Arendt tech: pensando as novas tecnologias a partir de Hannah Arendt
Resumo
A mesa proposta pretende trazer as contribuições de nosso grupo de estudos e pesquisa “Violência em Tempos Sombrios” (Núcleo de estudos da violência da USP) acerca da desinformação e seus efeitos para o contexto democrático, dialogando com o pensamento de Hannah Arendt e procurando encontrar formas de resistência. Começamos por investigar a relação entre aquilo que se entende por real com o âmbito de socialização dos indivíduos e tentar delimitar melhor o que seria desinformação ou fake news.
Em nossas pesquisas, com o passar do tempo e das leituras, percebemos que seria insuficiente, para não dizer inadequado, refletir sobre a desinformação na contemporaneidade, e o que existe de novo nesse fenômeno, sem dialogar com os estudos sobre as novas tecnologias e sobre a sociedade de dados. Nos últimos dois anos nos dedicamos a essa empreitada.
A mesa apresentará três trabalhos distintos dentro desse contexto, cujos resumos seguem abaixo:
A cidade e a cidade e a arquitetura como próxima fronteira da regulação digital
Partindo de uma concepção do direito como arquitetura que já aparece na obra de Hannah Arendt, o artigo pretende explorar o romance A cidade e a cidade de China Miéville como uma metáfora da forma como o espaço digital e o comportamento dos indivíduos que com ele interagem (dentro e fora do ciberespaço) é regulado por meio da arquitetura dos códigos e da inteligência artificial. Partimos das formas como o direito se manifesta no romance para promover um diálogo entre o pensamento de Hannah Arendt acerca do direito, da violência, do poder e da verdade; o pensamento de Lawrence Lessig sobre a regulação nos ambientes digitais; e os escritos acadêmicos do próprio autor do romance, China Miéville.
Verdade dos fatos e pós-verdade: Reflexões em Hannah Arendt
A partir da apresentação de alguns aspectos que compreendem o atual estado de arte das mídias digitais e seus efeitos no que diz respeito ao tema da verdade, pretendo discutir os reflexos e as implicações da expansão tecnológica exponencial sobre a preservação e legitimidade das chamadas verdades de fato, em especial, sobre o impacto da sociedade digital na maneira como verdades de fato podem ser comunicadas às futuras gerações.
Nosso recorte aponta mais especificamente para o conceito de verdade de fato em Hannah Arendt, propondo uma extensão de suas reflexões em relação às transformações digitais, mas considerando também em nossa problemática o debate já em curso em algumas vertentes das humanidades digitais, que compreende a verdade em sua dimensão histórica, suas possibilidades de verificação, e a reflexão filosófica que a verdade de fato implica em uma era tecnológica.
Diante de uma época em que “pós-verdade” e “mentira organizada” se tornaram a regra, importa explorar como se dá a produção de verdades históricas em um cenário cuja profusão de informações fraudulentas e opiniões sem fundamento competem com verdades de fato e informações verificadas; e por que os modos e processos de produção da verdade (seja a verdade jornalística, seja a verdade histórica ou a verdade científica), amparados por sólidas e antigas tradições de crítica documental, podem ser afetados pela opinião, tornando-se frágeis diante dela. Considera-se que o fenômeno da pós-verdade (e outros a ele relacionados) carrega consigo a possibilidade de inscrever “novos relativismos” aos paradigmas amplamente difundidos (sejam eles históricos, filosóficos ou científicos), uma vez que as pessoas ignoram os fatos e a realidade em favor de suas crenças, opiniões e perspectivas pessoais.
Dessa maneira, adentraremos também o terreno das Humanidades Digitais – conceito que vem sendo utilizado recentemente para descrever como o contexto digital e tecnológico tem modificado a forma como pesquisas, estudos e projetos na área de humanidades são trabalhados. Torna-se importante a reflexão e o debate da influência de tecnologias e mídias na produção, divulgação e comunicação dos saberes à posteridade, para além de uma perspectiva puramente metodológica e tecnicista, relevando também a transição paradigmática sobre o próprio fazer técnico e filosófico.
Ação Política no Ciberespaço: Hacktivismo como Ato de Desobediência Civil?
A política é considerada por Hannah Arendt como uma atividade parte da condição humana do ser humano. Em uma sociedade de rede, como denomina Manuel Castells, a ação política e os meios pelos quais ela ocorre passa por uma transformação profunda em seus princípios, nos quais, em Arendt (2019) pressupõem um espaço físico com pessoas presentes para apresentarem suas falas, contrapontos e tomarem decisões em conjunto. Diante desse novo cenário, analisaremos as atividades de hacker, diferenciando-as do hacktivismo, com o objetivo de buscar compreender as possibilidades de considerá-los atos de desobediência civil.