Os graffitis insulares da cidade-sede da COP 30

Autores

  • Will Montenegro Fapen, Fapan e UFMA
  • José Ferreira Júnior UFMA

Palavras-chave:

Arte, Interseção da Significação, Graffiti, Street River, Ilha do Combu

Resumo

A pesquisa aborda a arte visual como interseção da significação a partir da experiência de artistas e moradores com o graffiti na Ilha do Combu, capital do Estado do Pará, na Amazônia paraense, cidade-sede da 30ª Conferência da Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em novembro de 2025. Uma viagem de 15 a 20 minutos em barco pequeno é o tempo suficiente para chegar à Ilha do Combu, uma das mais conhecidas e visitadas da Belém insular. A Belém continental está literalmente à beira das águas fluviais, as quais encontram-se as 39 ilhas que formam a parte insular da capital. O objetivo é analisar o ato experiencial baseado nas relações estéticas e representacionais com o foco na produção de sentido e na construção de significados.

Conhecida por seus restaurantes de comidas regionais, fábrica de chocolate e sua biodiversidade, a Ilha do Combu é a quarta maior da região insular em tamanho – cerca de 15,7 km² de extensão territorial – e população habitacional (cerca de 1,8 mil), sendo instituída como Área de Proteção Ambiental (APA) por meio da Lei Estadual nº 6.083/1997 (Belemtur, 2019).

O Combu guarda manifestações artísticas que integram o objeto de análise desta pesquisa. São manifestações artísticas da expressividade do graffiti realizadas em algumas casas da ilha durante o projeto Street River, idealizado pelo artista visual e grafiteiro paraense Sebá Tapajós, que começou em meados de 2015. O projeto se iniciou quando o artista faz os primeiros grafites em algumas casas e barcos.

Ao longo dos anos, especialmente nas celebrações dos 400 anos de Belém, em 2016, o Street River repercutiu na mídia e reuniu a participação de artistas nacionais e internacionais. A proposta foi levar a manifestação artística, oriunda da rua, do espaço urbano, a fim de dar visibilidade à localidade insular que carece de infraestrutura básica de água potável (apesar de cercada pelo rio, a água é captada dele, pois não possui abastecimento), esgoto e saneamento, além de chamar a atenção para os moradores e seu modo de vida. A coleta de lixo doméstico é realizada pela Secretaria Municipal de Saneamento, no entanto, segundo Belemtur (2019), não existe tratamento e reciclagem dos resíduos.

O serviço de energia é prestado pela concessionária de energia, porém apresenta instabilidade, que também são percebidas pelos serviços de comunicação. De acordo com o Belemtur (2019), as operadoras de telefonia Vivo, Claro e Oi atendem a ilha, contudo, em algumas áreas só é possível ter sinal da operadora Tim, ainda com certa dificuldade.

O foco desta pesquisa está nos grafites produzidos por artistas nas fachadas das casas de madeira dos moradores no Furo da Paciência e no Igarapé do Combu, duas áreas onde passaram as edições do projeto ao longo de vários anos. Atualmente, muitas casas não têm mais o graffiti em suas fachadas. A pesquisa não está voltada para o projeto institucional Street River, mas foca na expressividade das manifestações artísticas produzidas durante o projeto naquele contexto insular, tanto para os artistas quanto para os moradores.

A relação com o objeto de pesquisa começou justamente a partir da edição de 2016, quando uma matéria jornalística on-line aborda sobre a primeira ação do projeto na ilha (Marques, 2015; Molinero, 2026; Azevedo, 2016). A partir daquela edição, foi disponibilizado e comercializado um circuito de excursão pela organização do projeto para acompanhar os artistas durante a realização das expressividades e a visualização das manifestações artísticas nas fachadas das casas dos moradores da Ilha do Combu.

Se, por um lado, o projeto Street River tinha entre as suas intenções chamar atenção para a localidade em função das condições de infraestrutura da ilha, por outro lado, a expressividade do graffiti no Combu e a relação da arte naquele contexto insular foram propulsoras o suficiente para despertar a inquietação científica que agora se apresenta nesta pesquisa.

