão, por sua vez, transcende o mero entretenimento, configurando-se como um elemento transformador baseado na multiplicidade, na controvérsia e no propósito.

Contudo, observam-se limitações comportamentais significativas nas aplicações atuais da gamificação, que frequentemente se restringem a sistemas automatizados de feedback, quizzes com respostas predefinidas e rankings competitivos. Estas abordagens simplificadas não exploram todo o potencial transformador que a gamificação pode oferecer ao processo educacional.

A gamificação na Educação, apesar de prometer engajamento dos alunos e atividades mais explorários e vivenciais, costuma ser atravessada por interesses comerciais que reduzem o potencial lúdico a plataformas e estratégias comportamentais com sistemas baseados em pergunta/estímulo e resposta, repensando e sistemas de valoração que  se restringem a sistemas automatizados de feedback, quizzes com respostas predefinidas e rankings competitivos.

Em trabalhos anteriores mostramos as armadilhas dos design educacional de jogos e gamificação baseada em modelos comportamentais e apresentamos algumas “armas", "poderes”e “cenários”  (Carolei Tori, 2014) que podem ajudar a construir mecânicas mais criativas e autoria.

Uma perspectiva mais criativa da gamificação, alinhada com a visão interacionista e transformadora proposta por Okada e Sheehy (2020), busca desenvolver ambientes mais complexos e verdadeiramente exploratórios. Esta abordagem enfatiza o desenvolvimento de competências criativas, promovendo uma diversão emancipatória que integra dimensões individuais construtivistas com desafios colaborativos voltados para a responsabilidade social. Para materializar esta visão, foi desenvolvido um framework específico de Gamificação Criativa, fundamentado em pesquisas com educadores e na metodologia Design Science Research, visando inspirar práticas pedagógicas inovadoras através de modelos vivos e ciclos iterativos de aprendizagem (Carolei, 2022)

Também apresentamos trabalhos anteriores relacionando cidadania, patrimônio, gamificação buscando uma postura mais emancipadora e menos reativa.

A Inteligência Artificial Generativa também está sendo pressionada por modelos mais reducionistas, que pregam soluções mágicas a partir da pergunta (prompt) correto, como se fosse um gênio da Lâmpada ou um oráculo que pudesse criar qualquer coisa apenas usando palavras mágicas.

 

Esse artigo tem a proposta de comparar e problematizar esses movimentos polarizados e redutores, e propor alguns encaminhamentos mais criativos e autorais e, principalmente socialmente referenciados, para que esses tecnologias passam nos ajudar numa emergência climática e não ser um fator de agravamento pela falta de consciência e ação ambiental

Através de uma revisão sistemática da literatura, examina-se o estado atual da aplicação de IAs generativas em projetos de gamificação, propondo um framework que privilegie a autonomia criativa e o pensamento crítico de alunos e professores.

Em contrapartida, a perspectiva criativa da gamificação, alinhada com a visão interacionista e transformadora proposta por Okada e Sheehy (2020), busca desenvolver ambientes mais complexos e verdadeiramente exploratórios. Esta abordagem enfatiza o desenvolvimento de competências criativas, promovendo uma diversão emancipatória que integra dimensões individuais construtivistas com desafios colaborativos voltados para a responsabilidade social. Para materializar esta visão, foi desenvolvido um framework específico de Gamificação Criativa, fundamentado em pesquisas com educadores e na metodologia Design Science Research, visando inspirar práticas pedagógicas inovadoras através de modelos vivos e ciclos iterativos de aprendizagem.

A busca de “poderes” de maior conscientização também se desenvolveu um framework de autoria (Carolei, 2024) para ajudar a criar estruturas gamificadas com o foco nessa autoria e emancipação do aluno.

Também buscamos experiências que chamamos de "gamicidade” (Carolei, 2022) com experiências que associam gamificação com território e valorização do patrimônio social e natural. Nessas experiências apresentamos uma forma de gamificação aumentada, que mapeia o potencial interativo dos espaços e amplia seus níveis de conhecimento através de camadas projetivas e simbólicas, destacando uma imersão provocada pela criação de cenários e narrativas, que permitiu às pessoas descobrirem e compartilharem histórias livremente, numa construção de para construção de afetos pessoais e coletivos. 

Será que esse movimento que fizemos com a gamificação, de transformá-la de algo reativo em proposições mais criativas, pode ser feito com a Inteligência Artificial generativa? Como podemos relacionar gamificação e inteligência artificial generativa? Como isso tem sido feito? Quais as tensões e controvérsias que temos que superar?

