Design, tecnologia e sustentabilidade
um estudo de caso Shellmet
Palavras-chave:
Design, Sustentabilidade, Tecnologia, Design ecológico, Desenvolvimento SustentávelResumo
O colapso climático é uma das maiores ameaças enfrentadas pela humanidade no século XXI. O aumento das temperaturas globais, a acidificação dos oceanos, o derretimento das calotas polares e a intensificação de eventos climáticos extremos são apenas algumas das consequências desse fenômeno, que resulta em graves impactos sociais, econômicos e ambientais (IPCC, 2021). As enchentes históricas que atingiram o sul do Brasil, em especial a cidade de Porto Alegre em maio de 2024[1], são um exemplo claro desse cenário. A cidade viveu as piores enchentes de sua história, resultando em mortes, deslocamento de famílias, destruição de infraestrutura e perdas econômicas consideráveis. Essa situação coloca em xeque as escolhas que temos feito enquanto sociedade, questionando o desenvolvimento urbano e as práticas de design e produção que não consideram adequadamente o impacto ambiental e suas consequências climáticas. Tais eventos demandam uma reflexão urgente sobre a necessidade de práticas que reduzam o impacto no meio ambiente e promovam soluções sustentáveis.
Neste contexto, o Design e seus desdobramentos emergem como ferramenta essencial para enfrentar os desafios da sustentabilidade e mitigar os impactos ambientais. O design não se restringe à estética ou à funcionalidade dos produtos, mas abrange um papel mais amplo, sendo um ator na construção de soluções inovadoras que consideram todo o ciclo de vida dos materiais e produtos. O conceito de design sustentável, que ganha cada vez mais força, é fundamentado na premissa de que os designers têm a responsabilidade de criar soluções que minimizem o impacto ambiental, promovam a reutilização de materiais e incentivem práticas de economia circular (PAPANEK, 1971; PORTO, 2011; NISHIMURA, MERINO, MERINO, 2020).
Ao aprofundar a discussão sobre a crise de insustentabilidade, torna-se necessário definir cuidadosamente os elementos constitutivos dessa problemática. Segundo o teórico Philippe d'Anjou (2017), a insustentabilidade é uma condição que vai além da degradação ambiental, abrangendo também uma noção de economia baseada no crescimento perpétuo, a destruição de tradições e sistemas de crenças, e o rompimento do tecido social.
Para ele, a insustentabilidade surge inerente ao sistema e nega o futuro, destruindo tudo o que sustenta a vida humana e outras formas de vida. Ela reflete uma abordagem desenfreada do uso dos recursos naturais e a transformação da cultura em uma mercadoria, promovendo o interesse individual em detrimento da coletividade (D'ANJOU, 2017). Nesse sentido, a insustentabilidade é um fenômeno político por excelência, mas que, de acordo com o autor, é frequentemente subestimado e pouco priorizado nos debates institucionais.
Neste artigo, exploraremos o papel do design no enfrentamento dessas crises a partir de um estudo de caso da Koushi Chemical Industry Co. uma empresa japonesa que traz inovação no desenvolvimento de material transformando conchas de vieira descartadas. O enorme descarte de conchas de vieira torna-se, no longo prazo, prejudicial ao meio ambiente, e a utilização das conchas na produção de produtos gera um desenvolvimento mais sustentável. Através dessa análise, discutiremos como o design pode atuar como um agente de transformação em um contexto de colapso ambiental e como ele pode contribuir para a construção de um futuro mais sustentável.
O design para a sustentabilidade tem evoluído para abraçar uma abordagem holística, que integra considerações ambientais, sociais e econômicas em cada etapa do processo de criação. Essa abordagem reflete uma mudança significativa nas responsabilidades do designer, que agora precisa equilibrar inovação com os princípios da sustentabilidade. Conforme destacado por Vezzoli e Manzini (2008), essa transformação envolve quatro eixos principais: seleção de recursos com baixo impacto ambiental, design de produtos com baixo impacto, design de sistemas ecoeficientes e design voltado para a equidade e coesão social. Cada um desses eixos revela como o design pode ser um motor de mudança no enfrentamento das crises ambientais.
Iniciando pela seleção de recursos com baixo impacto ambiental onde a escolha dos materiais é um dos primeiros e mais críticos passos no desenvolvimento de um produto sustentável. Optar por recursos que causem menor dano ao ambiente, como matérias-primas renováveis, recicláveis ou de fácil decomposição, é fundamental para minimizar a pegada ecológica de novos produtos. No caso do estudo de conchas de vieira no Japão, a empresa conseguiu transformar o que antes era um resíduo prejudicial ao solo em um material robusto para a fabricação de capacetes. Este exemplo ilustra como a inovação tecnológica pode transformar a gestão de resíduos em uma estratégia central para o design sustentável, reduzindo o uso de matérias-primas virgens e evitando o acúmulo de poluentes no ecossistema.
