Novo espectro na gestão da emergência climática contempla a reativação das usinas nucleares que alimentam a IA
Palavras-chave:
Emergência climática, Gestão de riscos e crises, Inteligência artificial, Dados, GeorreferenciamentoResumo
Não há como falar de emergência climática sem assumir que tal situação resulta do mau uso do planeta por parte de nós humanos ao longo de tantas décadas. O momento crítico que vivemos em 2024, seja pela elevação média da temperatura da Terra superior a 1, 43º.C (2023), pelo aquecimento das águas dos oceanos, ou pelos incêndios em todos os continentes e até a ocorrência de eventos climáticos mais agressivos, colocam o humano em uma realidade muito próxima daquela vivenciada pelos dinossauros há 65,5 milhões de anos atrás (Biernath, 2022).
O agravamento de tal situação ocorre em um momento em que a humanidade abriga e vivencia os avanços na área da inteligência artificial (IA), uma tecnologia com enorme potencial de contribuição no combate aos sintomas do aquecimento do planeta já em curso, seja por meio de sistemas de monitoramento e rastreamento, seja por intermédio da atuação de agentes especiais (robôs em formatos de bots ou androides, por exemplo) para atuar em campo difícil para os humanos em prol do bem-estar do planeta. Afinal, a coexistência entre humanos e não humanos é algo consolidado, sem volta, e tem se dado em quase todos os aspectos da vida contemporânea (Boarini, 2024).
Além do lado positivo, a tecnologia da IA e seu ecossistema também expressam seu lado negativo sobre a emergência climática, porque requerem largo uso de água, além de enorme capacidade energética. Essa necessidade tem provocado a reativação de usinas nucleares por parte das empresas de tecnologia envolvidas com IA e, diante disso, o presente resumo pretende abordar a necessidade de se pensar em planos de gestão de riscos e crises que contemplem eventuais acidentes com este tipo de instalação. “Quando se avalia a crise climática há uma série de desafios complexos que exigem uma abordagem estratégica. A grande convergência é que os dois temas trazem uma intersecção de conceitos que podem ser usados juntos”, afirma Teixeira (2024, p. 83).
Para se ter uma ideia, a IA tem a necessidade de beber “500 ml de água a cada dez prompts”, segundo Lemos (2024), e, embora não saibamos quantos prompts são demandados por hora em todo o mundo, certamente trata-se de um número expressivo e de caráter exponencial. A sobrevivência da IA e de todo o ecossistema que integra a tecnologia não se limita ao consumo intenso da água e a uma grande demanda de energia. Observemos o exemplo dos data centers, estruturas físicas de grande porte que armazenam equipamentos de computação, equipamentos de hardware que trabalham os dados digitais (big data), inseridas em uma posição de extremo destaque dentro do ecossistema que dá vida à IA. Isso porque, conforme explica Gabriel (2017, p. 28): “Big data sem inteligência artificial é como um cérebro que só tem memória, mas não consegue processar. Inteligência artificial sem big data é como um cérebro que só tem capacidade de processamento, mas não tem o que processar”. Por sua relevância, data centers devem trabalhar ininterruptamente para garantir a boa operação da tecnologia, o que se traduz em alto consumo de energia.
O portal Consultancy-me.com (2024) revelou um estudo que mostra que o mercado global de data centers deve alcançar um valor superior a US$ 430 bilhões até 2028, e justifica o resultado pelo fato de que é por meio deste tipo de instalação que se sustenta a base do fluxo informacional e se garante que os dados sejam armazenados com segurança e transportado para os usuários.