Conforme aponta Santaella (2023) que a  emergência da inteligência artificial generativa (IAG), considerando o seu caráter de agente conversacional, abalou as sociedades humanas e colocou questões em diversas áreas, inclusive a educação.

A gamificação captura as emoções humanas pelo brincar e pelos desafios. A Inteligência Artificial, pela conversa.

Mas como tornar esse lúdico mais sério e essa conversa um diálogo social? Para responder a essas questões, torna-se essencial recorrer a uma metodologia que permita compreender como essas tecnologias podem transformar práticas educacionais, por isso foi definido a revisão da literatura como processo metodológico.

A revisão da literatura constitui um procedimento metodológico fundamental na pesquisa científica, possibilitando uma abordagem sistemática do conhecimento produzido em determinado campo acadêmico (Campos et al., 2023). Esta investigação caracteriza-se como uma revisão sistemática da literatura, metodologia que contempla processos de identificação, seleção, coleta, análise e avaliação crítica de estudos relacionados a uma temática específica, orientada por uma temática central. O protocolo metodológico adotado baseia-se em critérios científicos e transparência, propiciando a consolidação de evidências que fundamentam práticas e auxiliam processos decisórios no campo.

O escopo investigativo busca identificar lacunas teórico-metodológicas, estabelecendo conexões entre os aspectos procedimentais e as demandas emergentes no cenário atual, visando estimular futuras investigações e contribuir para o aprimoramento das práticas. Este estudo realiza um mapeamento sistemático da área, com o objetivo de avaliar e organizar o conjunto de evidências disponíveis, contribuindo assim para a consolidação do campo enquanto área do conhecimento (Campos et al., 2023)

A construção desse estudo iniciou-se com a definição dos termos chaves que norteiam os estudos para responder de acordo com a literatura a seguinte questão de pesquisa: Como as Inteligências Artificiais têm sido utilizadas em ações de Gamificação? Após a análise delimitou-se dois termos de busca, que serão utilizados como palavras-chaves e strings de pesquisa: gamificação e Inteligência Artificial. 

A pesquisa foi realizada através da base de dados da Web os Science (WoS), sendo realizada em outubro de 2024 e incluiu os campos de título, resumo e palavras-chave. Para realizar a busca nestas bases de dados, foi estabelecido os seguintes critérios: a) utilizou-se o critério de seleção do Tópico (título, autor, palavras-chave e resumo); b) aplicou-se as seguintes palavras chaves: “Gamification” AND “Artificial Intelligence”; c) aplicou-se o filtro para que fossem encontrados apenas artigos; e d)  restringiu-se a pesquisa aos últimos cinco anos, definindo o período de 2019 a 2024.

Foram identificados inicialmente 118 artigos, dos quais 33 foram excluídos por não apresentarem acesso disponível em meio digital, resultando em uma amostra final de 85 artigos para análise.

Na primeira análise realizada, identificamos três grandes grupos de incorporação da Inteligência Artificial Generativa na gamificação: planejamento ou Design da Gamificação, criada na produção de um recurso ou mídia criação de chatbots de apoio à interação.

Dentre os 85 artigos analisados, 49,4% (42 artigos) puderam ser classificados em apenas um desses grupos. Destes, 31,8% (27 artigos) concentraram-se na produção de um recurso ou mídia, 16,5% (14 artigos) focaram no planejamento ou design da gamificação, e 1,2% (1 artigo) descreveram uma experiência com a criação de chatbots para apoio à interação.

Os demais 50,6% (43 artigos) integraram ao menos dois grupos. Entre eles, 29,4% (25 artigos) descreveram a utilização de IA no planejamento ou design da gamificação em conjunto com a criação de mídias; 17,6% (15 artigos) relataram a combinação entre a criação de mídias e a elaboração de chatbots; e, por fim, 3,5% (3 artigos) combinaram o planejamento ou design da gamificação com a criação de chatbots.

Podemos concluir que o foco ainda é maior na produção de recursos como imagens, vídeos e até programação de alguns objetos. Nas atividades de apoio ao planejamento ainda precisa ser aprofundado a criação de roteiros e narrativas. Já os bots ainda são muito mais estruturas mecânicas com resultados programados.

É possível avançar nos três campos tanto na produção de recursos criativos e colaborativos, no planejamento mais aberto e colaborativo e em bots mais reflexivos do que reativos.

Nossos próximos passos serão aprofundar nas temáticas e cenários propostos, nos tipos de mídia e na autoria e protagonismo do aluno e, a partir disso, criar um framework de apoio para a incorporação de inteligência artificial generativa em gamificação mais criativa.

Publicado

02-12-2024