Já o eixo de Design de Produtos com baixo impacto ambiental tem como foco criar produtos que utilizem menos energia e recursos ao longo de seu ciclo de vida. Isso inclui considerar não apenas a produção, mas também o uso e descarte dos produtos. Produtos modulares, fáceis de desmontar e reciclar, ou que tenham uma vida útil prolongada, são essenciais para reduzir o consumo desenfreado. O design de capacetes a partir das conchas de vieira exemplifica este princípio, ao substituir materiais não renováveis por um recurso anteriormente desperdiçado. O resultado é um produto que combina alta performance com impacto ambiental reduzido, demonstrando como a consideração do ciclo de vida completo pode levar a soluções mais sustentáveis. Os capacetes descartados podem ser reciclados e inseridos na produção de novos capacetes.
Que nos leva ao terceiro eixo, o Design de Sistemas para a Ecoeficiência, onde mais do que produtos individuais, o pensamento sistêmico é crucial para maximizar a eficiência ecológica. Isso implica na criação de sistemas de produção e distribuição que sejam otimizados para minimizar o desperdício, o uso de energia e as emissões de carbono. A economia circular, por exemplo, promove a ideia de que os produtos devem ser pensados para serem reutilizados ou reprocessados ao fim de sua vida útil. No caso da Koushi Chemical, o processo de transformar conchas de vieira em capacetes reflete essa lógica, onde um resíduo local é reintroduzido na cadeia de produção como um recurso valioso. Esta abordagem ecoeficiente contribui para uma economia regional mais resiliente e menos dependente de matérias-primas externas.
De um modo mais holístico, o Design para Equidade e Coesão Social vai além das dimensões ambientais e tecnológicas, atendendo a questões sociais, promovendo a equidade e a coesão dentro das comunidades. A sustentabilidade não se trata apenas de minimizar o impacto ambiental, mas também de garantir que as soluções projetadas sejam inclusivas, acessíveis e promovam o bem-estar das pessoas envolvidas. Ao reaproveitar um resíduo local, a empresa não apenas beneficia o meio ambiente, mas também fortalece a economia da comunidade de pescadores, que enfrenta desafios econômicos.
A partir destes eixos observamos o estudo de caso da Koushi Chemical Industry Co., uma empresa japonesa, que desenvolveu um produto inovador chamado Shellmet, um capacete de segurança fabricado a partir de conchas de vieira descartadas. Essa inovação nasceu como resposta ao enorme volume de resíduos gerados pela indústria pesqueira da região de Hokkaido, onde a pesca da vieira é uma das atividades econômicas mais importantes. Após a extração do molusco, as conchas, que são ricas em cálcio e extremamente duras, costumavam ser descartadas de forma inadequada, gerando impactos negativos no solo e na biodiversidade local. Com o desenvolvimento de uma tecnologia que permite o processamento dessas conchas em um material resistente, a Koushi Chemical transformou um problema ambiental em uma solução inovadora e sustentável.
O Shellmet não apenas resolve uma questão ambiental ao reduzir o volume de resíduos, mas também oferece uma alternativa sustentável ao uso de materiais plásticos convencionais na produção de capacetes. O material resultante da reciclagem das conchas é chamado de Shellstic, uma combinação de conchas de vieira e plástico reciclado, o que confere ao capacete alta durabilidade e resistência. Além de ser uma solução viável para a proteção pessoal, o Shellmet reforça a importância do design circular e da economia local, ao integrar resíduos em um ciclo produtivo que beneficia tanto o meio ambiente quanto as comunidades pesqueiras que dependem da pesca de vieiras.
Assim o artigo se desenvolve com a discussão do papel do design para a sustentabilidade e sua necessidade de uma abordagem multifacetada que vai além da criação de produtos com baixo impacto ambiental. É necessário um pensamento sistêmico, orientado para a inovação e para o bem-estar social, promovendo a coesão e a equidade nas comunidades impactadas. Este tipo de design, ao invés de contribuir para a insustentabilidade e o colapso climático, tem o potencial de construir soluções duradouras e transformadoras, que não apenas minimizam os danos, mas regeneram ecossistemas e revitalizam economias locais.