Para isso, foi moldado o percurso teórico-metodológico delineado pelas filosofias de Peirce (2017) e Dewey (2010). O primeiro autor é defensor da concepção sígnica do conhecimento em sua arquitetura filosófica e todo o seu arcabouço teórico da mais conhecida Semiótica Americana. Já o segundo, pela teorização estética da arte como experiência. Ambos os filósofos, com suas respectivas contribuições, auxiliam na elucidação da manifestação artística nos campos da produção de sentido, da significação e da experiência. A compreensão do pensamento peirceano é encaminhada pela contribuição analítica-teórica de Santaella (1994, 1995, 2002, 2004, 2006, 2012, 2013, 2017, 2019, 2020) e Santaella e Nöth (2001, 2017). Integram esse escopo teórico, também, as contribuições de Silva (2014) e Cauquelin (2007, 2005).

O ponto de partida analítico desta pesquisa é a imagem visual da arte naquele contexto insular. Por se tratar de uma imagem que chega aos canais de comunicação do corpo humano por meio da percepção (Santaella, 2012), aqui é feita a conexão com o conceito do signo cunhado pelo estudo da Semiótica de Peirce, o que justifica o caminho teórico desta pesquisa como o apresentado inicialmente. A escolha teórica que norteia este estudo incide ainda no percurso metodológico. Ao utilizar a lógica como fator analítico, esse trabalho adentra na tendência epistemológica, a fim de explicar o signo como sinal representativo e elemento de mediação a partir da experiência da imagem visual do graffiti, só que pela sua ação na/da Amazônia paraense, considerando os sentidos e significados estabelecidos com base na racionalidade lógica desse contexto. Santaella (2017) afirma que a lógica, para Peirce, é sinônimo de semiótica.

O corpus da pesquisa está baseado nas manifestações artísticas do projeto Street River na Ilha do Combu em Belém, em especial nas edições que ocorreram no Furo da Paciência e no Igarapé do Combu, dois dos principais acessos ao interior da ilha e com o maior número de moradias que receberam o graffiti. Estima-se que sejam mais de 30 casas nesses dois acessos; no entanto, considera-se que a quantidade não é sine qua non para esta pesquisa, uma vez que o foco analítico, teórico e metodológico está no signo das imagens visuais da arte e no processo da ação sígnica da semiose.

O percurso metodológico delineado foi o teórico, de tendência epistemológica, alicerçado por um objeto empírico, no qual foi possível explorar, descrever e explicar as situações propostas a partir da realidade vivida (Dencker; Viá, 2001), com enfoque no estudo exploratório, investigação empírica que explorou o contexto de análise em busca de conhecimento com o propósito de averiguar conceitos (Almeida, 2011; Lakatos; Marconi, 2010).

Neste sentido, a abordagem de natureza qualitativa foi a mais adequada, com procedimentos e técnicas, principalmente do campo antropológico, os quais foram evidenciados por meio do método etnográfico, utilizado como inspiração para o desenvolvimento da pesquisa de campo na Ilha do Combu. O recorte metodológico abrangeu, inicialmente, a pesquisa exploratória, depois os aspectos da pesquisa descritiva e, por conseguinte, a explicativa. Tudo dentro do escopo da natureza qualitativa (Apollinario, 2012; Gil, 2002, 2008; Loureiro, 2018; Severino, 2007).

A estratégia de origem e coleta de dados foi baseada na pesquisa documental, na pesquisa bibliográfica e na pesquisa de campo. Na pesquisa documental, foram selecionadas, inicialmente, matérias jornalísticas relacionadas aos graffitis da Ilha do Combu veiculadas na mídia impressa e digital regional e nacional. A pesquisa bibliográfica (Almeida, 2011; Lakatos; Marconi, 2010) deu conta da fundamentação teórica e epistemológica necessária ao trabalho e suas respectivas explicações adotadas. A pesquisa bibliográfica versou sobre as temáticas Amazônia, linguagem, arte, graffiti, experiência, comunicação, estética e semiótica. Ao nível local e regional, esteve apoiada por Borges (2020), Silva (2017), Vieira e Santos (2016), Cosme (2020), Ferreira (2019, 2013), Batalha (2019), Freitas (2017), Oliveira (2016), Machado (2015), Nunes (2014) e Assis (2012). Ao nível nacional e internacional, abordou também com Zuin (2018), Lipovetsky e Serroy (2015), Rink (2013), Farthing (2011), Lassala (2010), Ganz (2008), Canclini (2003) e Gitahy (1999).

