IA generativa como complementadora na produção de conteúdo no TikTok

Autores

  • Samyr Paz Universidade Feevale
  • Sandra Portella Montardo Universidade Feevale

Palavras-chave:

Inteligência Artificial generativa, Produção de conteúdo, TikTok, Plataformização da produção cultural

Resumo

Este trabalho explora as características da Inteligência Artificial generativa (IAG) nos processos de plataformização da produção cultural. O objetivo é identificar quais as características desse tipo de IA como complementadora das atividades de criadores de conteúdo no TikTok. Quanto a esse contexto, a plataformização da produção cultural designa as formas pelas quais extensões econômicas, infraestruturais e de governança de plataformas digitais afetam as indústrias culturais, assim como moldam organizações de práticas de trabalho, de criatividade e de cidadania que se dão em torno dessas estruturas (Poell; Nieborg; Duffy 2021). Observa-se, com isso, que se reconfiguram processos de produção de notícias, de jogos, e de outros conteúdos, revelando-se processos de dependência dos produtores culturais em relação às plataformas nas quais distribuem conteúdo (Poell; Nieborg, 2018). 

Entre as fases de produção cultural, identifica-se: criação cultural, distribuição, marketing e monetização (Poell; Nieborg; Duffy, 2021). Já no que se relaciona aos atores envolvidos em processos de produção cultural plataformizados, os mesmos autores (2021) indicam: produtores culturais (organizações, trabalhadores criativos individuais e/ou criadores de conteúdo que criam, distribuem e comercializam conteúdo ou outros produtos), intermediários culturais (anunciantes, intermediários de dados, agências de gestão de talentos que intermedeiam e facilitam a produção cultural em plataformas digitais em suas diferentes fases).

Ainda quanto a isso, Poell, Nieborg e Duffy (2021) destacam que a diversidade de instituições e de atores envolvidos na produção cultural plataformizada se confunde quando produtores de conteúdo e outros terceiros tornam-se dependentes das plataformas. Nesse sentido, produtores culturais, intermediários culturais e anunciantes são todos considerados como complementadores, ou seja: "fornecedores independentes de produtos complementares para clientes em comum" (Mcintyre; Srinivasan, 2017, p. 143 apud Poell; Nieborg; Duffy, 2021, p. 11), ou seja, como atores que complementam a entrega de conteúdo e serviços fornecidos por uma plataforma.

Uma vez que a IAG é um fenômeno emergente, foi realizada uma investigação com bases na Teoria Fundamentada. Esta metodologia inverte o eixo de revisão bibliográfica/observação empírica. Assim, a teoria é acionada após a coleta e interpretação dos dados, questionando “o que está acontecendo aqui?” (Bittencourt, 2015; Fragoso; Recuero; Amaral, 2013). Com essa premissa, durante o período de 23 a 27 de outubro de 2024, foram coletados 30 vídeos publicados no TikTok, marcados com a hashtag (#) "ai". A busca pelos conteúdos ocorreu via navegador web, no modo convidado. Esta tática foi adotada para amenizar os efeitos de personalização do algoritmo da plataforma. Em seguida, foi realizada a codificação aberta, com a desconstrução das características dos vídeos, atendendo a segunda etapa da Teoria Fundamentada (Bittencourt, 2015). Em uma tabela, os dados foram organizados nas seguintes colunas: link para o vídeo, data de publicação, rótulo de conteúdo IA, breve descrição do conteúdo, número de visualizações, ferramenta de IA utilizada na criação, categorias identificadas, usuário que publicou o conteúdo e táticas de monetização. A busca por "#ai" resultou em 9,9 milhões publicações, porém é provável que a quantidade seja maior, sendo este número uma limitação da ferramenta de busca. Os dados foram coletados na ordem disponibilizada pela plataforma, da esquerda para direita e de cima para baixo (ver Figura 1 abaixo). Foram excluídos os materiais não gerados por IA e conteúdos criados com filtros do TikTok. Também não foi coletada mais de uma publicação por usuário, como forma de diversificar os dados. Em seguida, serão relatados os principais resultados desse empreendimento.

Figura 1 - "#ai" na busca do TikTok – navegador web.

Fonte: TikTok, outubro de 2024.

