Comunicação Pública, tensionamento do online e campanha de rádio durante as enchentes no Rio Grande do Sul: A Campanha Rádio Apoio RS

Autores

  • Maria Eduarda Thaddeu Pedroso Universidade Federal de Santa Maria
  • Jaqueline Quincozes da Silva Kegler Universidade Federal de Santa Maria

Palavras-chave:

Comunicação Pública; Rádio; Cidadania; Calamidade; Tragédia ambiental.

Resumo

Durante o período compreendido entre o final do mês de abril e junho de 2024, o Estado do Rio Grande do Sul (RS), localizado na região sul do Brasil situado entre o Estado de Santa Catarina ao norte, Uruguai ao sul, Argentina ao oeste e ao leste com o Oceano Atlântico, sofre com a ocorrência de eventos climáticos extremos que marcaram a maior enchente de sua história (Casemiro, 2024). As chuvas intensas resultaram em alagamentos, granizo, enxurradas e vendavais, causando danos humanos, ambientais e materiais.

Em resposta a essa situação, o Estado declarou estado de calamidade pública, medida reconhecida pelo Governo Federal por meio do Decreto n° 57.596 de 1° de maio de 2024. Inicialmente, o referido Decreto abrangeu 265 municípios, dos 497 que compõem o RS, como afetados pelo desastre e contemplados pelo estado de calamidade. Contudo, posteriormente, por meio do Decreto n° 57.626 de 21 de maio de 2024, o número de municípios considerados afetados foi revisado para 418. 

Diante da tragédia climática, docentes e discentes dos Cursos de Comunicação Social da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) integraram o projeto “Rádio Apoio RS: Campanha de Arrecadação de Rádio a Pilha e Pilhas”, o qual teve como objetivo principal apoiar as comunidades afetadas pelas enchentes, visando possibilitar o acesso à informação de interesse público sobre a crise climática nas regiões onde a comunicação foi inviabilizada devido a falta de energia elétrica, ou com recorrência de falta de energia.

 Este trabalho discute a temática da Comunicação Pública, infraestrutura e mídias em espaços geográficos periféricos. O presente estudo adota uma abordagem qualitativa, fundamentada em pesquisa bibliográfica, partindo dos conceitos de Comunicação Pública pelo pensamento de Araújo (1999); Brandão (2007); Casali (2024); Constituição Federal; Duarte (2007) e de desigualdade digital por Fanfa (2023).

Além disso, compreende a descrição da campanha Rádio Apoio RS e sua atuação na região centro do Rio Grande do Sul durante o período de calamidade.  Dessa maneira, busca divulgar as ações e resultados principais do projeto o qual justifica-se na medida em que, através desse, a universidade e a área da comunicação social (ensino, pesquisa e extensão em comunicação) estabelecem diálogo com a sociedade em momento de calamidade pública, respondendo tecnicamente e com uma postura ética e humana à demanda por informação. 

Comunicação Pública 

A Comunicação em instituições públicas brasileiras, especialmente em órgãos executivos, se instaura a partir da década de 50. Ao longo dos anos, de técnicas especializadas como propaganda e assessoria de imprensa, passa a incorporar o assessoramento de comunicação mais integrado entre as técnicas, o qual avança conforme a abertura política e democrática do país. É impulsionada por demandas da sociedade organizada, dos cidadãos e cidadãs e também pela transformação tecnológica, dos setores e cargos, que a comunicação pública alcança o patamar de um processo com vistas ao reconhecimento da informação como interesse e direito públicos e ao diálogo como seu principal horizonte. 

A área como foco de debates na academia, mídia e organizações não configura uma ocorrência recente. Isso porque, no século passado, Pierre Zémor (1995) entre outros autores já discutiam o conceito e suas abrangências. Nos diversos estudos científicos, é de entendimento comum sua definição como a qualificação constante do diálogo entre o Estado, governo e a sociedade, que tange a prática da informação como consolidadora da cidadania (Brandão, 2007). 

No entendimento da autora, quanto à perspectiva pública da comunicação,  a atividade do sujeito cidadão envolve “novas formas de vivências democráticas" (2007, p.10). Sob esse olhar, admite-se que a comunicação é essencial para promover a democracia e garantir que os cidadãos exerçam seus direitos fundamentais, previstos na Constituição Federal.

Um desses direitos inclui o acesso à informação, assegurado na Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011, cuja execução implica a ação conjunta de princípios básicos da administração pública e diretrizes, entre essas: “divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações” e “utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação”.

Considerando que “o não-acesso à informação ou ainda o acesso limitado ou o acesso a informações distorcidas dificultam o exercício pleno da cidadania” (Araújo, 1999, p. 155), evidencia-se responsabilidade que tange às instituições públicas de ensino, no que concerne o amparo à população na garantia de informação. Isso porque a universidade configura uma instituição base para se fortalecer e promover os direitos humanos e combater a desinformação (Casali, 2024). Nesse sentido, a instituição universitária integra o grande sistema de comunicação pública, que possui o dever de informar e trabalhar para a cidadania, através da promoção do debate público e mensagens com intuito de proteção da população (Zemor, 1995; Duarte, 2007), especialmente em um evento extraordinário como a tragédia climática vivida.