A pesquisa de campo se deu sob inspiração etnográfica. Em um primeiro momento, optou-se pela observação não-participante com a participação nas edições do projeto Street River nas quais as manifestações artísticas eram produzidas. Nesse momento, fez uso de registros fotográficos das casas grafitadas, além do caderno de anotações. A questão da imagem como técnica da pesquisa antropológica foi conduzida na perspectiva de Loizos (2015), Campos (1996) e Samain (1995).

Na pesquisa exploratória, a técnica da observação foi fundamental para a condução desta pesquisa, pois, segundo Apollinário (2012), é por meio dela que o pesquisador entra em contato com o objeto, que, por estar fundamentado na filosofia peirceana, é encarado como um fenômeno a ser estudado.

A importância acadêmica desta pesquisa está assentada na perspectiva interdisciplinar, com abrangência nos campos de conhecimento da Arte, da Comunicação e da Semiótica. O estudo tem o caráter de inovação em função da abordagem e da localização. Apesar de próxima do centro urbano continental de Belém, a Ilha do Combu se constitui como espaço de características rurais, a partir de uma produção familiar (Teles; Mathis, 2008). É o território no qual se desenvolvem práticas específicas em consequência da ocupação e do uso da terra. A relação da área insular de características rurais com a zona urbana continental de Belém é outro fator que merece ser destacado, já que o ir e vir de pessoas entre a área e as ilhas são frequentes, haja vista que as dinâmicas sociais, culturais, políticas, econômicas e ambientais são próprias desses espaços. Ademais, há estreita relação na qual a capital será a sede da COP 30.

A pesquisa amplia o escopo de estudos interdisciplinares da Arte, da Comunicação e Semiótica no Estado e na Amazônia paraense, fazendo com que a abordagem peculiar no estudo de populações tradicionais – moradores da Ilha do Combu – possibilite ampliação do campo de pesquisa e efetivação de práticas específicas da/na Amazônia. Reconhece-se as inúmeras pesquisas realizadas sobre os povos tradicionais (Teles; Mathis, 2008; Arruda, 1999; Sherer, 2005; Almeida, 2007; Chaves Rodrigues, 2018). No entanto, a singularidade e a perspectiva ímpar desta pesquisa direcionam para um estudo diferenciado e interdisciplinar das já realizadas em outras áreas de conhecimento acerca da experiência do graffiti entre artistas e moradores.

A compreensão da manifestação artística como elemento sígnico da comunicação foi fundamental para o entendimento da arte como produto da experiência singular. Verificou-se que o graffiti produzido nas fachadas das casas da Ilha do Combu foi resultado de relações, interações e vivências entre artistas e moradores durante as edições do projeto Street River. O ato experiencial fomentou as expressividades da arte que foi elaborada na interseção da significação, zona de confluência na qual as relações adquirem sentidos. A experiência é o processo contínuo para o graffiti que segue o seu fluxo na efemeridade de sua expressão com os corriqueiros apagamentos do graffiti.

Biografia do Autor

José Ferreira Júnior, UFMA

Graduação em Comunicação Social, habilitação Jornalismo, pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA), concluída em 1989. Mestrado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), concluído em 1995 e Doutorado em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), concluído em 2000. Pós-Doutorado em Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), concluído em 2004. Estágio pós-doutoral na Université Sorbonne Nouvelle (2022). Atualmente é Professor Titular da Graduação em Jornalismo e do Programa de Pós-Graduação em Cultura e Sociedade (PGCult) da Universidade Federal do Maranhão, exercendo a função de docente permanente na Linha de Pesquisa Expressões e Processos Socioculturais. Docente permanente e ex-coordenador do Programa do Pós-Graduação em Comunicação (Mestrado Profissional - PPGCOMPro), da Universidade Federal do Maranhão, campus São Luís. Foi coordenador operacional do MINTER (Mestrado Interinstitucional) em Comunicação, parceria entre a Universidade Federal Fluminense (UFF) e a Universidade Federal do Maranhão (UFMA) de 2009 a 2011. Tem experiência na área de Comunicação, com ênfase em Jornalismo e Editoração, atuando principalmente nos seguintes temas: Jornalismo, Semióticas, Processos de Criação e Produção, Design Gráfico, Literaturas, História da Mídia e História Cultural.

Publicado

02-12-2024