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Anais do XVII Simpósio Nacional da ABCiber. Arte Comunicação e Educação em tempos de eventos climáticos extremos
v. 17 n. XVII (2024)A décima sétima edição do Simpósio Nacional da Associação Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura (ABCiber) traz como eixo temático central o entrelaçamento da Arte, Comunicação e Educação em tempos de eventos climáticos extremos. Tal escolha foi impulsionada pelos acontecimentos de maio de 2024, no estado do Rio Grande do Sul, somados às reflexões e ações decorrentes. Um evento com tal magnitude exige que a sociedade desenvolva resiliência e novas formulações de enfrentamento da vida, algo que não se normaliza a curto espaço de tempo. Além de exigir ações de prevenção e logística da defesa civil, o fenômeno convoca uma reflexão profunda de vários atores.
Observando-se o ocorrido, chamam atenção os esforços de profissionais de diversas áreas, da defesa civil, da saúde física e mental, dos estudos ambientais e climáticos, da geologia, da gestão de risco, da classificação do registro civil, entre outros. A arte, que parecia não estar na primeira ordem, oportuniza adentrarmos nas questões soterradas no dia a dia, por nos aguçar a percepção da transformação da paisagem e das mudanças sociais e identitárias. Solastalgia, conceito que queremos destacar, indica sofrimento diante da percepção de mudanças ambientais e climáticas e consequentes deslocamentos forçados. Título de uma instalação de Lucas Bambozzi que abordou o desmoronamento das barreiras de contingência da Vale, em Minas Gerais (2019), o termo foi cunhado por Glenn Albrecht em 2005, filósofo ambientalista australiano da Universidade de Newcastle.
A arte possibilita revelar aspectos de transformação. É capaz de extrair do luto, das violações, dos detritos e da lama, a ocasião para iniciativas como a de gratuidade de emissão dos registros civis da Central Cidadania e Recomeçar é Preciso, oportunidades de retificação do registro civil de nome e gênero, podendo o nome social se sobrepor ao civil para pessoas não-cisgêneras, fortalecendo assim a cidadania. Auxilia a compreensão de que em momentos de crise é preciso estar atento aos critérios heteronormativos de abordagem, classificação e separação dos corpos no resgate e na definição dos espaços de abrigos, da imposição de acantonamento.
Abordamos comunicação e educação, mas desejamos falar, principalmente, de educação da comunicação. Com a calamidade das cheias no Rio Grande do Sul, ganhou destaque sobremaneira a necessidade da educação se voltar ao uso da comunicação nas redes. São vários aspectos a serem destacados. Desde a infraestrutura de cabeamento físico que em muitas localidades foi rompido, a criação de plataformas multiusuário de ajuda, até a consideração quanto à capitalização das atenções midiáticas.
Em tempos de eventos climáticos extremos, a compreensão do fenômeno em seus vários aspectos exige que informações científicas, econômicas e sociais sejam acessíveis à população. A previsão dos acontecimentos e a compreensão da afetação de ecossistemas, assim como o conhecimento dos impactos na saúde e sua interação com fatores socioeconômicos são material para pesquisas quanto às formas de comunicação e contexto organizacional. Não somente para improvisar a capacidade de resposta quanto às repercussões do evento, mas também para sistematizar o conhecimento quanto à comunicação de crise, identificação dos atores, dos pontos de primeiros socorros, de arrecadação segura e as funções na contenção da crise, contribuindo com a prevenção e gestão de riscos.
Ainda, sobretudo, para prevenir o sofrimento e os crimes humanitários relativos às massas de migrantes, e de possível tráfico humano, decorrentes de fenômenos como este quando se “socializam os prejuízos" sem antes nunca ter sido considerada a afetação substancial das classes menos favorecidas, configurando-se, dentro de certos contextos, aquilo que vem sendo apontado como racismo ambiental, tanto em relação aos povos originários quanto às populações negras e periféricas. Articula-se, ainda, em relação à maneira como as responsabilidades estão sendo divididas entre o Norte e o Sul Global.
Por fim, torna-se fundamental debater a desinformação e a volatilidade emocional. Deep fake, calúnias e difamações sabotam as energias e a chance de reerguer a sociedade. Assim, apresentam-se as questões: como separar deep fake e mensagens úteis em tais eventos? Como não sucumbir pela avalanche de notícias falsas, ou mesmo as verdadeiras, cujo teor nos toca primeiro sensorialmente, e depois cognitivamente? Outro aspecto a não ser negligenciado é a economia da atenção, pois eventos extremos são capazes de gerar enorme movimentação nas redes sociais, significando convergência, agenciamento da esfera pública e atração de recursos financeiros.
Em meio ao acirramento da crise morfológica, sanitária, econômica e social, há de se criar novos horizontes para as várias localidades atingidas e pensar nas possibilidades de mitigação de danos para os casos futuros. Em última instância, vale abordar as fronteiras éticas diante da representação desses fenômenos em ambiência digital e os ecos que produzem na vida cultural, social e econômica das localidades em que reverberam.