            A maioria dos conteúdos [20] ultrapassa as milhões de visualizações, com uma publicação chegando aos 119,6 milhões. Em segundo lugar, aparece um conteúdo com 67,9 milhões. Treze conteúdos não ultrapassam a casa dos 10 milhões, enquanto outros quatro [5] ficam entre 18 e 24 milhões. Os menores números de visualizações [2] são 11 mil e 22 mil. O restante das publicações [8] ultrapassa a casa das centenas de milhares. Grande parte das publicações [18] não menciona qual foi a ferramenta IA utilizada na geração. Stable Diffusion [4], Midjourney [5], KlingAI [2], Luma [2], Dalle3, Magnific AI, Immersity AI e Sora compõem o restante dos dados, sendo que em alguns casos mais de uma ferramenta foi utilizada [4]. Apenas um usuário não foca seu perfil na publicação de conteúdos IA. Outros se identificam como artistas IA [6], criadores IA [4] ou produtores de conteúdos sobre IA [2]. Estes últimos publicam dicas, informações e demonstrações da tecnologia. O restante menciona IA no nome de usuário ou suas publicações são de IAG [16]. Por fim, um dos usuários é a conta oficial da OpenAI, desenvolvedora da Sora e do ChatGPT. As táticas de monetização realizadas pelos usuários envolvem a comercialização de infoprodutos sobre IA [5], encomendas de artes geradas por IA [3], assinaturas via Patreon [3], links de afiliado [2], vendas de NFT [2], doações [2] e mentoria sobre IA [1]. Além disso, julga-se que todas as contas buscam monetizar por meio das visualizações, dado o número relevante dessa métrica nos conteúdos coletados e as políticas do TikTok nesse sentido[1]. Observa-se a atuação multiplataforma dos usuários, com links para outras plataformas como YouTube, X e Instagram. A publicação mais recente dos conteúdos coletados ocorreu em 19 de outubro de 2024, enquanto a mais antiga foi em 22 de maio de 2023. A metade das publicações conta com o rótulo de conteúdo IAG, seguindo as normas de governança do TikTok.[2]

            Em relação às características dos conteúdos em si, foi possível identificar as seguintes categorias temáticas: fantasia [17], mulheres [10], animais [9], fofos [6], homens [5], demonstração [5], dança [3], narrativa [2] e crianças [2]. Ressalta-se que a maioria das publicações combina mais de uma categoria [20]. Ainda que se sobressaiam conteúdos fantásticos, com seres mitológicos, imaginados, antropomorfizados ou de ficção científica, a segunda categoria prevalente destaca corpos de mulheres de maneira sexualizada. De forma semelhante, os homens são magros e musculosos. Mulheres, homens e crianças são pessoas brancas, entretanto a maioria dos adultos têm traços orientais – fato que se correlaciona com as origens chinesas do TikTok. Por fim, vídeos fofos de animais e crianças destacam o objetivo dos conteúdos coletados: atrair a atenção e gerar engajamento dos usuários da plataforma.

No que se refere a Inteligência Artificial generativa, trata-se de "técnicas computacionais que são capazes de gerar conteúdo aparentemente novo e significativo, como texto, imagens ou áudio, a partir de dados de treinamento" (Feurriegel et al., 2024). Os autores pontuam que sistemas de IAG, como Dall-E 2, GPT-4 e Copilot, estão revolucionando a maneira como trabalhamos e nos comunicamos, até mesmo em propostas artísticas, por meio da imitação de textos de autores e de imagens de ilustradores. Isso se dá por meio de dados de treinamento, derivados de técnicas de aprendizagem de máquina, que possibilitam reconhecimento de padrões e predições (Hubert et al., 2024), estabelecendo relações entre padrões e estruturas que são coerentes com os dados de treinamento e, ao mesmo tempo, inéditos em sua apresentação (Crawford, 2021).

Pasquinelli (2023) argumenta que a IA contemporânea é um projeto que captura produções cognitivas manifestadas em comportamentos individuais e coletivos, transformando-as em modelos algorítmicos automatizados com diversas finalidades. Nesse sentido, a IAG tende a reproduzir desigualdades históricas de visibilidade (Gillespie, 2024), fato que se confirma nos conteúdos coletados nesta pesquisa. Gillespie (2024) afirma que este problema pode ser contornado por alterações no prompt, entretanto as configurações padrão (default) importam, afinal a maioria dos usuários não buscam alternativas, resultando no reforço de normas sociais.

A codificação inicial da agência da IAG como complementadora na produção de conteúdo no TikTok habilita a criação e publicação de vídeos e imagens, gerando visibilidade para usuários e dados para a plataforma. Táticas de monetização, já presentes no ecossistema digital, aproveitam o engajamento provocado por conteúdos IAG. As regras de governança, previstas no rótulo identificador de IAG, estão presentes em apenas metade dos vídeos, demonstrando uma fragilidade na moderação de conteúdos por parte do TikTok. Por fim, ainda que a IAG permita criações fantásticas, normas e padrões sociais são reproduzidos em conteúdos que atingem grande popularidade no TikTok.

 

[1] Programa de monetização do TikTok: https://bit.ly/3C4WdgB. Acesso em 31 de out. de 2024.

[2] Normas de governança sobre IAG no TikTok: https://bit.ly/4fpzhHl. Acesso em 31 de out. de 2024.

Publicado

02-12-2024