A busca pela “alimentação” do setor já tem redesenhado o panorama energético e sua geografia. Considerada energia limpa, a opção pela energia nuclear tem sido a eleita pelas empresas de tecnologia. Apenas em 2024, vários negócios ilustraram esse tipo de movimentação. Em junho, Bill Gates anunciou investimento de US$ 10 bilhões por meio da sua empresa TerraPower para construir até 2026 uma usina de energia nuclear, com reator três vezes mais potente que os tradicionais (Juliboni, Pati, Gil, 2024). Em outubro, foi a vez de o Google anunciar um acordo com a Kairos Power para comprar energia nuclear de pequenos reatores modulares, com previsão de operação a partir de 2030. Em março, a Amazon adquiriu um data center movido a energia nuclear da Talen Energy, enquanto a Microsoft se associou a Constellation Energy para dar consultoria no processo de reativação da usina Three Miles Island (Pensilvânia, EUA), cenário de um dos piores acidentes da história, em 1979 (Gardner, 2024).
Tanto a anergia elétrica como a nuclear são consideradas limpas, causando baixa emissão de gases de efeito estufa durante a sua operação, embora a elétrica seja renovável e a nuclear, não (Therrie, 2024; Sousa, 2023). Segundo Ferraz Jr. (2023), outros motivos contribuem para o seu uso, já que ela é “gerada pela divisão de átomos de urânio e é uma fonte de energia de alta capacidade, que pode atender às necessidades energéticas de uma nação. É limpa em termos de emissões de carbono, tornando-a uma alternativa atraente aos combustíveis fósseis no contexto das mudanças climáticas”.
Quando a ponderação, no entanto, elege os pontos negativos, um dos que saltam do imaginário da população de todo o mundo vem dos maiores acidentes mundiais envolvendo este tipo de energia, de certa forma, falam por si só (O Globo, 2014). Em 1979, a usina de Three Miles Island (EUA) sofreu superaquecimento em 1986 e atingir o nível 5 dentro da Escala Internacional de Eventos Nucleares. Em 1986, a usina de Chernobyl (Ucrânia), considerado o maior desastre nuclear da história, teve um problema técnico em um de seus reatores, liberando uma nuvem radioativa com 70 toneladas de urânio na atmosfera e matando mais de 2,4 milhões de pessoas. Atingiu o nível 7. Em 2011, dentro de um acidente em nível 5, a usina de Fukushima (Japão) apresentou sérios danos em três dos seis reatores, após um forte terremoto seguido de um tsunami também de grandes proporções ter atingido a região.
Diante disso, é natural que a extensão das consequências diretas provocadas por esses acidentes traga receio das pessoas sobre esse tipo de energia. Neste sentido, observamos que a reativação de usinas nucleares como fonte energética mais adequada à demanda motivada pelo funcionamento do ecossistema da IA deveria contemplar a criação, implantação e fiscalização de planos de gerenciamento de riscos e de crise que envolvam o tripé governos (de todas as esferas), iniciativa privada e representações diversas da sociedade civil.
É certo que eventos climáticos extremos, como os que temos vivenciado no último ano, têm potencial de ocasionar acidentes de espectros catastróficos, mas o fato de sabermos da existência de tal possibilidade frente à situação atual da Terra dentro da emergência climática em que se encontra nos obriga a contemplar planos que prevejam tal cenário. Crise é algo que surge do inesperado, desvia o foco, causa prejuízos, desestabiliza (Forni, 2022, p. 3). O autor reitera que, embora pareçam sinônimos, crise e emergência não o são e nem sempre caminham juntos. Emergência, diz, causa inevitavelmente interrupção brusca. Crise caracteriza uma situação que traz questionamentos sobre valores, segurança e funcionamento de uma empresa (Viana apud Forni, 2022, p.3).
Podemos ponderar então que um acidente ocorrido em uma usina nuclear carrega elementos característicos tanto de uma crise como de uma emergência por conta do espectro de extensão, gravidade, alto potencial de letalidade e de rotas de escape nem sempre factíveis. O uso de dados diversos e dados de georreferenciamento da sociedade civil próxima às usinas devem nortear e estar inseridos no plano para garantir sua eficácia em situação de acidente. A área da comunicação deve ter um papel fundamental em todo esse processo.