Tensionamento do online nas enchentes no RS: a Campanha Rádio Apoio RS

Segundo dados divulgados pela Defesa Civil do Rio Grande do Sul, em 4 de junho de 2024, foram registrados impactos significativos de 476 municípios afetados, 35.103 pessoas alojadas em abrigos e 575.171 desalojadas. Para mais, as consequências para as habitações afetadas somavam 101,4 mil unidades danificadas e 9,3 mil completamente destruídas, totalizando 110,7 mil unidades afetadas com um prejuízo financeiro estimado alcançando a cifra de R$ 4,7 bilhões (Confederação Nacional de Municípios, 2024).

Nesse contexto de destruição, as formas de informação foram integralmente atingidas, do presencial ao online. Entretanto, persiste o dever institucional de informar e de viabilizar o acesso às informações, inclusive com objetivo de proteção ao emitir alertas sobre as inundações e avisos de evacuação. Percebeu-se ampla divulgação através de redes sociais de instituições como Defesa Civil do Estado, a qual será objeto de futuras investigações. Atrelada a ampla presença digital estava a precariedade de infraestrutura de acesso à internet e a meios eletrônicos, devido a falta de energia elétrica, inclusive para recarregamento dos aparelhos móveis.

Antes da calamidade, a infraestrutura de acesso ao digital é tematizada em investigações que indicam a sua cobertura territorial parcial. Face ao cenário nacional marcado por uma vasta gama de desigualdades, como sociais, geográficas e econômicas, de forma que já são reconhecidas as disparidades enfrentadas por cidadãos gaúchos no acesso à internet. Tal problemática é abordada por Fanfa (2023). Em sua tese, retrata as fragilidades na infraestrutura de internet no Estado gaúcho, destacando a desigualdade digital nas regiões do interior. O autor traz dados de estudo realizado por Motta (2012),  relatando que a distribuição das infraestruturas digitais no RS apresenta concentração elevada na capital, deixando as áreas menos centrais com acesso precário e centralizado. Diferenças que são alargadas no contexto das enchentes, mas sobretudo levam ao tensionamento sobre a escolha do digital como meio principal de informação pública em cenários climáticos turbulentos.

Diante disso, a Universidade de Santa Cruz do Sul inicia campanha de arrecadação e distribuição de rádios a pilha e pilhas. A Universidade Federal de Santa Maria passou a integrar a campanha, através de projeto de extensão, e centralizou seus esforços para a região atingida no centro do Estado. A campanha contou com o apoio de: Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABC Pública); Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT); Associação Brasileira de Pesquisadores em Jornalismo (SBPJor); Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (ABRAÇO); Associação Gaúcha de Emissoras de Rádio e Televisão (AGERT); Federação Brasileira de Associações Científicas e Acadêmicas de Comunicação (SOCICOM); Laboratório de Rádio UFMA; Núcleo de Estudos de Rádio da UFRGS (NER); Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom) e Eletrônica Fleig.

Inicialmente, os esforços centraram-se na divulgação da ação, abrangendo vinculações em redes sociais e na imprensa.  Posteriormente, foram realizadas as atividades de  levantamento de orçamentos para as rádios e pilhas, mapeamento das comunidades e localidades para doações, além da arrecadação das doações. 

Em 22 de maio, foram recolhidas 18 unidades de rádios com pilhas, doados pela Eletrônica Fleig. Ao longo da semana seguinte, 35 rádios foram enviados para a Emater do Município de Agudo, a qual ficou responsável pela distribuição diretamente às famílias necessitadas e informou a existência de 27 famílias sem energia no Município. 

Já na data de 29 de maio, 15 rádios foram enviados ao Município de Nova Palma, sendo entregues à Prefeitura Municipal, destinados à campanha SOS Quarta Colônia e distribuídos em áreas de difícil acesso. O encerramento da campanha ocorre com a diminuição das chuvas e restabelecimento nas localidades que foram possíveis identificar a falta de energia elétrica. O valor financeiro arrecadado excedente à necessidade de rádios e pilhas foi destinado  para a compra e doação de materiais escolares para instituições de ensino de municípios atingidos. 

Destaca-se que o acesso público a dados oficiais sobre a situação de infraestrutura e acesso à energia elétrica no Estado foram obtidos apenas no mês de junho. As empresas distribuidoras de energia elétrica CEEE Grupo Equatorial Energia e RGE Sul informaram em data posterior ao acontecimento, a quantidade de 2.476.328 unidades consumidoras interrompidas (CEEE, 2024) e 315,2 mil clientes afetados (RGE, 2024). 

Nos locais em que a energia elétrica foi inviabilizada, foram comprometidas todas as demais formas midiáticas de comunicação, pois todas exigem recarga para o seu funcionamento. Tema relevante a ser explorado em novas investigações, com intuito de promover a reflexão, o debate e a prevenção da falta de informação de interesse público aos cidadãos, em situações de tragédias ambientais.

Biografia do Autor

Jaqueline Quincozes da Silva Kegler, Universidade Federal de Santa Maria

Professora Associada da Universidade Federal de Santa Maria. Líder do Grupo de Pesquisa Comunicação e Desenvolvimento (UFSM) e pesquisadora no Grupo de Pesquisa Comunicação Institucional e Organizacional. Tem experiência técnica e acadêmica na área de Comunicação Organizacional, Comunicação Pública e Relações Públicas. Doutora em Extensão Rural (UFSM, 2011). Mestre em Comunicação (UFSM, 2008). Bacharel em Comunicação Social - Relações Públicas (UFSM, 2002), Especialista em Comunicação Midiática (2007), Especialista em Marketing (2007).

Publicado

02-12-2024